A secretária-geral do BCSD, Filipa Pantaleão, reconhece algum receio face às exigências de reporte por parte, sobretudo, das pequenas empresas, mas acredita que as maiores, e o próprio BCSD, ajudarão.
Filipa Pantaleão assumiu Secretária geral do Conselho Empresarial Desenvolvimento Sustentável (BCSD Portugal) no início de fevereiro. A nova responsável da associação espera que exista um maior foco no vetor social do ESG, a sigla que representa as vertentes ambiente, social e de governança da sustentabilidade.
Pantaleão reconhece que as empresas “têm alguma dificuldade” em passar do “plano para a ação” e precisam de acelerar os seus esforços, com as maiores a puxar pelas de menor dimensão. Um exemplo disso é o reporte, que tem deixado as mais pequenas “muito assustadas”, identifica. A regulação, apesar de “pesada”, vê-a como um impulso positivo. “Na realidade, se não for começado [o caminho], e se não começarmos a fazê-lo de uma forma estruturada, também nunca vai acontecer”, remata.
O que a fez aceitar este novo desafio?
É muito recente. Acabei de assumir funções agora no dia 1 de fevereiro, e decidi fazê-lo exatamente porque foi um desafio muito entusiasmante que me foi lançado. Depois de mais de quase duas décadas a trabalhar numa área corporativa, fez-me sentido poder colaborar, em vez de apenas com uma empresa, num universo, fazê-lo numa rede de empresas. Acima de tudo, foi esse desafio de poder de uma forma prática, profissional e com uma incorporação de gestão, conseguir trazer a sustentabilidade mais longe.
O BCSD lançou uma ferramenta que permitia às empresas fazer o diagnóstico do nível de sustentabilidade em que estavam. Portanto, conjugando aqui as suas impressões com algum conhecimento que possa ter desta ferramenta, perguntava-lhe em que nível é que está a sustentabilidade das empresas em Portugal?
Vamos lançar agora o último retrato. Mas o que temos visto é que, efetivamente, a maioria das empresas – e estamos a falar de umas 80 empresas que fizeram o reporte voluntário para esta ferramenta – quase metade são grandes empresas, e temos níveis de maturidade muito distintos.
No ano anterior, tínhamos empresas que estavam mais a conhecer e a começar o caminho da sustentabilidade, e as empresas grandes, que já estavam num posicionamento mais à frente, já estavam a construir e a consolidar o conhecimento nesta área. Vimos que houve uma evolução do ano passado para este ano e mais empresas já se sentem na fase de construção. Agora, claro, temos uma grande discrepância relativamente até ao próprio reporte que as empresas já estão a fazer.
Cerca de metade já está a fazer um relatório de sustentabilidade, ou seja, já traz transparência naquilo que faz e como encara a sustentabilidade no seu negócio. E nisso também vimos uma evolução do ano passado para este. As empresas têm alguma dificuldade em concretizar do plano para a ação, mas tem sido feito esse caminho. Achamos que este benchmark é muito importante até para as empresas conseguirem perceber o que têm sido os principais tópicos.
Muito poucas [empresas] estavam centradas no S e, portanto, esse é provavelmente o pilar que vamos ter que trabalhar agora, nos próximos anos, com maior intensidade.
Que áreas têm tido mais atenção? O E, o S ou o G?
Nós também perguntamos isso, quais é que são as principais áreas que as empresas estão a trabalhar em cada um dos pilares do E, do S e do G. Vimos do ano passado para este ano também uma evolução relativamente à discrepância, porque muitas empresas estavam muito concentradas no E, que é natural. Temos um enquadramento regulamentar de anos e anos na parte ambiental.
Muito poucas estavam centradas no S e, portanto, esse é provavelmente o pilar que vamos ter que trabalhar agora, nos próximos anos, com maior intensidade. E depois no G. Também havia alguma dificuldade em trabalhar o G. As grandes empresas estavam mais centradas no G, mas a realidade é que entre o ano passado e este o E e o G deram grandes saltos, e portanto aproximaram-se bastante. A governança é efetivamente um pilar que ajuda a sedimentar a sustentabilidade no negócio. E isso verificou-se neste retrato.
Portanto, o que vemos é o E com grande crescimento, a governança a ganhar tração…
… o S um bocadinho mais para trás, mas não muito. É mais a dificuldade de concretização das medidas. Não é que não haja os planos, os planos ficam desenhados. Eu acho que é mais a dificuldade de concretização das medidas, com dois grandes medos.
