Banca inunda mercado com malparado e acelera limpeza dos balanços

Cerca de 2.000 milhões de euros em ativos problemáticos estão no mercado. Na indefinição europeia quanto ao que fazer com a subida de incumprimentos, banca nacional acelera trabalho de casa.

Nos últimos meses, os bancos colocaram no mercado 2.000 milhões de euros em ativos tóxicos, entre crédito malparado e imobiliário. São negócios que já estavam previstos antes de a pandemia ter paralisado os processos de venda, mas que regressaram em força com o setor num derradeiro esforço de limpeza dos seus balanços antes de estes voltarem a ser contaminados pela subida do incumprimento que se espera após o fim do regime das moratórias.

Embora os valores sejam pequenos, a lista de carteiras no mercado é relativamente extensa:

  • o Santander Totta acabou de vender à Arrow dois portefólios (Pool 52 e Pool 53) no valor de 150 milhões de euros;
  • há duas carteiras no mercado do BCP (Webb e Ellis) no valor de 750 milhões de euros e que tinham atraído o interesse de oito fundos internacionais;
  • no Novo Banco partiu-se a carteira Nata 3 às fatias e 300 milhões de euros em créditos tóxicos e estão à venda nos portefólios Carter e Wilkinson, sendo que o mercado espera mais uma carteira no próximo ano;
  • o BPI colocou no mercado o Projeto Lime, no valor de 400 milhões de euros, com contratos sem colateral;
  • um conjunto de bancos tem ainda à venda o Projeto Zip, uma carteira gerida pela Norfin e com 4.400 casas avaliadas em 360 milhões, que está a prestes a ser vendido a um destes fundos: Albatross e Tikehau, e Cerberus;

Ainda durante o confinamento, a Davidson Kempner ensaiou uma primeira operação em mercado secundário num negócio (Projeto Cavacas) que acabou por dar um sinal positivo aos bancos que reabriram os processos após o verão para tentar recuperar algum do atraso e fazer o “trabalho de casa” também de olho no que o futuro poderá reservar.

“Os bancos, na sua generalidade, estão a aproveitar os rácios de capitais confortáveis, ainda vão tendo espaço de capital para porem carteiras à venda e fazerem alguma limpeza antes de os riscos se materializarem”, resume Manuel Macedo Santos, head da Alantra Portugal, que tem assessorado os bancos em muitas operações de venda de ativos problemáticos nos últimos anos.

Desde 2016, o setor realizou um longo caminho de redução da exposição a estes ativos tóxicos. O rácio de empréstimos em incumprimento (NPL, non performing loans) passou de 17,9% em junho daquele ano para os 5,5% no segundo trimestre deste ano. Paralelamente, os bancos foram reforçando os capitais e estão hoje em melhor posição para afrontar a crise, como já tiveram oportunidade de sublinhar banqueiros, reguladores e analistas. Mas estão sólidos o suficiente?

Malparado com queda vertiginosa

Fonte: Banco de Portugal

Para já, ainda não se assiste a um aumento do malparado, o que em grande parte se explica com as medidas colocadas no terreno pelo Governo para suportar o choque inicial. As linhas de crédito Covid deram uma preciosa ajuda, mas há uma medida que tem centrado todas as atenções: as moratórias, que estarão a camuflar a real dimensão da crise que já vai afetando famílias e empresas e que se encontram sem condições de pagarem os seus créditos.

Não se conhecendo a dimensão do problema, sabe-se, porém, que Portugal é o terceiro país com mais moratórias (mais de 20% do crédito está com moratória) e que os bancos têm grande exposição a setores duramente afetados pela pandemia, designadamente o turismo e pequenas e médias empresas.

Os bancos, na sua generalidade, estão a aproveitar os rácios de capitais confortáveis, ainda vão tendo espaço de capital para porem carteiras à venda e fazerem alguma limpeza antes de os riscos se materializarem

Manuel Macedo Santos

Head da Alantra Portugal

Os analistas não têm dúvidas de que após o fim das moratórias será uma questão de meses até os bancos assistirem a um aumento da taxa de incumprimentos nos empréstimos e, consequentemente, do malparado.

“Em Portugal, a maior parte do malparado está resolvida ou em via de se resolver, mas há de vir uma nova vaga”, alerta António Nogueira Leite, economista e ex-administrador da Caixa. “As moratórias estão a adiar essa vaga em todo o lado, mas o fenómeno é especialmente importante em Portugal tendo em conta a percentagem de crédito que está abrangida por esta medida”, antecipa.

Se é verdade que os bancos chegaram em melhor condição nesta crise, cada um vive uma realidade diferente. A Caixa surge bem capitalizada e poderá superar o problema com maiores ou menores dificuldades. O BPI e Santander apresentam dos rácios de malparado mais baixos do sistema e surgem numa posição também de maior segurança também por estarem inseridos em grupos financeiros bem maiores.

