• Entrevista por:
  • Vasco Gandra, em Bruxelas

“Portugal pode ser beneficiário importante do novo programa do BEI”, diz a vice-presidente do banco europeu

"Já estamos a discutir, com as autoridades portuguesas, com a IFD e a banca comercial, diferentes operações que nos permitem unir forças para apoiar a economia portuguesa", diz Emma Navarro.

É vice-presidente do Banco Europeu de Investimento (BEI), instituição europeia com um papel chave no apoio à economia durante a crise sanitária e no pós-pandemia. Emma Navarro, em entrevista ao ECO, afirma que a situação na UE “é extremamente complicada” e exige uma resposta europeia unida e solidária. Prevê uma forte contração da economia e que “Portugal, tal como a maioria das economias da zona euro, será fortemente afetado por esta crise”.

A vice-presidente responsável pela supervisão dos financiamentos a Portugal garante que o país “pode ser um beneficiário importante” do programa de apoio que o BEI anunciou recentemente para responder à pandemia — um fundo de garantia pan-europeu de 25 mil milhões de euros que pode mobilizar até 200 mil milhões (1,5% do PIB da UE).

Em entrevista ao ECO, Emma Navarro explica como deverá funcionar esse mecanismo europeu — disponibilizando às PME mais linhas de crédito, empréstimos-intercalares e fundo de maneio. “As PME sempre foram uma das grandes prioridades da nossa atividade em Portugal”, sublinha.

E eurobonds? “As medidas que permitem mutualizar o risco orçamental nesta crise são importantes. As eurobonds permitiriam captar recursos através de uma emissão de títulos comum e destiná-los à resposta à pandemia“.

Que avaliação faz o BEI da situação atual? Que previsões tem e qual será o impacto da pandemia na economia europeia a médio e longo prazo?

O impacto económico será considerável. Não há dúvida de que teremos uma contração económica na Europa em 2020. Este é o cenário que as principais instituições económicas, como a Comissão Europeia, o BCE ou o FMI, estão a considerar. Em relação à intensidade e duração da crise, há uma grande incerteza. Um aspeto fundamental será a duração das medidas de confinamento. Para se ter uma ideia, a OCDE estimou que, por cada mês de confinamento, haverá uma perda do PIB anual das economias avançadas de dois pontos percentuais. E as previsões de outras instituições vão ainda mais longe.

No caso de alguns setores, como o turismo, os transportes ou o comércio, a queda na atividade será especialmente intensa. É evidente que estamos perante uma situação económica sem precedentes. As medidas de confinamento estão a levar, em muitos países, a uma paralisação quase generalizada da atividade económica, que terá claras repercussões económicas, sobretudo no emprego. Os dados do desemprego de março em Espanha e nos EUA foram inéditos. Portanto, é essencial implementar todas as ferramentas de política económica disponíveis para aliviar o impacto económico e preservar o tecido produtivo, embora isso inevitavelmente leve a um aumento do défice e da dívida pública.

É essencial implementar todas as ferramentas de política económica disponíveis para aliviar o impacto económico e preservar o tecido produtivo.

E como a vê a situação em Portugal?

Portugal, tal como a maioria das economias da zona euro, será fortemente afetado por esta crise. As medidas de confinamento necessárias para lidar com as emergências na área da saúde paralisaram a atividade económica em setores tão importantes como o turismo ou os transportes, o que se traduzirá numa forte contração da economia e desemprego. As PME, espinha dorsal da economia portuguesa, estão a sofrer fortemente os efeitos económicos desta pandemia. Em suma, Portugal está a viver o mesmo choque que os seus vizinhos europeus, uma situação extremamente complicada que afeta toda a UE e, portanto, requer uma resposta pan-europeia.

O BEI pediu uma resposta forte e sem precedentes da UE. Essa resposta esteve à altura?

A Europa está a adotar medidas importantes. O BCE lançou um novo programa de compra de dívida de 750 mil milhões de euros, que se soma à extensão do programa já existente, que é de 120 mil milhões. Trata-se de uma resposta muito contundente que permitirá conter o aumento da taxa de juros e evitar a fragmentação financeira. A Comissão Europeia flexibilizou a aplicação do Pacto de Estabilidade, para permitir aos países desviar-se dos objetivos de ajuste do défice e da dívida pública e, assim, ter uma maior margem orçamental para responder à pandemia. Também redirecionou fundos estruturais e de investimento numa nova iniciativa de investimento.

