“País não tem uma árvore das patacas”, mas Governo “tem respondido bem” à crise, diz Carlos Silva

Carlos Silva dá nota positiva às respostas do Governo aos desafios trazidos pela pandemia. Ao ECO, diz que trabalhadores não "têm tudo" o que precisam, mas país "não tem uma árvore das patacas".

É com o mercado do trabalho fragilizado que se comemora, este ano, o Dia do Trabalhador. Em entrevista ao ECO, o secretário-geral da UGT, Carlos Silva, diz que os desafios são hoje “mais que muitos” para quem trabalha em Portugal, mas dá nota positiva às respostas que o Governo tem encontrado face às dificuldades trazidas pela crise pandémica. Isto uma vez que o país “não tem uma árvore das patacas” e é preciso manter os olhos no défice e no endividamento.

O sindicalista defende, por outro lado, que as empresas que têm beneficiado dos apoios extraordinários criados pelo Executivo de António Costa devem ter o dever de manter o emprego.

Já sobre o teletrabalho, Carlos Silva diz que há empregadores que continuam a “contornar a lei” e a não a pagar o subsídio de refeição; critica, além disso, os partidos políticos que, no Parlamento, apresentaram propostas para alterar o que consta do Código do Trabalho sobre essa matéria, dizendo que “não é quando o perigo está à espreita” que se vão criar regras. “É quando o perigo passar“, diz.

O líder da UGT fala ainda dos trabalhadores das plataformas digitais e da sua ligação aos sindicatos e das remunerações da generalidade dos trabalhadores portugueses, sublinhando que o “Governo precisava de ser mais ambicioso do ponto de vista social e salarial“.

Já sobre o seu futuro na central sindical que hoje lidera, Carlos Silva garante que não há um novo mandato no seu horizonte, mantendo o que tinha anunciado há um ano, e elogia José Abraão, como eventual candidato ao cargo que deixará livre.

Esta é a segunda vez que o Dia do Trabalhador é celebrado em pandemia. Estamos há um ano em crise sanitária. Qual é hoje o principal desafio que os trabalhadores enfrentam?

Há tantos desafios, mas o primeiro, para os sindicatos, é a dificuldade de garantir um elo fundamental da vida sindical: a proximidade. Não conseguimos visitar empresas. Temos milhares de trabalhadores em teletrabalho. Isto é um desafio grande para mantermos uma forte ligação aos nossos sindicalizados. Nas atuais circunstâncias de pandemia, vamos analisar e discutir no 1º de Maio a negociação coletiva. Esse é um desafio tremendo.

Como é que os direitos conseguem continuar a ser consolidados, quando podemos estar — é verdade que há dúvidas e incertezas — perante uma situação calamitosa do ponto de vista social, se não forem tomadas medidas pelo Governo de reforçar ou, pelo menos, manter os apoios sociais aos trabalhadores? Ninguém pode estar de fora ou ser excluído do apoio do Estado, num momento em que o desemprego pode crescer, que muitas empresas poderão não se aguentar depois da retoma, mesmo tendo recebido apoios do Estado, e acima de tudo garantir que a negociação coletiva pode reforçar a sua ligação ao mundo do trabalho. Já não digo o reforço, mas a manutenção dos direitos atuais, porque a precariedade continua a ser uma realidade em Portugal, que temos de combater. Os desafios, para os trabalhadores, são mais que muitos.

Não se consegue tudo. Nem as empresas têm tudo o que necessitam, nem os trabalhadores têm tudo o que necessitam, mas o esforço do Governo português é notório.

A pandemia levou o Governo a lançar uma série de medidas extraordinárias para “salvar” postos de trabalho. Que balanço faz delas?

A UGT não é insensível às dificuldades do país. A situação portuguesa implicou da parte do Governo uma resposta, [que tem sido] positiva. Tem havido uma resposta que não consegue agradar a todos, mas [foi feita] em função daquele que é o quadro de dificuldades e vicissitudes que o Governo português enfrenta. Temos de perceber que o défice continua a crescer, a dívida pública continua a aumentar. Gostaríamos que Portugal visse reduzido o endividamento excessivo que tem e acima de tudo preparasse para as novas gerações uma passagem de testemunho que não encarecesse tanto o seu custo de vida e, sobretudo, a sua carga fiscal.

