“O nosso sonho é chegar aos três milhões de raparigas em situação de vulnerabilidade”

Alexandra Machado fundou a Girls Move Academy para quebrar o ciclo de pobreza de jovens mulheres moçambicanas, através da educação. Acaba de receber o prémio Carreira da Católica-Lisbon.

Há uma década Alexandra Machado saiu da Nike para fundar a Girls Academy e ajudar a empoderar jovens mulheres moçambicanas a quebrar o ciclo da pobreza através da educação. Acaba de ser reconhecida com o prémio Carreira 2023 Católica-Lisbon pelo seu papel enquanto empreendedora social e por um projeto que já abrangeu 15.000 jovens em Moçambique.

A antiga country manager da Nike Portugal e membro do conselho de administração da Nike Ibéria, Alexandra Machado, foi nomeada Ashoka Fellow, como reconhecimento pelo seu papel como empreendedora social e, em 2021, recebeu da UNESCO o prémio de melhor projeto mundial para a educação das mulheres.

“Saber que o percurso que fiz nos últimos 10 anos enquanto empreendedora social e fundadora de uma academia de liderança para raparigas e mulheres em Moçambique é valorizado como exemplo de carreira é inspirador, não só para mim, que ainda tenho um longo caminho pela frente, mas acredito que também para a nova geração de líderes que o mundo precisa”, refere Alexandra Machado ao ECO Trabalho, sublinhando ainda que “o facto de ser o ecossistema da Universidade Católica a testemunhar a importância da inovação social enche-me de orgulho e de esperança no futuro.”

Quando saiu da Nike para fundar a Girls Move Academy foi uma espécie de “Just Do It”?

Todos sonhamos em ser protagonistas na construção de um mundo melhor. Muitas vezes a questão é como. Há 10 anos esta questão tornou-se para mim mais urgente. Se a minha vida profissional terminasse hoje que marca deixaria? Do que mais me orgulharia? Foi um momento decisivo na minha vida e o início de uma nova etapa e uma nova história. Sentia a energia, a motivação, e o caminho para o fazer. Promover a educação no feminino e a participação das mulheres em lugares de decisão na sociedade é fundamental para o desenvolvimento da mesma, particularmente em países em que nem sempre verificamos igualdade de oportunidades.

Tem parcerias com a UNICEF e a Save the Children. Que impacto está a ter a vossa ação no empoderamento de jovens mulheres em Moçambique?

Ao longo dos últimos 10 anos, a Girl MOVE desenvolveu e testou um novo modelo de educação e liderança em mais de 15.000 raparigas e jovens mulheres com resultados significativamente positivos. Isso é visto tanto no aumento da transição escolar para o ensino secundário (90% vs 30% estatísticas nacionais), como no desenvolvimento de novas lideranças, contando já com uma pool de mais de 200 jovens mulheres posicionadas numa carreira de impacto e influência positiva em áreas estratégicas de Moçambique.

É neste contexto que ONG internacionais como a UNICEF e a Save The Children têm procurado estabelecer parcerias estratégicas com a Girl MOVE. Têm como objetivo replicar este modelo de mentoria circular nos seus programas de educação, permitindo assim alcançar milhares de raparigas e jovens mulheres, em todas as províncias de Moçambique.

Nos primeiros três meses após o Programa Change, 85% das Girl Movers encontra uma oportunidade de trabalho numa posição de liderança relevante e alinhada com a sua carreira de impacto.

Já formaram 300 jovens mulheres na academia de liderança. Quais os objetivos futuros?

Em Moçambique, apenas 1% das mulheres são licenciadas. A nossa missão é ativar e potenciar o talento destas jovens mulheres para que sejam líderes e agentes de mudança do seu país e modelo de referência e inspiração para as novas gerações, promovendo assim um ciclo de transformação positiva.

Todos os anos recebemos mais de 1.500 candidaturas de jovens mulheres ao nosso Programa de Liderança e Inovação Social, o Change, e selecionamos 40 Girl Movers, com diferentes backgrounds académicos (engenheiras, médicas, advogadas, etc). Na Academia da Girl MOVE, no norte de Moçambique, vivem uma experiência imersiva de formação e liderança comunitária, onde são desafiadas a implementar projetos de impacto no terreno, em parceria com organizações e empresas. Em paralelo, cada Girl Mover recebe o desafio de ser mentora e modelo de referência para 40 jovens raparigas em situação de vulnerabilidade e abandono escolar, tendo o objetivo de garantir a sua continuidade na escola.

O programa de liderança conta com parceria e certificado da Católica-Lisbon e culmina numa experiência de intercâmbio internacional em Portugal, onde cada uma das Girl Movers tem oportunidade de fazer um estágio em empresas de referência, alinhado com os seus objetivos e visão profissional. Nos primeiros três meses após o Programa Change, 85% das Girl Movers encontra uma oportunidade de trabalho numa posição de liderança relevante e alinhada com a sua carreira de impacto.