O nosso banco também atuou com diferentes iniciativas. Como primeiro passo, lançámos um pacote financeiro para mobilizar de forma imediata até 40 mil milhões de euros para apoiar as necessidades mais urgentes das nossas PME, e colocámos à disposição imediata 5 mil milhões de euros adicionais, para apoiar os sistemas da saúde, projetos de pesquisa para tratamentos e uma vacina contra o Covid-19. Para além disso, estamos a fazer um grande esforço para redirecionar o nosso financiamento anual para responder a esta situação excecional. E lançámos uma proposta para criar um fundo de garantia pan-europeu de 25 mil milhões de euros.

E há ainda o pacote que o Eurogrupo está a discutir, como a proposta de um fundo de resseguro temporário de desemprego que a Comissão anunciou ou o uso dos recursos do Mecanismo Europeu de Estabilidade, entre outras iniciativas. Estou confiante de que a resposta europeia será ampliada com estas medidas e que os Estados-membros serão capazes de mostrar aos cidadãos europeus que a UE pode responder unida e vigorosa ao grande desafio que todos enfrentamos.

O fundo pan-europeu de 25 mil milhões de euros — que poderá mobilizar até 200 mil milhões –, anunciado na sexta-feira como funcionará?

Este fundo é uma proposta que o nosso banco fez aos Estados-membros, os acionistas do BEI. Trata-se de um fundo de garantia de 25 mil milhões de euros, que seria composto por contribuições dos Estados-membros. Estas garantias serviriam para apoiar as ações do Grupo BEI, o que nos permitiria aumentar substancialmente as nossas atividades, mobilizando cerca de 200 mil milhões de euros de financiamento em apoio às empresas europeias. Isto representa aproximadamente 1,5% do PIB da União Europeia. Este apoio dos Estados-membros vai ajudar-nos a intensificar a nossa oferta de garantias e instrumentos similares aos intermediários financeiros, o que faríamos em colaboração com os nossos parceiros financeiros, a banca comercial e a Comissão. As garantias, no contexto atual, são essenciais para que os bancos transfiram a abundante liquidez que o BCE forneceu às PME. Este fundo pan-europeu permitiria que a resposta europeia à pandemia fosse concluída com um tipo de apoio que é fundamental para a economia real. A nossa proposta está a ser discutida atualmente pelo nosso conselho de administração e também pelos ministros das Finanças.

Mas será suficiente?

O tamanho do Fundo é um dos aspetos atualmente em discussão. Evidentemente, maiores recursos permitiriam aumentar ainda mais a nossa resposta. Mas o importante sobre este fundo é que ele oferecerá um instrumento europeu, que complementa e melhora os esquemas de apoio nacional que os diferentes países estão a implementar. Por exemplo, este instrumento será um mecanismo eficiente para oferecer garantias, dada a vasta experiência do nosso grupo neste tipo de instrumentos em toda a União Europeia. Além disso, com a intervenção do nosso banco, todos os países poderiam beneficiar do sólido rating de crédito, o AAA. De qualquer forma, este fundo deve ser entendido como mais um instrumento da resposta europeia, complementar às restantes iniciativas. Da nossa parte, não pouparemos esforços para apoiar a recuperação da economia europeia.

Como podem países como Portugal beneficiar desses recursos e em que proporção? De quanto falamos?

Não existem números concretos predeterminados porque o BEI não trabalha com quotas por países, mas sim para responder à procura de investimento em projetos alinhados com os nossos objetivos de financiamento. Mas penso que Portugal pode ser um beneficiário importante do nosso programa de apoio para responder à pandemia. Portugal já é um importante destinatário do nosso financiamento, estando entre os dez países mais beneficiados em proporção do tamanho da sua economia. Acredito que neste caso não será exceção.

Na realidade, já estamos a discutir, com as autoridades portuguesas e com a Instituição Financeira de Desenvolvimento, o banco de promoção português e os nossos parceiros da banca comercial, diferentes operações que nos permitem unir forças para apoiar a economia portuguesa em resposta à crise do Covid-19.

Financiamento que se dirigirá sobretudo para as PME.