A verdade é que o país não tem uma árvore das patacas. Quero dizer com todas as letras que o Governo tem respondido bem às necessidades dos trabalhadores. Se me perguntar se isso vai continuar a acontecer, não sei, mas esse também é o papel dos parceiros sociais que, em sede de Concertação Social, não desistirão: por um lado, os empregadores defendendo a continuação dos apoios às empresas e, por outro, as centrais sindicais defendendo a manutenção dos apoios sociais, precisamente para que ninguém fique para traz.

Para já, numa análise não tão simplista, a UGT tem visto da parte do Governo um nível de encontro das questões que temos colocado em Concertação Social. Não se consegue tudo. Nem as empresas têm tudo o que necessitam, nem os trabalhadores têm tudo o que necessitam, mas o esforço do Governo português é notório e estamos convencidos que vai ter de continuar a ser notório.

Apesar de dar esta nota positiva ao Governo, é importante lembrar que há um ano, também no 1.º de Maio, dizia que muitas empresas estavam a “mandar para a rua tudo o que fosse precário”. O Governo falhou aos trabalhadores ao não ter posto um travão a isso, nomeadamente como condição de acesso e manutenção dos apoios extraordinários?

A negociação coletiva não é feita de imposições do Governo. A precariedade é uma realidade em Portugal, no setor privado, mas, já agora, também no setor público. Se me perguntar se o Estado falha? Falha, sim. Falha porque mantém precários muitos milhares de trabalhadores no setor empresarial do Estado e no setor público. Portanto, o Governo tem dificuldade em chegar à Concertação Social e impor o que quer que seja ao setor privado. Para impormos aos outros, primeiro temos de fazer os trabalhos de casa. Temos de ser impolutos. Temos de estar incólumes de uma qualquer acusação de falta de seriedade do ponto de vista da relação contratual entre quem trabalha e quem é empregador e o Estado é empregador.

Verificamos que o Governo, em alguns aspetos, tem atuado bem. [Por exemplo], do ponto de vista da Segurança Social. Tem ido aos cofres da Segurança Social e mais de três mil milhões de euros foram para medidas de lay-off, mas há muitas empresas que contornaram a lei, temos conhecimento, furaram a linha de solidariedade, continuaram a laborar, continuaram a explorar os trabalhadores, não aumentaram os seus salários e receberam [o apoio do] lay-off. O Estado não tem uma palavra a dizer? Não quero acusar ninguém de má-fé, mas dizer que há muitas dificuldades no país e o Governo sabe disso.

As empresas têm de justificar os apoios que o Estado lhes deu e, portanto, têm de manter o emprego.

Apesar dessas dificuldades, a taxa de desemprego ficou abaixo de todas estimativas. O que justifica essa evolução? Foram as medidas do Governo ou, na verdade, o desemprego está escondido, por exemplo, nos inativos?

Não, o desemprego não anda escondido, mas há vários patamares. O INE fala muitas vezes naqueles trabalhadores que são os nem-nem, que nem estão em formação profissional, nem estão na escola e nem estão empregados. Portanto, muitos destes escapam ao radar do IEFP. Mas os números de desemprego têm muito a ver com os apoios do lay-off. Se o Estado foi buscar à Segurança Social cerca de três mil milhões de euros para apoiar os trabalhadores e as empresas… A pergunta que fazemos é se haverá justificação para eventualmente num futuro imediato muitas empresas que receberam dinheiro do lay-off fecharem as suas portas. É que há aquelas máscaras que se utiliza para ultrapassar o despedimento, que é o encerramento da empresa. O Governo tem de olhar para isso.

Está a dizer que vem aí uma nova vaga de “despedimentos”? Que medidas é que seriam adequadas para o evitar?

