Na Costa Pinto Advogados, Ana da Ponte Lopes passa a liderar a equipa que se dedica ao apoio aos clientes em questões de governo societário, regulatório, compliance e ESG.
Ana da Ponte Lopes reforçou a equipa de sócios da Costa Pinto no mês de abril. Com passagens pelo Banco de Portugal, Grupo Teixeira Duarte e Garrigues, a advogada lidera agora a área de compliance, regulatório e ESG.
A nova sócia da Costa Pinto possui uma experiência nas áreas de governo societário, controlo interno e fit and proper, assim como do panorama regulatório do setor bancário e financeiro. Na Costa Pinto, Ana da Ponte Lopes passa a liderar a equipa que se dedica ao apoio aos clientes em questões de governo societário, regulatório, compliance e ESG, tanto em contexto transacional, como de consultoria e acompanhamento da atividade regular dessas instituições.
Integrou este ano a Costa Pinto. Que desafios enfrenta numa área como o compliance com esta nova fase?
Os grandes desafios que iremos enfrentar na área que lidero, de compliance, regulatório e ESG, são, da minha perspetiva, dois: atualização do conhecimento que as empresas têm sobre as normas a que estão sujeitas, por um lado, e a perceção do valor destas matérias para as empresas, por outro. Passo a explicar.
Por um lado, a intensidade dos desafios regulatórios e a velocidade com que as regras surgem, desaparecem e se alteram representam um desafio enorme de ajudar as empresas e quem as gere a estarem devidamente atualizados no que respeita ao conhecimento destas normas e a perceber exatamente o seu alcance. Teremos seguramente oportunidade de desenvolver este ponto, mas sem dúvida que esta é uma das missões mais relevantes que os advogados a trabalhar nestas áreas têm.
Por outro lado, vejo como um grande desafio contribuir para que as empresas e os investidores vejam estes temas não só numa lógica de cumprimento estrito de normas, mas sobretudo de valorização dos seus negócios, quer no desenvolvimento da operação, quer no contexto de uma eventual venda.
Fez estágio na Garrigues. Porque acabou por não ingressar numa carreira em escritórios de advogados?
A verdade é que nunca tomei qualquer opção consciente no sentido de o meu percurso profissional corresponder a uma “carreira em escritórios de advogados”, a uma “carreira em empresa” ou a uma “carreira em entidade reguladora”.
Optei, isso sim, por procurar uma carreira que permitisse uma valorização e crescimento constantes e, nessa medida, fui abraçando os projetos com que me identificava em cada momento, onde sentia que poderia aprender e também aportar maior valor.
Por exemplo, quando saí da Garrigues em 2010, fi-lo porque fui desafiada para o projeto da Teixeira Duarte, onde procurei não só entrar numa área nova que me interessava bastante, que era o direito societário, como também abraçar uma função que sabia que seria sempre muito relevante (a de in-house) independentemente do percurso que eu viesse a fazer depois.
E porquê agora?
Na sequência do que acabei de referir, decidi voltar à advocacia nesta fase pois identifiquei que havia no mercado uma oportunidade para advogados com expertise nas áreas regulatórias e de compliance e que aliassem ao conhecimento do mundo dos negócios e dos investimentos, uma sensibilidade para entender a visão do supervisor.
Há que reconhecer que não é fácil para as empresas navegar nestas águas, pois a regulamentação, sobretudo no setor bancário e financeiro, é muito extensa e dispersa por diversos diplomas. Verifica-se igualmente um crescente aumento do grau de intervenção dos supervisores.
Parece-me que há necessidade no mercado de profissionais que tenham a expertise necessária para poderem apoiar as empresas, quer na criação de sistemas ou procedimentos de compliance que sejam capazes de acompanhar e dar resposta a este conjunto amplo e dinâmico de obrigações legais, quer na tarefa de tornarem evidente para os seus diversos stakeholders (acionistas, clientes, investidores, parceiros, supervisores) o trabalho de compliance realizado, nomeadamente, mas não só, através dos reportes que fazem da sua atividade.