Mas também há casos mais complexos como do Novo Banco e do Banco Montepio, com níveis de ativos problemáticos mais elevados. No primeiro caso, o banco ainda goza da proteção conferida pelo mecanismo de capital contingente que permite acomodar algum impacto do malparado nos seus rácios. O Montepio é “o elefante na sala”, segundo Manuel Macedo Santos. O banco tem cerca de 1.500 milhões de euros em ativos problemáticos e os rácios podem não ser suficientes para absorver mais problemas, como já alertaram as agências de rating. O acionista, a Associação Mutualista Montepio Geral, também não se encontra na melhor condição financeira para acudir o banco, embora esteja a estudar a criação de um veículo que absorva parte destes ativos.

As moratórias estão a adiar essa vaga em todo o lado, mas o fenómeno é especialmente importante em Portugal tendo em conta a percentagem de crédito que está abrangida por esta medida.

António Nogueira Leite

Economista e ex-gestor da Caixa

Enquanto se assiste à limpeza dos balanços, os bancos vão também reforçando as imparidades e provisões para fazer face à crise pandémica. Até setembro, deixaram de lado mais de 800 milhões de euros tendo em vista um aumento do número de incumprimentos.

Nogueira Leite considera que o setor vai ter de continuar a guardar dinheiro de lado nos próximos trimestres. “O embate será maior do que os 800 milhões”, diz.

A este propósito, o professor da Nova SBE recorda o recente relatório da estabilidade financeira do Banco Central Europeu (BCE) e no qual o regulador mostrou as preocupações com o insuficiente nível de provisões que as instituições financeiras têm feito até agora. “Os reguladores acham que a situação é pior do que aquela que bancos acreditam”, explica.

Rácio de non performing no final de setembro

Fonte: Bancos; *Rácio NPL

Por causa da falta de preparação dos bancos face a um eventual aumento do malparado, o BCE enviou cartas aos bancos com avisos de que muitos deles terão de fazer mais para superarem a crise que se avizinha. “Vamos apresentar aquilo que designamos de carta “Caro CEO” aos bancos sob a nossa supervisão e na qual vamos destacar algumas questões que queremos que eles abordem em termos da sua abordagem ao risco de crédito”, disse Andre Enria, presidente do conselho de supervisão do BCE, citado pelo Financial Times (acesso pago/conteúdo em inglês).

Essas cartas seguiram na passada sexta-feira também para os CEO dos bancos portugueses que estão sob alçada direta de Frankfurt: Paulo Macedo (Caixa), Miguel Maya (BCP), António Ramalho (Novo Banco) e João Pedro Oliveira e Costa (BPI). Nelas, Andrea Enria sublinhou a necessidade de os bancos fazerem um acompanhamento regular sobre improbabilidade de os créditos serem pagos, incluindo aqueles que estão “abrigados” pelas moratórias.

Em estimativas divulgadas em julho, o BCE revelou que a crise pandémica poderá dar origem a 1,4 biliões de euros em empréstimos problemáticos para os maiores bancos da Zona Euro, mais do que na anterior crise, e é necessário que eles se preparem para o “tsunami” que poderá vir aí.

Banca à espera da imunidade da vacina

Para Portugal, estimativas de julho da Euler Hermes apontavam, num cenário mais adverso, para um aumento do malparado de novo para perto dos 17%, no que se traduziria em 29 mil milhões de euros de malparado na sequência da crise.

Não há consenso entre os altos responsáveis europeus para lidar com o problema de incumprimentos da crise pandémica. Enria já sugeriu a criação de bancos maus a nível nacional para lidar com esta questão, algo que foi prontamente posto de parte pela presidente do Conselho Único de Resolução da UE, Elke König, a autoridade de resolução europeia, que quer que os bancos façam o “trabalho de casa”.

Nesta indefinição, Nogueira Leite põe a ênfase naquilo que Portugal deve fazer em termos domésticos, sem depender daquilo que venham a ser decisões europeias. E não é pouco.

É muito importante que a economia cresça no próximo ano senão as piores perspetivas serão materializadas. É importante que se resolva a questão da saúde pública e que a economia possa recuperar”, frisa o economista, lembrando que os recursos ao dispor do Governo para apoiar diretamente as empresas “não são ilimitados”.

Nessa medida, também a vacina contra a Covid-19 poderá ser a proteção tão desejada para os bancos também, considera Nogueira Leite. “Não pode haver falhas na resolução da crise sanitária, nomeadamente no plano da vacinação. Portugal não se pode atrasar porque isso terá depois consequências na vida das famílias, das empresas e da sociedade”, atira. Isto sob pena de, mais uma vez, colocarem os bancos portugueses em desvantagem face aos concorrentes europeus.

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