Há coisas em que o movimento sindical não consegue ser proativo, tem de ser reativo, porque as empresas têm sempre um condão de encontrar fugas. A preocupação é reivindicar ao Governo que consiga encontrar não só mais medidas legislativas, mas regras muito simples para que as empresas que tenham recebido apoios do Estado estejam proibidas de despedir, porque o dinheiro que receberam é dinheiro dos trabalhadores. A Segurança Social é alimentada por 11% [que são] os descontos dos trabalhadores e 23,75% da parte das empresas. Foi aí que a ministra Ana Mendes Godinho foi encontrar o apoio para o lay-off. Se as empresas acorrem a esta subsidiodependência, depois deste período mais difícil, não é justificável que fechem a porta e atirem os trabalhadores para a rua. O que temos dito ao Governo é que as empresas têm de justificar os apoios que o Estado lhes deu e, portanto, têm de manter o emprego. Temos de encontrar um justo equilíbrio entre as necessidades do país, as suas disponibilidades financeiras, o recurso ao apoio da União Europeia e também à realidade portuguesa.

Carlos Silva, secretário-geral da UGT, em entrevista ao ECO - 29JAN20
Hugo Amaral/ECO

Estamos a desconfinar, mas o teletrabalho é para continuar. O que acha do prolongamento da obrigação de adotar o teletrabalho até ao fim do ano?

Os parceiros sociais foram ouvidos e disseram todos que não. Nas atuais circunstâncias, a adopção do teletrabalho, na nossa opinião, deve manter-se voluntária e deve ser colocada exclusivamente nas zonas do país onde se tiver verificado um acréscimo desmesurado do número de infeções.

E há aqui outras questões que temos de cuidar. Se um trabalhador está em teletrabalho — e ainda por cima por imposição do Estado — as empresas não podem fugir à sua responsabilidade de pagar o subsídio de refeição. E há muitas empresas que não estão a cumprir com isto. Insistimos muitas vezes com o Governo, mas na verdade verificamos que há muitas empresas que se encolhem e não pagam o subsídio de refeição. Continua a haver uma certa vontade do empresariado português, ou pelo menos uma parte dele, em conseguir contornar a lei e continuar a prejudicar os trabalhadores de forma deliberada. Não podemos pôr um polícia em cada empresa. Portanto, achamos que a intervenção da ACT é fundamental para monitorizar e fiscalizar quem cumpre e quem incumpre.

Agora deu um frenesim aos partidos políticos para discutir a regulamentação do teletrabalho. Somos contra esta regulamentação, nas atuais circunstâncias. Qualquer determinação que resulte de uma avaliação do impacto do teletrabalho na sociedade portuguesa no atual momento, naturalmente tem que ver com a pandemia. Não podemos fazer do atípico o típico. Não queremos que a anormalidade dos nossos dias se transforme numa normalidade legislativa.

Outra das questões quentes no teletrabalho é o acréscimo de despesas. O Governo devia ter sido mais ativo no esclarecimento de que cabe aos empregadores fazer esse pagamento? Até hoje, os inspetores da ACT não têm orientações e há empresas que continuam sem pagar. O que falta para que o que está no Código do Trabalho passe à realidade?

Falta uma norma [que dite] que os empregadores são obrigados a assumir o subsídio de refeição. Numa situação excecional como o país vive, o Governo já devia ter tido a coragem política de legislar, de criar uma norma no sentido de determinar que quem estiver em teletrabalho por imposição do estado de emergência o empregador, para além das condições de trabalho normais, deve assumir o gasto de energia excessivo. Há um conjunto de custos que têm de ser discutidos. Isso tem de ser o Governo a legislar e [a criar] legislação coerciva.

O Governo já está atrasado na produção desta norma?

O Governo merece uma crítica forte e assertiva em relação a esse incumprimento na defesa dos direitos de quem trabalha numa situação atípica.

Acho que os partidos ainda não perceberam que estão a tentar encontrar uma regulamentação [para o teletrabalho] contra a vontade dos seis parceiros sociais.

No Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, o Governo diz que quer melhorar a regulação do teletrabalho. Em que sentido é que a UGT gostaria que isso acontecesse?

A UGT já disse em reunião de Concertação Social que vê o Livro Verde como um instrumento positivo para regulamentar algumas matérias, nomeadamente a questão do teletrabalho.