O primeiro que as empresas nos reportaram nesse estudo [sobre Diversidade, Equidade e Inclusão, realizado em 2023 com a Ernest&Young], é o medo da mudança. E o segundo é estar a promover outro género de discriminações paralelas, que não são conscientes. Isto só se vai resolver com medidas mais práticas e que as empresas possam partilhar entre si.
Terá a ver com os benefícios que a empresa perceciona que terá, que serão maiores, se calhar, se investir no E e no G do que no S?
Não vimos isso pelo estudo. Eu diria sempre que o E está muito mais regulamentado. Como nós temos essa preocupação pela emergência climática e mesmo pela lógica anterior de controlo da poluição, já existe todo um historial mais dedicado ao E. Portanto, as empresas, em vários níveis ou em vários setores de atuação, têm preocupações no E, quase sempre. O G acaba por ser também fruto da reputação.
O que nós entendemos é efetivamente, as empresas estão a olhar para a sua estratégia e para a transparência na gestão de uma forma muito mais preocupada do que faziam antes. Não é que não tivessem critérios ou não tivessem se calhar métricas, mas elas não estavam aprofundadas como agora estão. Estão sob escrutínio.
O S é mais a dificuldade na implementação. Por exemplo, no tema de desigualdade. Se a desigualdade fosse fácil de combater, não precisava de existir, não é? E não precisávamos estar a falar dela. E ela é transversal, não acontece só nas empresas, acontece na sociedade. Portanto, são medidas mais difíceis de implementar, o que implica, se calhar, mais formação e mais capacitação, até para podermos entender o assunto, porque muitas vezes ele não é facilmente percetível pelas pessoas. Ninguém acha que está a promover a desigualdade ou a não ser inclusivo.
Tem o feedback de que as empresas estarão a retrair-se um pouco no investimento em sustentabilidade, tendo em conta o contexto atual, que é menos favorável em termos de inflação e taxas de juro? Isso terá afetado de alguma forma aos esforços de sustentabilidade das empresas?
Não. No retrato agregado, as empresas que reportaram, e estamos a falar de um universo ainda relativamente grande, as empresas continuam a investir em sustentabilidade.
A própria lógica da sustentabilidade é de responsabilidade do negócio, que se vai concretizar em melhores resultados económicos e financeiros para a empresa.
Da mesma forma, não com menos vigor.
Sentimos a inflação do ano de 2022, provavelmente, mas se calhar ainda de uma forma reativa, não consciente. Mas cerca de metade das empresas continuam a dar formação e capacitação aos colaboradores na área da sustentabilidade e a pensar em projetos mais ligados a ela – também de forma mais concreta ao E –, mas continuam a investir.
Até porque já entenderam que há todo um novo condicionamento que é: a sustentabilidade está a promover uma eficácia e uma eficiência em todos os parâmetros que nós podemos pensar. Estamos a falar na redução de custos de matérias-primas, que vamos consumir menos. Estamos a pensar numa eficiência na gestão dos colaboradores, de equipas… Portanto, a própria lógica da sustentabilidade é de responsabilidade do negócio, que se vai concretizar em melhores resultados económicos e financeiros para a empresa. Eu acho que as empresas já conseguiram incorporar isso. Que a nova métrica vai ser favorável e positiva para o negócio, e nesse sentido, investem.
Agora, o que está a faltar aqui é provavelmente mais rapidez na forma como estão a dirigir esses esforços. Mas também acredito que cada parte da sociedade tem o seu papel. Portanto, se calhar, se virmos a Comissão Europeia, os Estados de forma individual têm uma lógica mais de regulamentação, dar o mote para o que é que pode ser o caminho. E depois as empresas vão ser um dos braços, provavelmente um dos mais importantes, para o executar. As empresas estão a ir atrás do que a regulamentação está a pedir e o que estão a ser essas linhas orientadoras. Mas temos que dar aqui uma aceleração.
Vê a regulamentação que tem saído em termos de ESG como positiva, tendo em conta esse empurrão que parece estar a dar às empresas? Ou seria importante fazer alguma coisa diferente?
Positiva, nem há dúvida. Efetivamente temos vivido aqui nos últimos 20 anos uma consolidação daquilo que a Europa tem decidido. E desde o Green Deal que decidiu que é este o caminho. Quer ser o continente líder nesta mudança societária, porque não é só estarmos preocupados com o clima, não é só estarmos preocupados com as pessoas, é estarmos preocupados com todos estes três parâmetros que vão criar uma sociedade nova, uma nova maneira de fazer negócios, de vivermos. Completamente diferente. E entenderam que podem dar esse mote.
