“Não houve pechinchas” no imobiliário do Novo Banco, diz presidente da Whitestar

CEO da Whitestar diz que as críticas ao Novo Banco sobre vendas de ativos ao desbarato são infundadas. João Bugalho vê subida do malparado na banca como inevitável e pede medidas de apoio eficazes.

A empresa de gestão a recuperação de crédito Whitestar comprou em dezembro a primeira carteira de NPL ao Novo Banco, embora tenha concorrido e perdido a corrida em processos anteriores para outros investidores. O CEO João Bugalho diz que não “faz sentido” levantar suspeitas sobre vendas ao desbarato realizadas pelo banco. “Não há pechinchas. É um comentário que não tem qualquer sentido. Participei nas carteiras e perdi”, diz o responsável em entrevista ao ECO.

Em tempos marcados pela crise da pandemia, Bugalho não tem dúvidas de que o incumprimento no crédito vai voltar subir. E pede medidas eficazes ao Governo. “Não se pode cair no erro de querer ajudar toda a gente, incluindo quem não tinha viabilidade económica antes da pandemia. Mais à frente alguém vai pagar a fatura”, alerta o gestor.

A Whitestar fechou o ano a comprar quatro carteiras: duas ao Santander, uma ao Novo Banco e outra ao BCP. Como é que a pandemia afetou o mercado do malparado?

O mercado de malparado parou com a pandemia. Não se sabia o que ia acontecer e as operações que estavam pensadas foram colocadas em banho-maria. Não se sabia quando é que as coisas acalmariam. De facto, regressou com uma operação do Santander. Foi uma primeira operação para testar o mercado e a verdade é que se confirmou que se mantinha o apetite.

Além dessas operações, a Whitestar ganhou mais portefólios que vieram de outros servicers para a nossa gestão, o que nós acreditamos que seja uma consequência de uma fuga para a qualidade. Tivemos ano de forte crescimento dos ativos sob gestão. Ultrapassámos os 9 mil milhões.

Há metas para 2021?

Isto é um negócio muito binário. Fazemos cinco ou seis trades por ano, e fazer ou não fazer um trade faz toda a diferença.

Adquiriu uma carteira ao Novo Banco, o Projeto Carter, com o fundo CRC. Como viu a polémica em torno do banco, com as acusações de vendas ao desbarato nos processos anteriores?

Participámos em diversos processos do Novo Banco no passado e nunca tínhamos vencido porque os outros investidores viram mais valor nas carteiras. Não tenho a menor dúvida de que não há pechinchas. É um comentário que não tem qualquer sentido. Participei nas carteiras e perdi. Digo isto com tranquilidade.

As dúvidas que se levantaram em relação ao Novo Banco não fazem sentido?

Não. Nós não ganhámos porque achámos que não devíamos pagar tanto. Os preços foram os de mercado e os comentários sobre as pechinchas resultam da falta de conhecimento. São operações de elevadíssimo risco: os investidores correm enormes riscos, os bancos fazem um trabalho excecional de valoração das carteiras e, depois, as partes chegam a um encontro de preço que é aquilo que reflete o mercado. Movimentar uma carteira destas pode representar milhões de euros de custos: em termos de IMT, mudar toda a operação de gestão, as due dilligences…

Outra coisa: quando se diz que uma carteira que valia 90 milhões e foi vendida por 50 milhões, e que isso foi uma pechincha… Os 90 milhões poderão ser o valor que está no balanço dos bancos, não sabemos as imparidades que estão associadas. Mas uma coisa é realizá-los ao fim de um ano, outra é realizá-los ao fim de 10 anos.

Uma das dúvidas levantadas teve a ver com ativos imobiliários. Numa altura em que temos o imobiliário tão valorizado, por que razão tivemos aqueles descontos?

Porque é que são sempre feitos processos com três e quatro investidores gigantes e só um é que ganha? Se fosse tão barato, porque é que o outro não punha dinheiro em cima? Estamos a falar de investidores institucionais que sabem os riscos que correm, e sabem que o tempo de realização desses imóveis pode demorar anos e anos. Pensar que se fazem operações em que se paga pouco pelas coisas revela absoluto desconhecimento. Paga-se aquilo que se entende que é o valor adequado. Os bancos, em particular, fazem um trabalho excecional na forma como se posicionam na venda e na forma como procuram ter os melhores preços de mercado.