Assim, após oito anos muito preenchidos na supervisão bancária, no Banco de Portugal, senti o apelo de voltar ao setor privado e pôr a minha experiência ao serviço destes propósitos.
Vejo como um grande desafio contribuir para que as empresas e os investidores vejam estes temas não só numa lógica de cumprimento estrito de normas, mas sobretudo de valorização dos seus negócios.
Como avalia a sua passagem pelo Banco de Portugal?
A minha avaliação sobre estes últimos cerca de 8 anos no Departamento de Supervisão Prudencial do Banco de Portugal não podia ser mais positiva.
Em primeiro lugar foram anos muito felizes, nos quais trabalhei com pessoas de quem gosto muito, num ambiente informal e de proximidade, que é o tipo de ambiente no qual eu acredito que as pessoas melhor se podem desenvolver e, dessa forma, contribuir para o projeto comum.
Foram também anos de muita exigência e aprendizagem. Como coordenadora funcional da unidade de idoneidade e governo interno, o trabalho que desenvolvi focou-se, essencialmente, nos mecanismos de governo interno dos bancos, em particular na designação, composição e funcionamento dos órgãos de administração e fiscalização e dos comités dos bancos, bem como na atuação das funções de controlo.
Esta é uma área bastante exigente, pois não existe uma fórmula única que possa ser aplicada a todos os bancos. Pelo contrário, as regras e boas práticas que existem, para funcionarem bem, têm de ser adaptadas a cada banco, em função da sua dimensão, modelo de negócio, desafios e características específicas. Isso requer, para além de uma visão de conjunto do mercado, a capacidade de perceber quais são as melhores soluções para cada banco e quais as medidas que devem ser implementadas para acautelar eventuais riscos que possam existir.
Dentro da supervisão bancária, parece-me que o trabalho relacionado com o governo e controlo interno é absolutamente crítico, pois incide sobre as pessoas e processos decisórios que têm maior impacto na atividade das instituições. É claro que a atividade dos bancos não é determinada apenas pela atuação das pessoas que estão em cargos de liderança ou de maior responsabilidade, mas estas têm sem dúvida um papel essencial na forma como os valores e a cultura organizacional se desenvolvem nas instituições e na forma como os riscos são identificados e geridos.
Foi por isso um privilégio ter podido trabalhar nesta área, que tanto impacto tem na vida dos bancos e das sociedades financeiras.
Foram anos de uma enorme aprendizagem, em que, a par do trabalho de supervisão, pude participar no desenho e negociação de alguns diplomas legais e regulatórios nas matérias de governance. Beneficiei muito da colaboração com outros colegas e equipas dentro do Banco de Portugal e no Banco Central Europeu e do diálogo com os responsáveis dos bancos e sociedades financeiras.
Que mais-valias acha que pode trazer à Costa Pinto?
A Costa Pinto tem vindo a afirmar-se como uma boutique especializada em várias áreas do chamado “direito dos negócios”.
Neste contexto, há muito que tem presente que os temas regulatórios se tornaram temas incontornáveis tanto em contexto transacional, como no acompanhamento da atividade regular das entidades dedicadas ao investimento.
Neste sentido, o desafio que tenho em “mãos” é o de, em primeiro lugar, ajudar os clientes a conhecerem e compreenderem o conjunto de regras que são aplicáveis, não só às atividades em que investiram, como também às estruturas de investimento que adotaram.
Infelizmente, como referi, muitas destas regras encontram-se dispersas em diversos diplomas que têm necessariamente de ser compatibilizados entre si, com forças jurídicas diferentes (algumas normas são vinculativas outras são boas práticas a seguir numa lógica de comply or explain) e que se encontram em permanente desenvolvimento e atualização, utilizando por vezes formulações complexas.
Outro do nosso foco é ajudar os clientes a montar procedimentos de compliance que sejam robustos e eficazes, garantindo que as empresas, nas suas diferentes áreas operacionais, cumprem o conjunto de obrigações legais e regulatórias a que elas próprias, os seus colaboradores e até mesmo os prestadores de serviços estão sujeitos.
