Arlindo Oliveira, professor do Técnico e presidente do INESC, revela que as empresas estão a substituir o trabalho dos engenheiros de software e programadores júniores por modelos de IA.
Arlindo Oliveira afirma que a maioria dos estudos concluem que a utilização de ferramentas de inteligência artificial tem um impacto positivo na aprendizagem dos alunos. O professor do Instituto Superior Técnico e antigo presidente da instituição alerta, no entanto, que as escolas e universidades devem adaptar os seus programas.
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“Não é bem que eu tenha de ensinar IA, é como é que eu tenho de ensinar uma dada disciplina que se vai alterar com a entrada de ferramentas de inteligência artificial. Isto é verdade para Direito, mas também é verdade para Economia, para História, para Literatura, para Engenharia, para qualquer área. E acho que isto é que não está a acontecer”, afirma Arlindo Oliveira, em entrevista ao À Prova de Futuro, um podcast do ECO em colaboração com o MEO Empresas.
O presidente do INESC afirma que as empresas estão a preferir contratar engenheiros e programadores séniores, porque o trabalho dos júniores já é feito por modelos de inteligência artificial. O que também obriga a uma reflexão pelas universidades.
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Vamos falar de ensino. Os alunos hoje em dia também utilizam de forma muito alargada estes modelos de inteligência artificial. Inicialmente começou por haver muitas dúvidas sobre um uso pouco ético deste tipo de modelos. Havia alguma resistência também das próprias universidades. Isso já está ultrapassado e o uso destes modelos é hoje amplamente encorajado?
Não está ultrapassado. O uso dos modelos é extremamente divulgado. Os alunos usam para fazer os trabalhos, quando podem e quando não podem. Os alunos usam para fazer programas, usam para fazer relatórios. As teses de mestrado, neste momento, vêm com uma qualidade do inglês que é uma coisa completamente diferente, sem comparação com o que existia antes.
O inglês vem perfeito. Às vezes exagera um bocadinho e vê-se que não foram eles que escreveram, mas geralmente não. Na maior parte dos casos, vê-se que foi trabalho que foi só afinado.
Há três preocupações muito grandes. A primeira é qual é a eficácia do processo de aprendizagem? Os alunos saem dali a saber, ou, pelo contrário, usaram a ferramenta e não aprenderam? A segunda componente é como é que isso altera a perceção deles de todo o processo. Os alunos gostam mais de estudar neste ambiente? A terceira é se aprenderam a pensar de forma profunda, a ter espírito crítico.
Ou se estão a terciarizar esse pensamento profundo nestes modelos?
Exatamente. E as boas notícias é que na maioria dos estudos que têm sido feitos as evoluções são positivas nestas três frentes. O processo de aprendizagem é mais eficiente, os alunos ficam a saber mais. Esta é a componente mais marcante. Os alunos têm também, geralmente, uma perceção mais positiva de todo o processo de aprendizagem.
Isto, para nós, no Técnico, é particularmente sério, porque o Técnico sempre foi uma escola que teve uma filosofia e uma reputação de ser uma escola muito difícil, onde os alunos nem sempre se dão particularmente bem. Podermos melhorar essa perceção é uma coisa importante.
E os resultados também mostram que os alunos saem ligeiramente melhor em termos de espírito crítico, pensamento profundo, etc. É curioso e talvez um bocadinho até contra-intuitivo. Apesar de todas as nossas preocupações com este processo, a evidência que existe é que a alteração é globalmente positiva.
Os mecanismos tradicionais de avaliação estão a ter um grande impacto, e acho que as universidades, que é o que eu conheço melhor, talvez as outras escolas também, não estão a reagir à velocidade suficiente.
Isso significa que as instituições de ensino também têm que mudar os seus métodos?
Quer dizer que muita da avaliação que nós fazíamos, que incluía passar trabalhos para casa, os alunos fazerem relatórios, etc., neste momento faz pouco sentido. Está-se a ver um regresso a uma coisa que estava a cair cada vez mais em desuso, que era a avaliação presencial, oral ou escrita sem recurso à internet. Que é, de facto, a única hipótese que temos neste momento de saber quanto é que os alunos sabem por eles e quanto é que sabem com o apoio às ferramentas.
Há claramente uma regressão na tendência de evoluir para o project-based learning, em que o aluno é desafiado com um projeto ou desafio que tem de resolver, que neste momento é cada vez mais complicado, porque o aluno mete no ChatGPT que resolve o desafio. Ou o aluno tem a honestidade de fazer ele, por si, sem consultar ninguém, ou então mete isto num dos novos modelos que resolvem. Daí, portanto, esse foco no presencial.
Os mecanismos tradicionais de avaliação estão a ter um grande impacto, e acho que as universidades, que são o que eu conheço melhor, talvez as outras escolas também, não estão a reagir à velocidade suficiente, não estão a alterar as coisas à velocidade suficiente. E, portanto, o processo de avaliação está-se a tornar, em ambos os aspetos, menos eficaz.
Se calhar, também, temos de reduzir um bocadinho o foco na avaliação e colocar mais foco no incentivo, na curiosidade. Agora que os alunos têm todas estas ferramentas, em vez de estarmos preocupados em avaliá-los com testes e exames, se calhar temos de ter um processo mais holístico. Agora, isto também não funciona em todo lado, e é duvidoso que funcione em escolas secundárias.
Mas nota que as universidades portuguesas já se estão a adaptar?