Sim, as PME não são apenas a coluna vertebral da economia europeia, mas também um dos elos mais fracos nesta situação extraordinária de paralisia da atividade que as medidas de confinamento implicam. O importante é que as empresas que eram perfeitamente solventes sobrevivam e possam voltar à normalidade quando a pandemia acabar. É isto que o nosso apoio procura atingir. Para isso, vamos colaborar com a banca comercial e os bancos públicos de promoção, disponibilizando às PME mais linhas de crédito, empréstimos-intercalares e fundo de maneio para superar este desafio sem precedentes.

Vamos colaborar com a banca comercial e os bancos públicos de promoção, disponibilizando às PME mais linhas de crédito, empréstimos-intercalares e fundo de maneio para superar este desafio sem precedentes.

Por outro lado, as PME sempre foram uma das grandes prioridades da nossa atividade em Portugal. No ano passado, os nossos fundos alcançaram cerca de 4.000 pequenas e médias empresas portuguesas, que empregam 150 mil pessoas. Agora, mais do que nunca, trabalharemos para que continuem a receber o nosso apoio.

Como é que o BEI viu as divisões entre Estados-membros em relação à resposta económica que a UE deve der à situação atual?

Houve um apoio claro e generalizado relativamente às medidas do BCE, que é um escudo de proteção muito poderoso para a zona euro. Mas é verdade que, embora as medidas nacionais tenham sido rápidas, a implementação de outros instrumentos europeus está a ser mais lenta. A presidente [da Comissão Europeia] Von der Leyen disse-o de forma muito clara há alguns dias perante o Parlamento Europeu: num primeiro momento, quando a Europa precisava de agir de forma unida, o que tivemos foram muitas respostas unilaterais de países preocupados apenas com sua própria situação.

Mas acredito também que melhorámos desde então e espero que em breve tenhamos novas decisões do Eurogrupo e do Conselho Europeu. Está claro que a crise está a afetar todos os países e que uma forte resposta europeia é fundamental. Não só pela necessidade de mostrar união e solidariedade, mas também porque assim seremos mais eficazes. Espero que os Estados-membros consigam chegar a acordo num momento-chave desta crise.

Num primeiro momento, quando a Europa precisava de agir de forma unida, o que tivemos foram muitas respostas unilaterais de países preocupados apenas com sua própria situação.

Enquanto organismo financeiro, qual é a opinião do BEI sobre a proposta defendida por vários Estados-membros — incluídos alguns dos mais afetados pela pandemia –, para criação de instrumentos como os coronabonds?

Na minha opinião, as medidas que permitem mutualizar o risco orçamental nesta crise são importantes. As eurobonds permitiriam captar recursos através de uma emissão de títulos comum e destiná-los à resposta à pandemia. Isso ofereceria um sinal claro de união e solidariedade. Existem outros instrumentos que também permitiriam essa mutualização, como o seguro temporário de desemprego. O que está claro é que a articulação de uma resposta eficaz a uma crise como a que estamos a enfrentar exigirá esforços de todas as instituições europeias e Estados-membros. Nenhum de nós pode responder, de forma isolada, a este desafio e precisamos de usar as ferramentas europeias. Devemos mobilizar recursos e oferecer soluções entre todos, o mais rapidamente possível e com base no princípio de solidariedade.

A presidente da Comissão vai propor atualização da proposta de orçamento europeu plurianual por forma a enfrentar as consequências da crise do coronavírus. A prioridade é o combate à pandemia. Parece-lhe que o Green Deal — que também era uma das prioridades do BEI — vai passar para segundo lugar?

De maneira alguma. Como as Nações Unidas recordaram, as mudanças climáticas vão-nos afetar por décadas e os esforços para evitar uma catástrofe climática não podem ser interrompidos. A nossa missão como banco europeu do clima continua, assim como a nossa ambição. A Europa comprometeu-se a alcançar a neutralidade climática até 2050.

Os seus ambiciosos objetivos climáticos estão a permitir-lhe liderar a resposta global a este outro enorme desafio. Como responsável pela ação climática do BEI, posso garantir que não esquecemos o nosso compromisso de apoiar a transição para uma economia de baixo carbono. Reforçámos significativamente a nossa ambição climática e somos um parceiro-chave da Comissão Europeia no desenvolvimento do Pacto Ecológico Europeu. Faremos tudo o que seja possível para assegurar que a recuperação da Europa, após esta emergência sanitária, seja verde e sustentável.

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