Com algumas entidades gestoras a acumularem perdas de água superiores a 50%, numa altura de seca, o CEO da Indaqua, Pedro Perdigão, defende "práticas mais agressivas" para corrigir desperdícios.
Numa altura em que cerca de 40% do território nacional se encontra em situação de seca severa e extrema, e em que as perspetivas do Instituto Português do Mar e da Atmosfera são de agravamento, o Governo já admite a possibilidade de virem a ser limitados os consumos de água nas regiões mais vulneráveis. Isto, enquanto os níveis médios de perda de água nos sistemas de abastecimento nacionais se mantém perto dos 30% há uma década, com algumas entidades gestoras a registarem perdas acima dos 50%.
Ao ECO/Capital Verde, o CEO da gestora de sistemas de abastecimento de água, que serve mais de 800 mil pessoas, defende a imposição de sanções ou o aumento do preço médio da água para as entidades com maiores perdas, argumentando que a sensibilização “não tem provocado grandes resultados”. De acordo com os dados da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), em 2021, em Santo Tirso/Trofa (9,7%) e Vila do Conde (11,3%), onde a gestão da água está nas mãos da Indaqua, os níveis de água não faturada foram os mais baixos do país.
Para Pedro Perdigão, a estratégia do setor deve passar por investir e reforçar os sistemas de abastecimento de forma a torná-los mais inteligentes, rejeitando a aposta em infraestruturas como dessalinizadoras ou barragens, uma vez que estas são soluções que procuram injetar mais água na rede. E para tornar o setor mais sustentável, deixa um alerta: as tarifas de água “terão mesmo que subir”.
Até ao final do ano, o CEO prevê que a Indaqua expanda o negócio dentro e fora de Portugal, aguardando concursos nos próximos anos para possíveis novas concessões.
Portugal está outra vez em situação de seca severa e extrema, no Algarve e Alentejo, numa altura em que ainda existem níveis altos de perdas de água nos sistemas de abastecimento. O que falta fazer para colmatar esta falha que se prolonga há cerca de uma década?
Penso que existe aqui uma dissonância cognitiva, porque por um lado as pessoas preocupam-se com a seca e há de facto cada vez mais opinião sobre o tema. Parece que já ninguém duvida das alterações climáticas e do seu efeito.
Mas, por outro lado, a situação continua há uma década. Continuamos a perder os mesmos 30% [de água] que perdíamos há 12 anos, o que é particularmente preocupante porque, se a média se mantém, tendo em conta que alguns operadores têm melhorado bastante, é porque há outros que estão a piorar. O problema não são os 30%, são as variações. Em Santo Tirso, Trofa e Vila do Conde, onde operamos, os níveis são baixos. Mas existem concelhos onde as perdas são de 70%.
A pressão política sobre o tema ainda não tem a urgência que devia ter. Começa a ficar parecido com o tema dos fogos. Estamos condenados a ficar muito preocupados com o tema uma vez por ano, mas depois o resto do ano não muda muito.
O que é que as entidades gestoras com maior perdas precisam de fazer? Investir mais em sistemas inteligentes ou melhorar a gestão das infraestruturas e o próprio serviço?
É preciso mais foco e mais gestão sobre o tema. Não implica grande investimento, implica vontade e efetiva mobilização de meios. Conhecemos e lidamos com concelhos onde detetamos fugas mas que ficam um ano sem reparar. Isto não é investimento, é ação. São custos pequenos e que se pagam rapidamente porque a água em Portugal tem valor económico.
Acho que se deve avançar para práticas mais agressivas, como a aplicação de contraordenações. Ou fazer subir o preço da água. Grande parte das entidades gestoras compra água ao grupo Águas de Portugal. Se há um município que perde 10% da água ou 90%, esses valores deviam repercutir-se sobre o preço da água comprada. A sensibilização e a preocupação ambiental não têm provocado grandes resultados.
Mas, em termos práticos, [as entidades gestoras] têm que fazer investimentos para tornar as redes mais inteligentes. Passa por colocar sensores, que permitem recolher dados de caudal e analisar esses dados com ferramentas específicas de inteligência artificial que também detetam situações anómalas que exigem uma ação rápida. Esta é a parte mais urgente das perdas. São as perdas reais e que não chegam a nenhum cliente.
Acho que se deve avançar para práticas mais agressivas, como a aplicação de contraordenações. Ou fazer subir o preço da água. A sensibilização e a preocupação ambiental não têm provocado grandes resultados.
Mas essas sanções não teriam efeitos na fatura dos consumidores?
Não necessariamente. O orçamento municipal podia suportar esse acréscimo. Mas por outro lado, não podia porque são os utilizadores que aceitam aquele modelo de gestão. O modelo de gestão é da responsabilidade dos municípios, dos órgãos eleitos. Não é preciso ser o utilizador final [a suportar os aumentos], mas também se fosse se calhar havia mais pressão política para resolver o problema e para atuar.
Aumentando os preços, não condicionaria o acesso de algumas pessoas à água?