Por exemplo, em Direito, o método de avaliação era pedir aos alunos para fazer um ensaio sobre um tema qualquer. Eles metem aquilo no ChatGPT, entregam e não há maneira de distinguir. E está muito mais bem escrito do que eles teriam escrito.
As universidades estão-se a adaptar, mas não quer dizer que se estejam a adaptar da maneira certa. Estão a evitar determinados tipos de avaliação que se vieram a revelar menos eficazes, mas é óbvio para mim que estão a adotar novas abordagens mais eficazes.
Eu não estou convencido que seja preciso uma grande formação para os alunos aprenderem a usar estas ferramentas. É mais fácil usar o ChatGPT do que o Excel.
E na oferta formativa não tem de haver mudanças?
Provavelmente sim, mas eu confesso que não é uma coisa que me preocupe muito. Porquê? Não é exatamente preciso dar uma cadeira só de como usar o ChatGPT, não é? Podemos dar umas indicações que melhoram a utilização daquilo.
Por exemplo, a forma mais correta de dar instruções aos modelos.
Como é que se fazem instruções detalhadas. Há técnicas para estruturar as instruções, mas não preciso dar uma cadeira de seis meses para isso. Com uma hora, basicamente, os alunos percebem.
Eu não estou convencido que seja preciso uma grande formação para os alunos aprenderem a usar estas ferramentas. É mais fácil usar o ChatGPT do que o Excel. E os alunos, ainda por cima, aprendem aquilo com muita facilidade.
Não é bem que eu tenha de ensinar IA, é como é que eu tenho de ensinar uma dada disciplina que se vai alterar com a entrada de ferramentas de inteligência artificial. Isto é verdade para Direito, mas também é verdade para Economia, para História, para Literatura, para Engenharia, para qualquer área. E acho que isto é que não está a acontecer.
Agora, se estamos a dar um curso de Direito, numa altura em que temos ferramentas como estas, provavelmente toda a abordagem, a forma como os juristas vão funcionar no futuro, é diferente. Não é bem que eu tenha de ensinar IA, é como é que eu tenho de ensinar uma dada disciplina que se vai alterar com a entrada de ferramentas de inteligência artificial.
Isto é verdade para Direito, mas também é verdade para Economia, para História, para Literatura, para Engenharia, para qualquer área. E acho que isto é que não está a acontecer.
Nós não mudámos os programas nos últimos dois anos. Nas universidades deve ser o mesmo. Portanto, nós não tendo mudado os programas, estamos a ensinar engenharia como ensinávamos há três anos. Mas a maneira como se faz a engenharia já não é igual à maneira como se fazia há três anos.
E essa mudança ainda não está a acontecer?
Essa mudança não está a acontecer. Pelo menos, seguramente, não há velocidade suficiente. Eu dei o exemplo da Engenharia que conheço, mas tenho quase a certeza absoluta que nas outras áreas é a mesma coisa.
Isso pode, depois, significar um atraso na aquisição de competências?
Acho que, acima de tudo, é um subutilizar das novas potencialidades. Para dar um exemplo concreto, neste momento os alunos usam fortemente os modelos de linguagem para escrever código informático, programas, não é? E, no entanto, nenhuma das nossas disciplinas realmente se adaptou a essa alteração profunda que aconteceu em dois anos e que está a acontecer nas empresas.
As empresas já estão a alterar os seus programas de contratação para contratar pessoas mais séniores e menos pessoas júniores, porque parte do trabalho de sapa que era feito por engenheiros júniores, programadores júniores, agora é feito com modelos de linguagem.
Há empresas que já estão a diminuir a contratação de engenheiros de software e programadores.
As empresas já estão a alterar os seus programas de contratação para contratar pessoas mais séniores e menos pessoas júniores, porque parte do trabalho de sapa que era feito por engenheiros júniores, programadores júniores, agora é feito com modelos de linguagem. E esta alteração não tem ainda reflexo nos programas.
Eu acho que vai ter, mas é mais fácil dizer do que fazer, porque também não é muito óbvio como é que a gente agora altera os programas para isto. Isto é muito rápido. Tipicamente, uma universidade altera os programas numa escala de uma década.
Neste contexto todo, quais é que são as competências críticas que é necessário ensinar?
As suas competências críticas não mudaram muito. Dizia-se já há muito tempo que o espírito crítico é importante. Acho que o espírito crítico é mais importante do que nunca. A capacidade de análise e de partir um problema em subproblemas que possam ser atacados, era uma coisa essencial na nossa área da engenharia e é essencial em todas as áreas.
Acho que esse problema continua exatamente a manter-se. Se eu fizer uma pergunta muito genérica ao modelo de linguagem, ele dá uma coisa muito genérica. Se eu partir aquilo em subproblemas, o resultado é muito mais simples. Portanto, eu acho que as competências em si não mudaram muito.
Há uma competência que se tornou mais importante agora do que era, que é a competência de saber explicitar em linguagem corrente, com clareza, os objetivos que se pretende. Lamentavelmente, está alinhada a uma altura onde os jovens cada vez leem menos, cada vez estão mais expostos a plataformas de conteúdos compactos, tipo TikTok, coisas desse tipo. Talvez a componente da expressão escrita, da compreensão escrita, seja mais importante agora do que parecia ser há dez anos.
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Mudança nos currículos para se adaptarem à inteligência artificial “não está a acontecer”
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