Inspetores da ACT ainda não sabem como fiscalizar custos de teletrabalho

Os inspetores da ACT continuam sem ter orientações sobre que despesas devem ser suportadas pelos empregadores, em caso de teletrabalho. Também não sabem como calculá-las.

O Governo esclareceu há quase dois meses que entende que, em teletrabalho, o empregador deve suportar os custos com telefone e internet do trabalhador, caso não haja acordo em contrário, mas a presidente do Sindicato dos Inspetores do Trabalho (SIT) assegura ao ECO que, até agora, não foram dadas orientações pela Autoridade para as Condições do Trabalho sobre essa matéria. Carla Cardoso denuncia também o “desinvestimento na formação contínua” dos inspetores e antecipa que o prolongamento até ao final do ano da obrigatoriedade de teletrabalho será desafiante, no que diz respeito à fiscalização.

A adoção do teletrabalho tornou-se obrigatória, pela primeira vez, em março de 2020, por ocasião do primeiro confinamento motivado pela crise pandémica. Com a chegada do verão, esse dever acabou por ser levantado, tendo sido retomado no final do ano, nas regiões mais afetadas pela pandemia, e no arranque de 2021 na generalidade do país.

Hoje, o trabalho à distância é a regra, ao abrigo do estado de emergência e o Governo já decidiu que continuará a sê-lo até ao final do ano, mesmo depois do estado de emergência ser levantado, nas regiões com maior risco de propagação do vírus pandémico.

Apesar do trabalho remoto ser a realidade de muitos milhares de trabalhadores há mais de um ano, há ainda dúvidas sobre esta modalidade. Uma delas é relativa aos custos implicados no teletrabalho.

No início de fevereiro, o Governo quebrou o silêncio e adiantou que entende que, na ausência de acordo em contrário, cabe ao empregador cobrir as despesas de telefone e internet do teletrabalhador. É essa a leitura que o Executivo diz fazer do Código do Trabalho, apesar de vários advogados virem salientando que, como está, a legislação abre a porta a que as empresas sejam obrigadas também a pagar as despesas da eletricidade e até da água.

Além disso, dois meses depois da divulgação desse entendimento do Governo, a Autoridade para as Condições do Trabalho ainda não deu aos seus inspetores orientações sobre como apurar esses custos, no contexto da fiscalização, segundo a presidente do SIT. “Ainda não temos ainda qualquer orientação nesse sentido”, sublinha Carla Cardoso. Em declarações ao ECO, a sindicalista detalha que não tem conhecimento “de qualquer norma legal” que esclareça a questão das despesas (o entendimento do Governo foi divulgado em declarações à imprensa), pelo que ainda não foram dadas orientações oficiais sobre esse assunto.

De qualquer modo, os trabalhadores não têm apresentado queixas sobre esse assunto à ACT. “Os trabalhadores têm um bocado de receio“, frisa a representante dos inspetores do trabalho, referido que, a haver uma denúncia, o empregador sabe de quem partiu e isso “constrange as relações de trabalho”.

À saída da reunião de Concertação Social desta quarta-feira, também a ministra do Trabalho frisou que, até ao momento, não há sinalização junto da ACT de reclamações neste âmbito, tendo atirado para a negociação coletiva a definição do cálculo das despesas de teletrabalho.

Carla Cardoso, do SIT, aponta ainda um outro entrave à fiscalização do teletrabalho: a ausência dos conhecimentos informáticos suficientes para avaliar se as funções são ou não compatíveis com o trabalho remoto.

Diz a legislação hoje em vigor que a adoção dessa modalidade é obrigatória sempre que as funções sejam compatíveis, mas os inspetores estão com dificuldades nessa análise, quando, por exemplo, um empregador insiste que o trabalhador tem de estar presencialmente no escritório para aceder a uma determinada base de dados e o trabalhador defende que não. “Tentamos perceber se o trabalhador já desempenhou antes as funções em teletrabalho e o que é que mudou para não ser agora possível“, conta ao ECO Carla Cardoso, referindo que, na ausência de competências informáticas que tirem as dúvidas sobre essas matérias, está a ser aplicado o bom senso.

Questionada sobre se, face a essas dificuldades, a ACT tem disponibilizado formação tecnológica, a presidente do SIT garante que não. “A formação da ACT tem sido inexistente”, diz, denunciando um “desinvestimento muito grande na formação contínua [dos inspetores], o que acentua as dificuldades na atuação”.

Sobre o prolongamento do teletrabalho até ao final do ano — com as implicações que isso terá, necessariamente, na carga de trabalho dos inspetores — a sindicalista atira: “É desejar que o ano acabe depressa. Está complicado”.

Quando o estado de emergência for levantado, passar-se-á a aplicar um diploma que dita a adoção do teletrabalho nas empresas com estabelecimentos nas áreas territoriais mais afetadas pela pandemia, prevendo que tanto empregador como teletrabalhador podem recusar essa modalidade, fundamentando a sua posição. No caso de a recusa partir do empregador, a última palavra cabe, no entanto, à ACT, que dispõe de apenas cinco dias úteis para dar o seu parecer, um prazo demasiado apertado, na opinião de Carla Cardoso.

De notar que o Governo apresentou, esta quarta-feira, aos parceiros sociais o Livro Verde para o Futuro do Trabalho, no âmbito do qual eram esperadas orientações mais claras sobre esta questão das despesas implicados no teletrabalho, mas tal acabou por não se verificar e ministra atirou a questão para a negociação coletiva. No Parlamento, o PCP avançou com uma proposta que prevê o pagamento de um subsídio diário de quase 11 euros para cobrir esses custos.

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