Em teletrabalho, pode pedir à empresa que pague a conta da luz e da net

Advogados ouvidos pelo ECO indicam que há margem na legislação para os trabalhadores pedirem às empresas que paguem as contas da internet. E até mesmo da eletricidade.

O teletrabalho passa a ser obrigatório nos 121 concelhos mais afetados pela pandemia de coronavírus. A adoção deste regime dispensa um acordo escrito entre o trabalhador e o empregador, abrindo a porta a que o primeiro possa pedir ao segundo o pagamento das suas contas, como a da internet e, no limite, também a da eletricidade. Os advogados ouvidos pelo ECO garantem que há margem na legislação para tal, mas reconhecem que ainda são poucos os trabalhadores a exigi-lo.

Face ao agravamento da crise pandémica, o Executivo de António Costa decidiu endurecer as restrições, particularmente nos 121 concelhos mais afetados. passa a ser obrigatória, a partir desta quarta-feira, a adoção do teletrabalho.

De acordo com a proposta de decreto-lei enviada aos parceiros sociais, a que o ECO teve acesso, é obrigatório trabalhar remotamente sempre que as funções o permitam e independentemente do vínculo laboral. A adoção do regime, é dito no referido documento, não necessita de um acordo escrito entre o empregador e o trabalhador, ao contrário do que está previsto, em circunstâncias normais, no Código do Trabalho.

Para Pedro da Quitéria Faria, ao ser dispensado o acordo, presume-se que as despesas do trabalhador com a internet ou até mesmo com a eletricidade ficam a cargo do empregador. “Não havendo acordo, presume-se que estas despesas competem ao empregador“, diz o advogado da Antas da Cunha Ecija & Associados.

Sofia Monge, da Carlos Pinto de Abreu & Associados, corrobora: “Ao empregador competirá disponibilizar os equipamentos de trabalho e de comunicação necessários à prestação de trabalho em regime de teletrabalho, assegurando também a respetiva instalação e manutenção, bem como o pagamento das inerentes despesas, salvo se o contrário tiver sido acordado entre as parte”.

Pedro da Quitéria Faria deixa, contudo, uma ressalva: “Não está cristalino”. É que lei laboral sugere que, nestes casos, deverá ser o empregador o responsável pelas contas em causa, mas o diploma enviado aos parceiros sociais não esclarece a questão.

Madalena Caldeira confirma também que há margem na legislação em vigor para os trabalhadores pedirem às empresas o pagamento das contas em causa, ainda que seja necessária alguma clarificação. “Diria que pode colocar-se a questão”, salienta a especialista da Abreu Advogados.

"Ao empregador competirá disponibilizar os equipamentos de trabalho e de comunicação necessários à prestação de trabalho em regime de teletrabalho, assegurando também a respetiva instalação e manutenção, bem como o pagamento das inerentes despesas, salvo se o contrário tiver sido acordado entre as parte.”

Sofia Monge

Advogada da Carlos Pinto de Abreu & Associados

Noutros países, esse esclarecimento já foi feito. Em Espanha, por exemplo, foi aprovado um novo regime de teletrabalho que determina que as empresas devem suportar as despesas dos trabalhadores.

A advogada Madalena Caldeira avança, por outro lado, que o empregador pode, por sua vez, travar a adoção do teletrabalho argumentando que não tem meios para financiar essas despesas. Ou, se o empregador recusar o pagamento, o trabalhador poderá rejeitar trabalhar remotamente, defendendo que não consegue suportar o acréscimo nos encargos decorrente desse regime.

E apesar da referida margem na legislação, foram poucos os trabalhadores a pedir aos empregadores o pagamento das despesas da internet ou da eletricidade durante o primeiro período em que o teletrabalho foi obrigatório (de março a junho), reconhecem os advogados.

Teletrabalho em março garante autorização agora?

Esta é a segunda vez em 2020 que a adoção do teletrabalho passa a ser obrigatória em Portugal.

Em março, face à chegada da pandemia de coronavírus a Portugal, ficou determinado que era obrigatório trabalhar remotamente, sempre que as funções o permitissem e podendo esse regime ser imposto pelo trabalhador ou pelo empregador de modo unilateral, isto é, sem acordo da outra parte.

Essa obrigação acabou por ser levantada em junho, com o desconfinamento da economia e do país; Mas agora está de regresso e desta vez abrange só os 121 concelhos mais afetados pela crise pandémica, já não a totalidade do país.

Os empregadores podem recusar o trabalho à distância, mas apenas se não existem condições técnicas mínimas para a sua adoção ou se esse regime não for compatível com as funções desempenhadas pelos trabalhadores.

Para os advogados ouvidos pelo ECO, os trabalhadores que estiveram em teletrabalho na primavera deverão ter como direito adquirido agora o regresso a esse regime, se tiverem mantido as suas funções. Os especialistas admitem, contudo, que possa haver exceções.

“Se em momento anterior o empregador considerou que tais condições se verificaram, e não tendo estas entretanto sofrido qualquer mutação, não se justifica que agora recuse este regime”, salienta Sofia Monge, que lembra, ainda assim, que a experiência registada na primavera não condiciona a aplicação do regime agora.

Pedro da Quitéria Faria também vê com “muitas dificuldades” que um posto de trabalho que tenha passado a remoto, por exemplo, em março não possa agora seguir esse caminho. “A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) irá pelo precedente“, sublinha.

Já Madalena Caldeira defende que a questão não é assim tão clara. É que, mesmo que as funções se tenham mantido, o empregador pode argumentar, por exemplo, que desta vez não consegue disponibilizar os mesmos meios de trabalho, nem suportar os custos inerentes ao teletrabalho que foram registados na primavera. “Em princípio, não haveria razões para recusar [o teletrabalho a alguém que o praticou na primavera], mas o empregador pode justificar” a rejeição desse regime.

“Pode ter sucedido que a sujeição anterior a esse regime tenha sido permitida pelo empregador, apesar de não completamente compatível com as funções a desempenhar ou ainda que não existissem as condições ideais para o seu exercício. Nesse caso, entendo que o empregador poderá agora, fundamentadamente e por escrito, decidir pela não aplicação desse regime por não estarem preenchidos os respetivo requisitos”, acrescenta Sofia Monge.

Os empregadores que considerem não estarem reunidas as condições necessárias para adotar o teletrabalho podem recusá-lo, informando os trabalhadores por escrito dessa sua decisão e demonstrando que “as funções em causa não são compatíveis com o regime do teletrabalho ou [que há] falta de condições técnicas mínimas para a sua implementação”.

O trabalhador, por sua vez, pode pedir à ACT que avalia os argumentos do empregador, recebendo uma resposta em cinco dias, cujo incumprimento é sinónimo de uma coima entre 612 euros e 9.690 euros. Ao ECO, a presidente do Sindicato dos Inspetores do Trabalho (SIT) critica esta medida, por criar expectativas que os profissionais não têm competências para cumprir.

Carla Cardoso explica, por outro lado, que a adoção do teletrabalho na primavera não garante a permissão para o fazer agora, já que a conjuntura da empresa pode ter sofrido alterações. Por exemplo, o empregador pode não ser capaz de suportar os encargos dos serviços informáticos, apesar de te o feito em março. “Tem de ser uma avaliação casuística”, remata, rejeitando extrair uma regra geral.

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