Sentiu que essa perceção pública negativa teve impacto na predisposição dos bancos para venderem estas carteiras?

Os bancos estão muito maduros nestes processos. Mas, de facto, criou-se uma perceção pública de que os bancos venderam esses ativos ao desbarato. Todas as carteiras tiveram um processo com três, quatro e 20 bids e alguém entendeu dar um preço que outros não quiseram dar. A questão da pechincha não faz sentido. As coisas são transacionadas pelo preço de mercado que reflete o risco a operação traz, o tempo que ela demora em termos de execução após a alienação desses ativos.

Participámos em diversos processos do Novo Banco e nunca tínhamos vencido um porque os outros investidores que viram mais valor nas carteiras. Não tenho a menor dúvida de que não há pechinchas. É um comentário que não tem qualquer sentido. Participei nas carteiras e perdi.

João Bugalho

CEO da Whitestar

A aquisição de carteiras é apenas uma parte do negócio da Whitestar. Depois têm a gestão, nomeadamente aquilo que chamam collection, a cobrança das dívidas. A pandemia condicionou essa atividade?

Condicionou mais do ponto de vista externo do que interno. Nós, ao fim de 15 dias, estávamos a operar a partir de casa. Foi um processo que fomos refinando nos meses subsequentes e, hoje em dia, estamos a operar com 600 pessoas em casa e não sentimos uma redução por esse lado.

Estão preparados para o novo confinamento, então?

Estamos totalmente preparados, até será mais simples agora porque já estamos a funcionar assim há alguns meses. Se alguém nos dissesse ‘olha, vai haver uma pandemia, preparem-se’, isto seria um projeto para seis meses, com 50 mil consultores, preocupações de todas as formas e feitios. A verdade é que em 15 dias tínhamos todas as pessoas a trabalhar a partir de casa e não tivemos grandes perdas operacionais. Tivemos dois meses bastante difíceis não pelas questões internas, mas mais pelas questões externas.

Quais?

Um conjunto de medidas tomadas pelo Governo destinadas a mitigar os problemas que um processo destes normalmente acarreta trouxe limitações à nossa atividade. A segunda quinzena de março e o mês de abril não foram fáceis. De alguma forma, a paragem também nos deu mais tempo para nos acomodarmos internamente. Olhando para trás, estamos satisfeitos com a forma como este ajustamento decorreu num contexto muito difícil.

Já sentiu algum aperto das condições financeiras dos devedores cujas dívidas está a gerir? Estavam à espera de cobrar mais do que vieram a cobrar?

Essa era a nossa principal preocupação: o que é que irá acontecer em termos das nossas collections, como chamamos. Tivemos um impacto forte entre a segunda quinzena de março e a primeira quinzena de maio.

Por um lado, continuámos com um mercado imobiliário com elevados níveis de procura. Foi um ano em que batemos um recorde de vendas de imobiliário, que são uma parte muito significativa do nosso negócio. Depois de algumas dúvidas no início, o mercado respondeu muitíssimo bem e praticamente não temos assistido a uma redução dos preços. Dezembro foi o nosso melhor mês de sempre em vendas de imobiliário, chegámos praticamente aos 19 milhões. E foi também um grande mês de collection. Depois de uma fase inicial e com a entrada do verão, o último trimestre acabou por correr bastante bem.

Quando olhamos para o ano como um todo, foi muito satisfatório do ponto de vista da forma como conseguimos resolver o problema que tínhamos entre mãos, mas não foi um ano fácil do ponto de vista operacional.

João Bugalho, CEO da Whitestar, em entrevista ao ECO - 05FEV19

O que podemos antecipar de implicações económicas decorrente da pandemia?