Percebo que há um frenesim em alguns partidos com assento parlamentar de regulamentar o teletrabalho, mas uma lei criada hoje tem muito a ver com o seu tempo e circunstância, tem a ver com a questão conjuntural. Porventura direi que, se calhar, o teletrabalho veio para ficar, mas não vai ficar nas atuais circunstâncias, porque é impositivo dentro do estado de emergência. Acho que os partidos ainda não perceberam que estão a tentar encontrar uma regulamentação contra a vontade dos seis parceiros sociais. A sociedade civil organizada é contra a regulamentação nas atuais circunstâncias.

É bom que deixemos passar esta fase da pandemia, tentar que as coisas voltem à normalidade e dizer ao Governo que regulamente o essencial, como o subsídio de refeição e as despesas extraordinárias dos trabalhadores. É bom que tenhamos consciência de que não se deve regulamentar em cima do joelho. Não é quando o perigo está à espreita que vamos criar regras. É quando o perigo passar.

E a propósito, acha que o teletrabalho é mesmo o futuro, como dizem alguns especialistas?

O teletrabalho veio para ficar, não tenho dúvidas nenhumas. Estamos a falar de um conjunto de atividades económicas, mas, por exemplo, a construção civil não tem teletrabalho, nos serviços do comércio, da hotelaria, da restauração, da indústria, da manufatura não pode haver teletrabalho. Portanto, a ideia é o teletrabalho vir para ficar sobretudo ao nível dos serviços, ao nível das cúpulas dirigentes, até dentro da Administração Pública, mas com regras.

Do ponto de vista sindical, o ideal é o trabalho presencial. Para o movimento sindical, é fundamental ter a possibilidade de contactar o trabalhador no seu local de trabalho, conhecer as suas dificuldades, falar com ele olhos nos olhos. Quem está na Uber, na Cabify, ou noutras plataformas dos TVDE, não conseguimos chegar lá. Perdemos o norte e a ligação a esta gente.

[Os trabalhadores das plataformas digitais] têm que perceber que só unidos é que conseguem defender os seus direitos.

Referiu os trabalhadores das plataformas digitais. Como é que os sindicatos se podem adaptar a estas novas formas de trabalho?

Têm de o fazer. Os sindicatos hoje utilizam as redes sociais. Se me perguntar se um trabalhador que está numa plataforma tem conhecimento das redes sociais, [digo-lhe que] tem. Hoje até os reformados estão ligados à internet, de manhã à noite. Tornou-se numa necessidade o estar online contra o isolamento. Ora, os trabalhadores em plataformas também têm condições [de estar online], porque têm conhecimento. Há muita gente licenciada que acudiu a estas plataformas por necessidade de trabalho e estão em constante ligação. Portanto, têm de perceber que só unidos é que conseguem defender os seus direitos. Os trabalhadores da Cabify e da Uber encontram-se muitas vezes de forma virtual. Depois, marcam reuniões e manifestações aqui e acolá. Porque é que não criam um movimento associativo?

É nesse aspeto que defendemos que o movimento sindical terá condições de se expandir. Cabe a cada organização sindical inovar no contacto com os trabalhadores. Hoje há muitos trabalhadores que se sindicalizam através da Internet. Julgo que é por aqui que o futuro passa.

Voltando ao Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho. O que parecem as reflexões à UGT? Antecipa que sairão daí políticas importantes para o mercado de trabalho em Portugal?

O Livro Verde implica, para já, a constituição de grupos de trabalho em relação a esta matéria, que dá pano para mangas. Este Livro Verde tem um conjunto de matérias que, diria, são pouco simpáticas para o movimento sindical, quando importa discuti-las. Se me perguntar e à maioria dos dirigentes portugueses, o que são algoritmos, isso para nós é uma coisa complicada. Se me perguntar como é que vamos discutir matérias sobre inteligência artificial, é uma coisa complicada. Temos de nos rodear de um conjunto de mentores, consultores destas áreas para nos ajudarem a refletir e a pensar.

Portanto, o Livro Verde abre um conjunto de portas e de oportunidades para se discutir o futuro. Implica uma discussão profunda, ao longo de algum tempo — até para ser encerrado em 2023 — e vai envolver os parceiros sociais, o Governo e a sociedade social numa reflexão.