Para isso existem os tarifários sociais. Quando se faz água barata, faz-se para todos, mesmo para os que podem pagá-la mais cara. O tarifário social pode resolver essa preocupação legítima.
Quando digo subir as tarifas, falo nas tarifas médias onde, atualmente, não há problema. São muito acessíveis. O peso [da fatura da água] no rendimento das famílias é muito baixo, inferior a 1%. Em média, as tarifas terão mesmo que subir.
Olhando para os dados do ERSAR, a gestão privada tem alcançado os melhores resultados na gestão. Considera que a gestão privada funciona melhor do que a gestão pública?
Obviamente, sou suspeito. O que mostram os indicadores da ERSAR, e os prémios [atribuídos pelo regulador], é que a qualidade do serviço e os níveis de eficiência são maiores nos operadores privados. Digo isto porque nas cerimónias anuais de entrega de prémios, 80% são entregues ao setor privado. E os privados só detém 20% do mercado.
O mesmo se aplica às perdas. As perdas nos operadores privados rondam os 17%. Longe da média de 30% do país. Faz sentido que assim seja porque quando há uma concessão num município com gestão pública, faz-se por concursos públicos. Em Portugal, não há privatização da água. Há concessões. O serviço de gestão das redes é feito por uma entidade de capital privado.
No fundo as entidades públicas têm muito que aprender?
Acho que sim, mas temos que ter cuidado porque há excelentes exemplos de entidades públicas, tal como há maus exemplos em privadas. Os modelos não se avaliam pelos bons e maus exemplos, mas sim pela média. E, em média, o setor público tem muito que aprender com o setor privado.
Perante o agravamento da situação de seca, o Governo já fala em restrições no consumo de água em regiões com stress hídrico. Faz sentido aplicar-se esta medida?
Concordo, numa situação de urgência. Chegámos aqui, com os mesmos níveis de perdas de água e perante uma situação de seca, somos confrontados com esta inevitabilidade. Não há alternativa. Felizmente os sistemas públicos têm tido a capacidade para resistir às secas que se verificaram até hoje. O impacto tem sido relativamente pequeno. Em zonas mais no interior, Trás-os-Montes e no Algarve, não se sente, mas andamos no limite. A situação tem vindo a agravar-se, e em algumas regiões pequenas chegou mesmo a faltar água. Vamos continuar a ver, ano após ano, uma pioria, se não houver uma intervenção estrutural a nível da eficiência.
Existe o risco dessa falta de água se vir a alastrar a mais cantos do país?
É um risco real. Diria que os grandes centros urbanos estão protegidos porque estão junto a rios com grande caudal, como o Tejo ou o Douro. Mas em localidades mais distantes, e cada vez maiores, existe esse risco, e por isso é que se ouve falar em novos investimentos. Ao invés de se apostar na eficiência, está-se a procurar fazer investimentos em sistemas que trazem mais água. Estamos a perder água entre a origem e o utilizador. Podemos reduzir essa perda, mas como isso parece ser difícil, fala-se em novos investimentos. Em barragens, dessalinizadoras… é preciso ter em conta que essas infraestruturas têm custos económicos muito elevados.
O tratamento da água dessalinizada é caríssimo, tem impactos ambientais e elevados consumos energéticos. A capacidade de produção que se perspetiva para a dessalinizadora no Algarve é equivalente aos níveis de perda de água na região. É a mesma coisa. A água no Algarve está armazenada em barragens. Se deixarmos de a perder no inverno, vai haver água no verão, que é quando há mais consumos.
Faz sentido uma aposta em águas residuais?
Fala-se em investir em três grandes origens de água para o sistema: barragens, dessalinizadoras e no aproveitamento das águas residuais. Esta última tem impactos ambientais menores, mas tem uma utilização muito localizada. As Estações de Tratamento de Águas Residuais [ETAR] estão afastadas dos centros e dos locais de consumo, para introduzir essa água no sistema novamente também são precisos novos investimentos. O caminho deve ser o de apostar na redução das perdas, mas vai ser algo que demora alguns anos até produzir resultados.
A Indaqua criou contratos de eficiência hídrica com outros municípios [serviço prestado para melhorar a eficiência e terceiros]. Como têm sido os resultados?
Nós temos quatro projetos de eficiência hídrica com base no desempenho que estão a atingir objetivos antes do prazo [Águas da Região de Aveiro, SMAS da Maia, Águas de Gaia e Câmara Municipal de Chaves]. Estas entidades, que avançaram com os projetos de desempenho, estão a ter benefícios. Ainda assim, o impacto [a nível nacional] é pequeno, e nós achamos que o mercado tem muito mais potencial. Tem havido um crescimento interessante da nossa atividade nesta área, mas o potencial é enorme. Podemos ter um crescimento maior.
É mais barato contratar um serviço da Indaqua para reduzir as perdas do que ser a própria entidade gestora a melhorar a gestão das infraestruturas?