Para nós é também muito evidente que os sistemas de compliance devem ser simples e adaptados aos riscos e à atividade de cada empresa. Não adianta ter políticas internas muito bem construídas e procedimentos bem desenhados se, na prática, estes são de tal forma onerosos que as empresas têm dificuldade em executá-los de forma tempestiva.
A mesma lógica é aplicável no plano do ESG, em que o nosso foco está muito nas métricas e na capacidade de as empresas conseguirem fazer um reporte com qualidade.
Creio que, com a minha experiência profissional, em particular a mais recente na supervisão bancária, no Banco de Portugal, posso dar uma maior segurança aos clientes no que diz respeito ao cumprimento das suas obrigações legais e regulatórias, mas também na identificação das soluções mais razoáveis que podem ser adotadas dentro do espaço de discricionariedade que muitas destas regras comportam.
Nos últimos anos, tem havido também um trabalho de supervisão cada vez mais intenso e eficaz por parte dos supervisores, ao qual, no meu entender, as instituições têm respondido de forma bastante positiva.
O papel de supervisor do Banco de Portugal precisa de mudanças?
Creio que há um caminho que tem sido feito e que, na minha opinião, deve continuar a ser aprofundado, que é a existência de um diálogo cada vez mais direto e aberto entre o supervisor e as instituições bancárias e financeiras.
Da minha experiência, a existência de canais de comunicação abertos é muito importante para garantir transparência naquilo que são as expectativas de supervisão do Banco de Portugal relativamente a cada banco e sociedade financeira. O inverso também é verdade, ou seja, as instituições também devem procurar ser claras e transparentes com o supervisor relativamente aos desafios que enfrentam e à forma como estão a responder ou não às expectativas supervisivas. Creio que este diálogo aberto entre supervisor e instituições pode ser um ciclo muito virtuoso para ambos.
Parece-me também que há um importante caminho a percorrer em termos de simplificação dos procedimentos. O enorme esforço de supervisão que foi feito na sequência da crise financeira de 2008, não só em Portugal, mas também em todo o Mecanismo Único de Supervisão, em meu entender, com bastante sucesso face aos enormes desafios que se colocavam, parece ter resultado num sistema com alguma complexidade, quer para as autoridades de supervisão, quer para as instituições supervisionadas.
Parece-me que, estando agora nós numa fase de maturidade da supervisão bancária, será importante simplificar os processos supervisivos, para que os bancos e sociedades financeiras possam alocar os seus recursos às tarefas mais relevantes, quer em termos de negócio, quer em termos de gestão de riscos. O mesmo se passa da perspetiva do supervisor, em que a existência de processos de supervisão complexos impacta muito as equipas às quais cabe analisar os dados e dar respostas adequadas e tempestivas às situações identificadas.
Como define a sua passagem pela Teixeira Duarte?
Eu diria que foram anos de uma grande aprendizagem. Desde logo, porque comecei a trabalhar numa área de direito que então era nova para mim, o direito societário. Integrei a equipa da Teixeira Duarte que tratava da vida das sociedades do grupo sediadas em Portugal, prestava apoio ao Conselho de Administração da “casa mãe” e controlava as sociedades do grupo localizadas noutras geografias (que tinham as suas equipas jurídicas locais).
Para além disso, na Teixeira Duarte tive a oportunidade de estar envolvida em grandes operações societárias, em termos de valor dos investimentos, e pude observar de perto uma forma muito elevada de estar no mundo dos negócios, o que creio que levei para a vida.
Ser advogada de empresa é mais limitativo que estar como sócia num escritório?
Não creio que o seja. Pelo menos, essa não é a minha experiência. Na minha carreira tive a sorte de passar pelos vários “chapéus” que tipicamente um advogado pode ter: advogada em escritório de advogados (Garrigues), advogada numa empresa (Teixeira Duarte), jurista num supervisor (Banco de Portugal) e, agora, sócia de um escritório de advogados (Costa Pinto).