Carlos Silva, secretário-geral da UGT, em entrevista ao ECO - 29JAN20
Hugo Amaral/ECO

Uma nota mais positiva para os sindicatos neste Livro Verde é a vontade do Governo de alargar e dinamizar a negociação coletiva. É o que lá está dito. O que é que seria fundamental para conseguir tal objetivo?

[O que seria fundamental] é que o Governo passasse o que está lá dito à prática. Aquilo que o Governo tem feito é ignorar as possibilidades que o diálogo social abre a empregadores e a trabalhadores. Na negociação coletiva, não estão só direitos dos trabalhadores; Estão direitos e deveres. Para a parte dos patrões também estão direitos e deveres. A negociação coletiva é a súmula das obrigações das partes. Tem havido, ao longo dos últimos anos, um claro recuo na abrangência na negociação coletiva. O que é que necessitamos de fazer? Estimular a vontade das partes e criar um conjunto de regras para obrigar as partes a sentarem-se e, num espaço de tempo curto, chegarem a conclusões.

Infelizmente, em Portugal também do ponto de vista sindical há radicalismos e esses radicalismos inviabilizam a obtenção de acordos. A própria Concertação Social é defendida pela UGT. Se não fosse a UGT não havia Concertação Social tripartida em Portugal.

Falemos de salários. Antes da pandemia, na Concertação Social, discutia-se um acordo sobre rendimentos. Ainda é possível fechar esse acordo? Em que prazo? O Governo diz que não desistiu e que eventualmente quer retomá-lo.

O Governo não pode desistir de uma coisa que não iniciou. O Governo não fez nada para uma política de rendimentos. O Governo encontrou um entendimento com os partidos à esquerda no Parlamento exclusivamente para o aumento do salário mínimo nacional, mas tem de olhar para um espelho bem grande para dar nota de que é preciso muito mais que boa vontade e palavras bonitas. É preciso dar ênfase aos acordos setoriais, dentro das empresas para a melhoria dos salários.

Portugal continua a ser um país de salários baixos. Ainda me lembro de Cavaco Silva dizer que não podíamos continuar a ser um país de salários baixos. Ouvimos o primeiro-ministro dizer que não podemos continuar a ser um país de salários baixos. Todos dizem que não podemos continuar a ser um país de salários baixos. O que é que fazem? Zero, não fazem nada. Nem Presidentes, nem governos, nem ninguém. O Governo precisava de ser mais ambicioso do ponto de vista social e salarial, e não é. O Governo tem obrigação moral e ética de dar o exemplo de que quer mudar os salários e não tem efeito.

Quando o Estado é o primeiro a não valorizar os trabalhadores que tem ao seu serviço, o que é que se pode esperar do privado? Normalmente, é mais fácil copiar os maus exemplos.

A propósito, na Função Pública, as atualizações salariais dos últimos anos têm sido criticadas. Com um Governo socialista não seria de esperar mais conquistas na Função Pública?

Claro que sim, mas sabe que este Governo, como outros no passado, encontra sempre o bode expiatório na Função Pública. Já viram o que é que custa para os contribuintes portugueses estar a pagar um aumento salarial? E então uma parte dos portugueses revolta-se contra os funcionários públicos. Criou-se aqui um anátema da Função Pública em Portugal, fruto muito do discurso do anterior Governo. Tudo contra a Função Pública, tudo a favor do privado. Quando o Estado é o primeiro a não valorizar os trabalhadores que tem ao seu serviço, o que é que se pode esperar do setor privado? Normalmente, é mais fácil copiar os maus exemplos do que os bons.

Com o arrefecer das relações entre o BE e o Governo o Parlamento, poderá ser mais difícil avançar nesta valorização dos salários e também noutras matérias laborais?

O Bloco de Esquerda não tem qualquer impacto na vida sindical portuguesa. O Bloco de Esquerda tem algum patamar no Parlamento e tem o peso que o PS lhe quis dar, do ponto de vista de ver Orçamentos aprovados. Para nós, nem aquece, nem arrefece. Temos é que encontrar um entendimento na Concertação Social.