Diria que sim. Damos garantias de redução de perdas e temos o conhecimento. Gerimos oito mil quilómetros de condutas, temos uma rede enorme, 50 pesquisadores de fugas… Se houver uma emergência conseguimos alocar meios. Temos a tecnologia. Temos experiência. Diria que sai mais barato porque o que temos visto é que quando [as entidades gestoras] tentam reduzir as perdas sozinhas, têm resultados muito mais lentos quando comparado com os que conseguimos. O investimento que é feito, é recuperado pelas poupanças que têm na redução das perdas. Antes do fim do contrato, o investimento está pago. Conseguir resultados entre três a cinco anos, só é possível se recorrermos a alguém que tenha aprendido.
Neste momento, a atividade da Indaqua está concentrada na região norte. A ideia é expandir para outros pontos do país?
Temos perspetivas de crescimento para Portugal, Espanha, e noutras regiões da Europa. Em 2022, a Indaqua integrou, por aquisição da Plainwater, três novas concessões no norte: Barcelos, Marco de Canaveses e Paços de Ferreira. Atingimos um volume de negócio de 100 milhões de euros e servimos 800 mil habitantes.
Estamos a apostar noutras geografias e esperamos ter algum desenvolvimento até ao final do ano. Em Portugal, estamos na expectativa de dentro um ou dois anos haver concursos para novas concessões e isso seria muito bem-vindo. Até ao final do ano perspetivamos fazer três a cinco contratos [de desempenho] em Portugal.
O Plano Estratégico para o Setor de Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais 2021-2030 (PENSAARP 2030) indica que são necessários 5,5 mil milhões de euros até ao final da década para o setor da água, sendo a reabilitação dos sistemas das condutas uma das prioridades na atuação. Que idade têm estas infraestruturas?
A rede de água em Portugal foi construída na década de 80, 90. Algumas já no início deste século. O que diz a bibliografia é que essas redes têm uma vida útil entre 50 a 70 anos, que varia em função da manutenção que se faz delas. Se tomarmos cuidados e repararmos as fugas a tempo, elas duram mais. Mas não é esse o panorama. É por isso que o PENSAARP tem uma lógica de médio longo prazo, pedindo um investimento de 5,5 mil milhões de euros até ao final da década.
Acho que o setor da água tem tarifas muito baixas Um aumento ligeiro ou muito confortável, permite tornar o setor sustentável, e não dependente de fundos comunitários que se vão esgotar.
De onde virá esse financiamento?
O financiamento da infraestrutura em Portugal veio muito dos impostos dos últimos 30 anos. Houve solidariedade europeia e programas de subsidiação para a infraestrutura do país numa altura em que não havia rede de água. Acho que não vai haver solidariedade europeia para reabilitar as redes. A infraestrutura está feita, o nosso país e os nossos serviços devem por si só ser sustentáveis — o que, de acordo com o PENSAARP, vai levar a um aumento substancial das tarifas: 30 a 50%, em média.
A nossa perspetiva de crescimento do setor privado passa muito por aí. Vai ser preciso fazer muito investimento. No passado, o principal motivador para a entrada de operadores privados no setor foi o financiamento. Essa necessidade nos últimos anos não se tem verificado, mas quando se verificar vai outra vez trazer um aumento da participação do setor privado.
A médio e longo prazo, porque conhecemos as necessidades de investimento que os sistemas vão precisar, vai ser uma situação muito concentrada no tempo. Como as redes foram construídas na década de 90, 80, vão atingir todas a idade da reforma, ou o fim de vida, quase em simultâneo. É uma bomba relógio. Não sabemos quando vai ser detonada, mas vai ser. E, nesse momento, vão ser precisos recursos gigantescos para o setor e que serão pagos a prazo pelas tarifas, mas que terão que ser financiados naquele momento. Nós antevemos um crescimento do setor privado nos próximos 10 anos para níveis próximos de Espanha ou França, onde o nível da participação do setor privado anda à volta dos 50%.
Podia o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) ter servido de oportunidade para ajudar a reabilitar as condutas ou reforçar o investimento em perdas de água?
Perde-se uma oportunidade para o setor, mas ganha-se para outros. Imagino que se o PRR alocasse recursos para o setor da água, teria que retirar recursos de outro setor qualquer. Há um limite para o PRR.
Mas a futura dessalinizadora do Algarve vai ser financiada com o PRR. Se esse valor fosse realocado para outro propósito…
Sim. Se se alocasse esse valor [200 milhões de euros] para tornar as redes de abastecimento mais inteligentes, então sim, o PRR poderia servir para a reabilitação de redes. Mas o valor é mesmo muito significativo. O PRR não seria uma gota, mas não seria muito.
O que eu também digo muitas vezes, e não é muito consensual, é que quando o país afeta recursos ao setor da água, está a tirá-los de outro. Acho que o setor da água que tem tarifas muito baixas –- a fatura média de água e saneamento ronda os 20 euros por mês. Estamos a falar de dois serviços que, comparado com a luz ou o gás, é muito baixo. Um aumento ligeiro ou muito confortável, permite tornar o setor sustentável e não dependente de fundos comunitários que se vão esgotar.
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Municípios com maiores perdas de água devem ser sancionados, recomenda Indaqua
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