Da minha experiência, não vejo que as funções dos advogados que trabalham em empresas sejam mais limitativas. O seu papel é de encontrar as soluções que juridicamente façam mais sentido para a empresa, implementá-las e, bem assim, aconselhar juridicamente quem decide. A realidade das empresas é muito rica e exige uma permanente adaptação da parte das suas equipas jurídicas, que são todos os dias confrontadas com a realidade do negócio e com a urgência que tal acarreta. No meu entender, um bom advogado, em contexto de escritório de advogados ou de empresa, tem de saber sempre que o seu objetivo é apoiar o negócio desenvolvido pela empresa.
O desafio que tenho em “mãos” é o de, em primeiro lugar, ajudar os clientes a conhecerem e compreenderem o conjunto de regras que são aplicáveis, não só às atividades em que investiram, como também às estruturas de investimento que adotaram.
Que desafios a médio prazo tem agora a Costa Pinto?
Os grandes desafios para a Costa Pinto nesta área são o de aumentar a sua reputação no mercado nestas áreas e colocá-las ao nível do reconhecimento que já temos nas áreas mais fortes (em particular no M&A e societário) e, paralelamente, ganhar quota de mercado.
Vencendo estes dois desafios estaremos igualmente a vencer um terceiro que é para nós também muito importante que é o de dar oportunidade a toda a nossa Equipa de poder crescer profissionalmente nestas áreas tão relevantes.
Portugal ainda está muito aquém do desejado, ou do realizado, no que toca a mecanismos de compliance?
No setor bancário e financeiro, que é aquele que tenho acompanhado mais de perto nos últimos anos, parece-me que tem havido uma evolução muito positiva nos últimos anos.
A regulamentação bancária é atualmente bastante mais extensa e exigente do que era há alguns anos. O setor conheceu um enorme desenvolvimento do quadro regulamentar, nomeadamente em matérias de governance, controlo interno e prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. As guidelines da Autoridade Bancária Europeia oferecem também um enquadramento que anteriormente não existia, pelo menos com o grau de desenvolvimento atual, o que acresce às próprias prioridades de supervisão que vão sendo estabelecidas pelo Banco Central Europeu e pelo Banco de Portugal.
Nos últimos anos, tem havido também um trabalho de supervisão cada vez mais intenso e eficaz por parte dos supervisores, ao qual, no meu entender, as instituições têm respondido de forma bastante positiva, procurando não só melhorar as suas políticas internas e os procedimentos de compliance instituídos, mas também procurando fomentar uma cultura de compliance dentro das instituições.
É uma área onde há sempre muito trabalho a fazer, pois os desafios são cada vez maiores (veja-se por exemplo o impacto da transformação digital e dos desafios de ESG) e exigem investimento, conhecimentos e atualização permanente por parte dos quadros das empresas.
Parece-me, em qualquer caso, que as empresas e os gestores melhor preparados já perceberam que ter sistemas eficazes de compliance e ESG não é um nice to have, mas sim uma necessidade.
Isto porque, para além dos riscos de sanções e de responsabilização, é aí que se joga, em grande medida, a reputação das empresas e dos seus gestores, o que é determinante para a confiança do mercado e para a capacidade de captação de investimento.
Como se pode estimular as empresas a mudar essa postura?
Creio que muitas empresas percebem a necessidade de ter sistemas de compliance eficazes e têm boas intenções nesse campo, mas simplesmente têm dificuldade em conseguir fazê-lo na prática.
Os advogados têm aqui um papel essencial em “descodificar” as obrigações a que as empresas estão sujeitas. Não são águas fáceis de navegar e o apoio jurídico certo pode fazer toda a diferença para estimular uma postura empresarial de compliance. Como poderemos cumprir as normas que não conhecemos ou que não percebemos bem?
Outro aspeto que me parece essencial é simplificar os procedimentos de compliance. Da minha experiência, muitos dos obstáculos advêm de procedimentos internos que são demasiado complexos ou onerosos para as equipas que os têm de implementar. Tal acaba por provocar um atraso temporal na identificação de determinadas situações de incumprimento e, nesta matéria, chegar tarde é também incumprir. Acabam também por se consumir um conjunto de recursos que poderiam estar investidos noutros processos de melhoria contínua, que se acabam por perder.
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