Podem também, obviamente através de quadros financeiros, direcionar dinheiro para a economia nesse sentido mais positivo. Mas se nós pensarmos, das 100 maiores economias do mundo, 69 são empresas, e nós conseguimos dizer o nome de muitas empresas que são maiores do que Estados. Como é que a Comissão Europeia viu isso? Exatamente estabelecendo planos de ação com disclosure, com diretivas e reporte associado, porque é a única maneira de conseguirmos depois controlar e evidenciar que essa mudança está a ser feita.
Ainda que, obviamente, pelo caminho, fruto do ciclo de aprendizagem, possam acontecer coisas que não estão tão bem feitas ou problemas como nós sabemos, relacionados mais com o greenwashing. À medida que vão surgindo e vão sendo falados, a própria Europa vai corrigindo. E é assim que tem que ser feito.
A regulação não está, portanto, a ser demasiado pesada para as empresas?
Está a ser demasiado pesada. Sentimos todos, se calhar uma pressão, uma ansiedade relativamente a este reporte. O que é que aí vem? Como é que nós vamos estar na fotografia? Sim, é pesado. Também não temos dúvidas sobre isso. Mas na realidade, se não for começado e se não começarmos a fazer esse caminho de uma forma estruturada, também nunca vai acontecer. E aí também Europa esteve bem porque também não quis desligar nenhum dos temas, nem dar demasiada ênfase a um ou outro.
Criou aqui aquilo que deve ser a nova lógica das finanças sustentáveis, percebeu que tem que dirigir o dinheiro para os sítios certos, canalizar o dinheiro com transparência para financiar então estes programas e estas lógicas sustentáveis que se querem, para assim construir a economia. Claro que não pode gerar desigualdades face a outras economias que têm relações connosco, e isso tem que ser trabalhado. Agora a Europa está na linha da frente e é assim que tem que estar.
"Achamos é que há muita falta de informação e as pequenas ficam muito assustadas relativamente a como é que vão levar o seu negócio agora que as regras do jogo mudaram. ”
Que pontos lhe parece que convém ainda trabalhar em termos de regulação, para esta ser mais ágil, e para ser mais fácil para as empresas aderirem? O que gostaria de ver mudado?
Os timings já estão muito bem definidos relativamente ao reporte das grandes [empresas], e depois como é que as outras também se vão ajustar a isso. Faz parte até da lógica de funcionamento as empresas grandes puxarem pela sua cadeia de valor. Achamos é que há muita falta de informação e as pequenas ficam muito assustadas relativamente a como é que vão levar o seu negócio, agora que as regras do jogo mudaram. Faz parte do nosso propósito [do BCSD] ajudar todos. Ajudar todas as empresas neste caminho. Faz parte do propósito das grandes, e elas vão precisar disso, até para o seu reporte: ajudar as pequenas a encontrar o seu lugar.
Portanto, não está tanto na regulação, mas sim na reação.
Na reação. A regulação vai reagindo à medida das dificuldades.
Feito este diagnóstico sobre o nível de sustentabilidade em que estamos. Quais são então as suas prioridades como secretária-geral do BCSD?
Tenho as prioridades já muito bem definidas. A direção já tinha dado, neste mandato, que vai até 2025, os motes principais e, portanto, as nossas áreas temáticas vão continuar a ser as mesmas. Elas estão divididas por clima e energia, biodiversidade, reporte e finanças sustentáveis, Diversidade, Equidade e Inclusão, Economia Circular e a Cadeia de Valor. Estas áreas temáticas são trabalhadas com as empresas. Temos não só formação em cada uma das áreas, como trabalhamos com as empresas em grupos de trabalho.
As empresas dizem ‘queremos ver dentro desta temática algo específico’ e nós, dentro do grupo de trabalho, fazemos isso. Depois chegamos ao fim de um ano com deliverables. Chegámos a estas conclusões, fazemos um guia… Os grupos de trabalho são de acesso restrito para os membros do BCSD, mas aquilo que nós publicamos é público e é o nosso contributo para a comunidade.
O trabalho que tem agora pela frente é um trabalho de continuidade ou existe alguma nova iniciativa que esteja para ser lançada?
Vamos ter muitas iniciativas para serem lançadas. Vamos ter uma série de iniciativas com as empresas relacionadas com a continuidade, ou o pós-diagnóstico do DEI [estudo de diversidade, equidade e inclusão]. E também vamos trabalhar agora muito o pilar G, porque se o G funcionasse bem, provavelmente não íamos ter nenhum problema com as outras duas siglas. Portanto, vamos também querer muito ajudar as empresas na sua governança, estabelecendo aquilo que são as políticas, os procedimentos, uma lógica de negócio dedicada à responsabilidade.