Foram o BE o PCP que levaram, desde 2015, para o Parlamento um conjunto de matérias, que eram da Concertação Social. Se em 2014, num momento difícil do país, contra a vontade da CGTP e de outros atores políticos, a UGT conseguiu com os patrões e com o Governo de Passos Coelho aumentar o salário mínimo, quem é que nos garante que, sem intervenção dos parceiros à esquerda no Parlamento, não teríamos conseguido continuar esta trajetória de aumento do salário mínimo? Só não vê quem não quer. Qualquer dia, quando não houver maiorias à esquerda, quero ver se aqueles que hoje querem discutir [o salário mínimo] no Parlamento, se vêm bater à porta da Concertação Social. Vamos ver.

Carlos Silva, secretário-geral da UGT, em entrevista ao ECO - 29JAN20
Hugo Amaral/ECO

O 1º de Maio será comemorado pela UGT mais uma vez fora dos moldes tradicionais. Como é que correu o último ano em termos de luta sindical? Como é que a UGT se tem adaptado aos novos desafios?

Houve semanas em que sindicatos nossos — por exemplo, um sindicato de professores — granjearam 80 associados. No setor da indústria, temos crescido de forma extraordinária. Significa que os sindicatos não desistiram, que acudiram às preocupações dos seus associados. A UGT e os seus sindicatos tiveram um papel proativo durante este último ano da pandemia e, portanto, alguns cresceram. Talvez o setor mais difícil foi o financeiro, o bancário, porque com tanta reestruturação, ano após ano, houve situações menos claras, muito dúbias que lançaram muitos trabalhadores para o desemprego e para as rescisões por mútuo acordo. Perdemos sócios neste setor, mas ganhamos em muitos outros.

A Administração Pública tem sido um foco importante de ganhos de associados. Na TAP, há sindicatos nossos que cresceram imenso, fruto das suas posições proativas e muitos ponderadas. Na indústria, nos portos, no setor da cortiça, na agricultura. Portanto, há matérias em que podemos afirmar que estamos bem. Podíamos estar melhor? Claro que sim. Um trabalhador que não podemos visitar, sentimos que poderá estar desprotegido.

O 1º de Maio é um momento importante da vida dos trabalhadores. Faremos a nossa festa online, evitando perigar a vida e a saúde de cada um. Não vamos contribuir para a confusão.

No início de 2020, ainda antes da pandemia, disse que não se recandidataria à liderança da UGT. Mantém a posição? Ou a questão que o levava a tomar essa posição está ultrapassada?

Mantenho, claro, não sou pessoa de andar às arrecuas. O congresso era para ser este mês de abril. Comemorei [agora] oito anos de secretário-geral. Era para sair este mês. Por razões que toda a gente compreende, a generalidade das associações e das grandes organizações tiveram de adiar as suas reuniões magnas. Tivemos de adiar para novembro. De qualquer forma, não há um novo mandato no horizonte, isso está fora de questão. Oito anos é muito tempo na vida de um ser humano. Irei convocar um congresso para encontrarmos, de forma serena, um candidato ou uma candidata.

Não vai haver problemas de sucessão. Não vai haver brechas, nem cisões.

Teme que a sua saída abra uma crise de liderança na UGT?

Não. Na minha terra, há um cemitério que foi inaugurado em 1899. Está cheio de insubstituíveis, que morreram e fizeram cá tanta falta como eu. Portanto, compreende-se que não vai haver problemas de sucessão. Estou muito confiante no trabalho que fiz com a minha equipa e com os meus sindicatos. Não vai haver brechas, nem cisões. A UGT é uma central coesa, unida, que está consolidada e tem um objetivo fixo de defender os trabalhadores deste país.

No final de 2020, José Abraão admitiu candidatar-se à liderança da UGT. Que lhe parece?

É um bom dirigente. É dirigente do maior sindicato da Administração Pública da UGT. Mas não cabe ao atual secretária-geral determinar A ou B. Disponibilizou-se e gabo-lhe a coragem, o discernimento de poder dar esse passo. Se mais não houver candidatos, é um candidato que terá de ir a votos na central e tem todas as condições para fazer um bom mandato, a seguir ao Carlos Silva. Porventura poder haver mais alguma candidatura. Vamos aguardar, com serenidade.

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