Antigo vice-reitor da Universidade de Cambridge diz que Portugal precisa de nova geração de pensadores e líderes capazes de se envolver no mundo do trabalho em mudança.
Dos salários ao tipo de empregos disponíveis, Portugal , é certo, tem ainda questões por resolver para conseguir atrair mais talento estrangeiro. Mas o país tem também fatores que jogam a seu favor. Os preços da habitação, por exemplo, apesar de terem “aumentado drasticamente” continuam a ser “competitivos face a outros países europeus”. Há, depois, também a segurança, os cuidados de saúde e o sempre badalado clima. O retrato é feito por Philip Michael Allmendinger, ex-vice-reitor da Universidade de Cambridge, antigo reitor da Faculdade de Humanidades e Ciências da Universidade de Cambridge e novo diretor académico de uma faculdade internacional que tem o seu principal hub europeu em Lisboa, a Forward College.
Em entrevista ao ECO, o académico salienta que Portugal, tal como outros países do Velho Continente, precisa de uma nova geração de líderes e pensadores, “que sejam capazes de envolver no mundo do trabalho em mudança”. E destaca, a propósito, que o ensino deve servir para dar luzes sobre como pensar e não o que pensar.
Já com os olhos postos no futuro, Philip Allmendinger confessa acreditar que a universidade tradicional continuará a ter um papel a desempenhar, “mas haverá uma maior escolha e oportunidades para aqueles que procuram algo diferente.”
Formado em planeamento urbano e perito em urbanismo, Phil Allmendinger tem mais de 25 anos de experiência acumulada no ensino superior no Reino Unido, incluindo 14 anos em Cambridge, onde foi professor, chefe de departamento, reitor e vice-reitor. Na Forward College, será agora responsável pela gestão educacional e científica, e terá como objetivo o desenvolvimento de uma crescente equipa académica internacional recrutada nas melhores universidades europeias.
Acaba de assumir o lugar de diretor académico da faculdade internacional Forward College. Que objetivos tem definidos para este novo desafio?
Os meus objetivos consistem em ajudar a concretizar os objetivos da Forward College, à medida que esta se estabelece como uma presença nova e inovadora no ensino superior europeu. As prioridades da academia são claras e centram-se na oferta de uma experiência de elevada qualidade aos estudantes, bem como no recrutamento de professores de nível mundial. Se queremos oferecer um ensino de nível mundial, precisamos de professores de nível mundial. O papel do diretor académico consiste em apoiar e alcançar estas metas. Mas um enfoque restrito neste objetivo é perder o ponto mais amplo da razão pela qual vim para a Forward. Para mim, o atrativo da Forward é fazer algo diferente e proporcionar uma alternativa à corrente dominante.
Lisboa é considerada o principal hub europeu da Forward College. Que avaliação faz do ensino superior disponibilizado, em termos globais, em Portugal?
Há muitos anos que visito Lisboa e trago estudantes de outras universidades para estudar a cidade e o seu desenvolvimento. A minha própria investigação é em planeamento urbano. Neste contexto, estabeleci boas relações e redes de contactos com académicos portugueses que são excelentes. Os académicos em Portugal e em toda a Europa estão a enfrentar o mesmo tipo de desafios que enfrentei no Reino Unido. Por um lado, existe o desejo de proporcionar um ensino de elevada qualidade e uma investigação de ponta e com impacto que responda às necessidades da sociedade e aos desafios que todos enfrentamos. Por outro lado, encontram-se em estruturas tradicionais, orientadas para as disciplinas, que se centram no ensino a grandes grupos e nos rendimentos provenientes da investigação.
E o que é que a Forward College vem acrescentar a esse panorama? Que mais-valia traz?
Há uma série de novas instituições a emergir neste panorama para oferecer algo personalizado, diferente e disruptivo. A Forward College combina o melhor da excelência académica britânica com diplomas da LSE, experiência internacional (três países em três anos) e uma formação inovadora em liderança destinada a desenvolver as inteligências social, emocional, prática e tecnológica dos estudantes. Mais importante ainda: oferece ensino a pequenos grupos, uma abordagem de sala de aula invertida e tutoriais académicos e pessoais.
Portugal precisa de uma nova geração de líderes e pensadores que sejam capazes de se adaptar e de se envolver no mundo do trabalho em mudança.
Por outro lado, que contributo pode dar a Forward College para Portugal, nomeadamente em termos de disponibilização de talento qualificado às empresas?
Portugal, tal como outros países da Europa, precisa de uma nova geração de líderes e pensadores que sejam capazes de se adaptar e de se envolver no mundo do trabalho em mudança e nos desafios que a sociedade enfrenta. A visão da Forward College proporciona isso mesmo. Mas as oportunidades que Lisboa, como cidade e localização, oferece também ajudam os estudantes a sentirem-se integrados. Dizem que Lisboa é como uma casa para eles.
E o que é que atrai cérebros estrangeiros para estudarem em Portugal?
Como descobrimos durante a pandemia, muitas pessoas decidiram refletir sobre o equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal. Lisboa e Portugal têm muito para oferecer aos talentos globais, particularmente àqueles que procuram uma economia globalmente interligada e conectada e um ambiente natural e construído excecional.