Conscientes que os desafios do gender gap são reais em qualquer parte do mundo, (…) lançámos o MOVHERS. E a resposta foi surpreendente. Tivemos 8.000 leads de jovens mulheres de 140 países e 3.700 candidaturas.

No ano passado lançaram o projeto Movhers. Quais foram os resultados? É para retomar?

A oportunidade de lançar o nosso primeiro projeto à escala internacional surgiu na sequência da visibilidade alcançada com o prémio da UNESCO e com a participação das Girl Movers em conversas e fóruns de discussão com grandes líderes internacionais, como António Guterres (secretário-geral da ONU) ou Kristalina Georgieva (diretora-geral do FMI).

Conscientes que os desafios do gender gap são reais em qualquer parte do mundo e com evidências de que a metodologia da Girl MOVE tem na sua essência aplicabilidade e potencial de impacto positivo na realidade de jovens changemakers de noutras geografias e países, lançámos o MOVHERS. A resposta foi surpreendente. Tivemos 8.000 leads de jovens mulheres de 140 países e 3.700 candidaturas. Foi possível confirmar que jovens mulheres changemakers, que enfrentam desafios complexos em todo o mundo, precisam e valorizam ter acesso a instrumentos e ferramentas inovadoras. Que se sentem mais preparadas, motivadas e alinhadas nos seus propósitos, se se sentirem envolvidas por uma comunidade de outras mulheres líderes, para partilhar aprendizagens, desafios e objetivos, bem como de uma rede alargada de suporte e network que alavanque a sua participação em lugares de decisão e em fóruns de discussão dos grandes tópicos da atualidade e do futuro.

A experiência internacional foi muito relevante e um primeiro grande passo da abertura da Girl MOVE a um contexto mais internacional, continuando firme o foco na principal prioridade estratégica, que é a escalabilidade da nossa intervenção em Moçambique.

Olham para a Educação como uma forma de quebrar o ciclo da pobreza, empoderando mulheres. Que outros projetos têm em cima da mesa?

A estratégia de intervenção da Girl MOVE baseia-se na premissa chave de que o investimento na educação de raparigas e mulheres tem o efeito e impacto multiplicador no combate ao ciclo de pobreza de um país. Desde o início que o nosso objetivo sempre foi desenvolver uma visão de impacto sistémico que pudesse efetivamente ser gamechanger no desenvolvimento e combate à pobreza em Moçambique. Mais do que ter impacto em 1.000, 10.000 ou 100.000 raparigas, o nosso sonho é poder chegar aos 3 milhões de raparigas que vivem em situação de vulnerabilidade.

Imaginamos um mundo em que todas as raparigas têm acesso a educação e onde todas as mulheres podem beneficiar ao máximo do seu potencial enquanto líderes, obtendo as oportunidades a que têm direito.

Neste sentido, todos os nossos recursos estão focados em continuar a desenvolver os dois grandes eixos de intervenção: a educação, promovendo a progressão escolar no feminino através da disseminação dos círculos de mentoria intergeracional; e a liderança, ativando uma nova geração de mulheres líderes para serem agentes de transformação do seu país através de uma liderança mais humanizada e sustentável, nos diferentes setores.

Empoderamento feminino sem emprego de nada serve. Qual a ponte com o mundo empresarial? As empresas mostram-se recetivas a receber jovens mulheres?

Todo o trabalho que desenvolvemos é com o objetivo de proporcionar mais e novas oportunidades de empregabilidade de impacto a todas as jovens com quem nos cruzamos. Para isto, é fundamental continuarmos a posicionar-nos no mercado como uma academia de referência, que eleva e complementa a formação destas jovens que marcam a diferença em todas as empresas e equipas por onde passam.

O feedback que temos é que o impacto que as jovens que vêm para as empresas provocam é muito grande, marcando profundamente não só a cultura da empresa como os próprios colaboradores, ativando também o seu drive e potencial de changemakers.

Ano após ano, os testemunhos estão muito alinhados nesse sentido: o impacto positivo e a inspiração gerada por estas jovens nos espaços, equipas, pessoas com quem interagem é enorme.

Em Moçambique trabalhamos para ativar uma forte rede parceria com empresas, organizações e líderes de referência, que destacam as competências e atitude diferenciada das jovens alumni da Girl MOVE (Girl Movers) como perfis target de talento jovem para as suas organizações. O trabalho que desenvolvemos com as alumni é fundamental para consolidação das suas carreiras de impacto e temos reforçado cada vez mais essa vertente.

Em Portugal, a renovação de compromisso e parceria de impacto que cerca de 40 empresas fazem anualmente, para participar no programa de intercâmbio internacional da Girl MOVE – ExchangeLAB é também uma prova de que a fórmula tem sucesso.

O feedback que temos é que o impacto que as jovens que vêm para as empresas provocam é muito grande marcando profundamente não só a cultura da empresa como os próprios colaboradores, ativando também o seu drive e potencial de changemakers.

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