Um ponto importante são as moratórias: saber até que ponto é que a moratória é um balão de oxigénio a crescer e depois, quando regressarmos à normalidade, até que ponto as pessoas vão ter capacidade para retomar a sua vida. Aparentemente, os créditos que estão suspensos em moratória serão pagos por acréscimo à vida do contrato. Mas podemos ter um cenário de subida do desemprego, pois há empresas que estão inseridas em áreas mais diretamente afetadas pela crise e podem não conseguir resistir, há uma seleção natural num processo destes. Esse desemprego vai trazer inevitavelmente crédito em incumprimento nos bancos. A crise vai inevitavelmente trazer algumas dificuldades a empresas que não vão conseguir pagar. Por essa via, estima-se que o mercado de NPL torne a subir.

As moratórias estão a mascarar o verdadeiro problema? São uma “bomba relógio”?

Não sei se são uma “bomba relógio”. Inevitavelmente, as moratórias estão a esconder – e ainda bem, nesta fase – dificuldades. Não sei dizer o que é que vai acontecer à frente. Temos um sistema financeiro e uma sociedade que têm condições interessantes para lidar com uma pandemia desta ordem. Mas estamos a falar de uma pandemia com impacto transversal a todo o mundo, e em que alguns setores da atividade económica inevitavelmente vão ter dificuldades.

As moratórias deveriam ser prolongadas? Por quanto tempo?

Estamos a navegar à vista, neste momento. Não sabemos como irá correr com a vacina, não sabemos se há mais fases de pandemia agravada ou não, é uma pergunta que nem com bola de cristal se consegue responder muito bem neste momento.

Também dependerá do que for a resposta do Governo no apoio às empresas e famílias?

A implementação de medidas para defender as empresas e os particulares é determinante para a evolução que vamos ter.

Governo está a fazer o que espera que faça?

Não quero fazer comentário político. Pode-se sempre dizer que se podia fazer mais, mas não vou por esse caminho. O Governo tem feito aquilo que entende ser possível fazer. As medidas que foram tomadas ajudaram a que a fase inicial mais complexa fosse ultrapassada com menos dificuldades, sempre com muitas dificuldades, mas com menos dificuldades caso as medidas não tivessem existido. O Governo continua atento ao que está a acontecer e espero que seja proativo o suficiente para garantir as respostas adequadas a cada momento da crise e da forma a que ela se mostre.

Devemos procurar um conjunto de apoios nos setores que realmente necessitem. Não se pode cair no erro de querer ajudar toda a gente, incluindo quem não tinha viabilidade económica antes da pandemia. Mais à frente alguém vai pagar a fatura. Não há milagres nestas coisas.

João Bugalho

CEO da Whitestar

Em relação ao imobiliário, o mercado tem mostrado resiliência ao contrário da anterior crise. Vai continuar a ser assim ou arriscamos a uma baixa de preços?

A forma como esta crise aparece é tão distinta da anterior que não são crises comparáveis. O volume de liquidez que existe, aliado a uma taxa de juro muitíssimo baixa, faz com que haja um desviar de capitais para aqueles que são os ativos mais tradicionais e aí o “tijolo” funciona sempre de forma mais positiva e o mercado imobiliário tem-se sustentado à volta disso.

Tivemos uma redução enorme do fluxo turístico, o que numa fase inicial preocupava porque poderia provocar um acelerar de intenções de venda e com isso trazer o mercado imobiliário para baixo. Mas não estamos a ver isso acontecer. Continuamos a ter estrangeiros no mercado português.

A vacina funcionará contra a crise pandémica. Na sua opinião, qual seria a vacina para resolver a crise do malparado e proteger tanto a banca como as empresas e famílias?

A situação está criada. Devemos procurar um conjunto de apoios nos setores que realmente necessitem. Não podemos cair no erro de querer ajudar toda a gente, incluindo aqueles que mesmo sem a pandemia não tinham viabilidade económica. Mais à frente alguém vai pagar a fatura. Não há milagres nestas coisas. Todo o esforço que seja feito aqui terá um impacto à frente. Os próximos dois a três anos não vão ser fáceis. Se ao fim de dois anos voltássemos a ter o que tínhamos em 2019, era maravilhoso, mas acho isso muito otimista.

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