Por outro lado, que obstáculos estão colocados à atração desses cérebros? Os preços da habitação, por exemplo, são um obstáculo?
Obviamente, há questões a resolver, incluindo os baixos salários e a disponibilidade de emprego para trabalhadores qualificados e com formação académica. No entanto, apesar do sentimento e dos custos locais, Lisboa continua a ser muito acessível por comparação com outras grandes cidades europeias. A análise dos vários índices globais de cidades habitáveis constitui uma boa referência para o que atrai as empresas e os trabalhadores: bons cuidados de saúde, acesso a espaços abertos, cultura, clima, baixa criminalidade, boas escolas e (embora sob pressão) preços acessíveis da habitação. Lisboa tem tudo isto e muito mais.
O que é que deveria ser feito para que esses obstáculos fossem eliminados, promovendo-se a atração de talento estrangeiro?
Depende muito do setor e da faixa etária. Os jovens talentos procuram certas coisas, enquanto as famílias precisam de outras.
Como referiu, Portugal compara mal com os demais países da Europa em termos de salários. Portugal consegue atrair estudantes, mas não trabalhadores estrangeiros qualificados? Como podemos mudar esse cenário, tendo em conta até a escassez de talento de que sofrem as empresas portuguesas?
Os salários são apenas um dos fatores que atraem os talentos para um país. O lado positivo dos salários mais baixos são os custos mais baixos, incluindo a habitação que, apesar de ter aumentado drasticamente nos últimos anos, continua a ser competitiva por comparação com outras cidades europeias. Penso que Portugal tem muito para oferecer que compensa os salários mais baixos. A qualidade de vida é muito importante para muitas pessoas.
Ao longo da sua carreira, desenvolveu parcerias entre várias universidades. Porque é que é importante desenvolver esses laços?
As universidades são locais onde novas ideias e formas de pensar provocam debate e discussão. Nenhuma universidade detém o monopólio das ideias – quanto maior for a rede, maior é a probabilidade de se obterem inovações através de crowdsourcing. Isto é particularmente verdade no domínio da investigação, em que as diferentes perspetivas e culturas são fundamentais para novas ideias.
No caso das universidades portuguesas, sentem que têm feito o suficiente para estabelecerem esses laços internacionais ou é um esforço ainda incipiente? O que pode ser melhorado?
Na minha experiência, as universidades portuguesas têm muito para oferecer. Construir e manter redes e parcerias requer tempo e investimento. É necessário dar prioridade a este aspeto e reconhecê-lo.
Sempre acreditei firmemente que precisamos de ensinar aos estudantes como pensar e não o que pensar.
Enquanto diretor académico, será responsável pela gestão educacional e científico. O mundo do trabalho está em profunda mudança. As faculdades estão a adaptar-se ao ritmo desejado? De que modo?
Não. A ideia subjacente à Forward College deve-se exatamente ao facto de existir um desfasamento crescente entre o ensino superior e as necessidades do trabalho. Sempre acreditei firmemente que precisamos de ensinar aos estudantes como pensar e não o que pensar, e a Forward procura fazer isso.
E entende que atualmente as faculdades estão a formar o talento adequado ao que os empregadores estão à procura ou há um fosso? Como se explica?
Há bolsas de inovação e evolução, mas, de um modo geral, não. A questão é que os empregadores também não sabem como será o futuro do trabalho. O que sabemos é que precisamos de estar prontos e capazes de nos adaptar e de aprender. A aprendizagem contínua e a atualização de competências serão essenciais para que os trabalhadores se mantenham relevantes no mercado de trabalho.
A universidade tradicional continuará a ter um papel a desempenhar, mas haverá uma maior escolha e oportunidades para aqueles que procuram algo diferente.
Recentemente, em entrevista, um ex-secretário de Estado apontava que as faculdades têm muita dificuldade, por exemplo, na adaptação dos seus currículos e das ferramentas que oferecem. Como avalia a burocracia envolvida no mundo académico? A burocracia é uma condição ou um travão da qualidade do ensino?
A minha principal experiência em matéria de burocracia nas universidades vem do Reino Unido. De facto, fui líder na parte burocrática de Cambridge e de Bath durante muitos anos. A resposta curta é que não é apenas a burocracia que constitui o desafio. A dimensão, o financiamento, a governação, a tradição e a burocracia desempenham todos um papel.
Como vê a universidade do futuro? Daqui a dez anos, o que será diferente, tendo em conta essas mudanças que estão a acontecer no próprio mercado de trabalho?
Vejo a existência de um multiverso de instituições dentro de dez anos, com uma mistura de instituições tradicionais e novas que oferecem uma gama de oportunidades, desde as presenciais às em formato online. As necessidades de aprendizagem ao longo da vida abrirão também a necessidade de oferecer cursos e programas de curta duração para alimentar a necessidade de atualização e adaptação contínuas. A universidade tradicional continuará a ter um papel a desempenhar, mas haverá uma maior escolha e oportunidades para aqueles que procuram algo diferente.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“Portugal tem muito para oferecer ao talento estrangeiro e que compensa os salários mais baixos”
{{ noCommentsLabel }}