Outra grande parte do seu currículo é precisamente a área dos resíduos, onde teve vários cargos até agora. E já estivemos aqui a falar de que o ambiente até é uma das maiores preocupações das empresas. No entanto, em relação aos resíduos em particular: considera que têm o devido destaque? Será um assunto a que tentará dar uma maior atenção de alguma forma durante este mandato?
Sim, sim. Vou acompanhar com muito interesse a área da economia circular. Os resíduos não estão a ter o enfoque que têm que ter. Nós conseguimos ver isso por vários índices de circularidade que são medidos. A economia mundial continua a consumir mais recursos primários do que recursos secundários. Isto tem que mudar porque os recursos são finitos. E quando falamos de recursos, não estamos a falar só de reciclagem ou de resíduos. Estamos a falar de água. Estamos a falar de energia. Portanto, sim: os recursos têm que ser mais bem alocados e nós temos que garantir o maior ciclo de vida possível dos recursos, não do produto. Do produto também, mas não só.
Acho que no BCSD nós conseguimos, juntamente com outras associações setoriais que trabalham de forma mais específica estes assuntos, dar aqui um avanço, nem que seja com métricas. Se estivermos a falar nas pequenas e médias empresas, com uma dimensão mais ligada aos serviços, não têm bem noção de quanto é que estão a produzir, o que é que efetivamente estão a enviar para a reciclagem ou não. O que é que efetivamente não havia necessidade de ser resíduo e poderia voltar a ser incorporado no processo, por exemplo. Aí sim, precisamos ainda muito da lógica de medir.
Não haver certeza [política] é sem dúvida um problema para as empresas no seu negócio e na lógica da promoção da sustentabilidade.
Agora que estamos também num contexto muito próximo das eleições legislativas, que riscos vê que esta incerteza política e os resultados eventuais das eleições podem representar para as empresas, sobretudo no que toca no que estamos aqui falar, que é no seu investimento em sustentabilidade?
Não haver certeza é sem dúvida um problema para as empresas no seu negócio e na lógica da promoção da sustentabilidade. O ambiente é provavelmente o aspeto mais crítico, aquele que nós vamos sentir mais nas nossas vidas e aquilo que é mais falado, com aquele sentido de urgência que queremos dar ao assunto. Mas obviamente que a sustentabilidade tem que ser vista em todos os pilares.
Não acho que a área da sustentabilidade, por essa incerteza de governação, vá sofrer mais do que outras. Não. Agora, já é bom entender que se calhar temas que há 20 anos não eram tão falados, agora já são falados nos programas e já há essa preocupação em todos.
No entanto, nos debates, não tem sido tanto uma preocupação, pelo contrário. Tem sido omitido o tema da sustentabilidade e alterações climáticas.
Verdade. Mas aí temos o suporte da Europa. A parte boa de estar a integrar a União Europeia é que a regulamentação está feita. O mote está dado. Cada país aplica, de uma ou de outra forma, mas as diretivas são transpostas de forma muito direta. Não acho que seja tão preocupante. O BCSD vai ter sempre uma posição mais efetiva quando estivermos a falar de leis. Lá está, na tal transposição de forma mais prática para Portugal, aí sim, aí já não estamos a falar de programas, mas sim de medidas que vão ser implementadas no país e que podem ter um impacto positivo ou negativo na sustentabilidade.
A sustentabilidade, se calhar agora, em Portugal e para o cidadão comum, não é a maior das preocupações. Se calhar estamos com mais medos relativamente à economia. Portanto, o foco está aí. Se calhar temos que entender que também não é o momento de colocarmos mais carga negativa no assunto, porque a sustentabilidade é um tema que, de alguma maneira, traz dificuldades acrescidas. Acho que é positivo que pelo menos já esteja na ordem do dia.
Então, passado esta fase, que possa voltar a entrar com mais força no discurso.
Vai entrar na agenda, claro que sim.
Que medidas gostava que um próximo governo avançasse, no sentido de promoção da sustentabilidade no país?
Há coisas que em Portugal se arrastam também já há muito tempo ou que precisam de ser refrescadas, de alguma lógica de inovação. Por exemplo, a fiscalidade verde tem que ser não só revista como ampliada. Era interessante se calhar ver um piloto de como é que poderia funcionar em Portugal, por exemplo, taxar a poluição e não taxar o trabalho.
Tem havido uma série de tendências neste sentido, podia ser interessante Portugal posicionar-se dessa forma, pelo menos para avaliar qual poderia ser o impacto. Mas lá está, são mais tendências do que propriamente medidas. A política já está relativamente bem construída e as medidas vão estar presentes pontualmente. Obviamente que o Estado é uma parte importante, portanto tem que se comprometer e tem que atuar, mas está muito ligado às pessoas. E a quem vai ter as pastas.
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