Em entrevista ao ECO, Alexandra Leitão defende que a pré-reforma "faz muito sentido" na carreira docente e sublinha que este regime tem de ser visto como uma ferramenta de gestão.
Mais de dez meses depois da entrada em vigor do novo regime da pré-reforma, nenhum dos pedidos apresentados por funcionários públicos recebeu, até ao momento, resposta favorável. Em entrevista ao ECO, a ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública justifica tal bloqueio com a necessidade de “densificar os critérios” de acesso e defende que, na carreira docente — uma das áreas onde têm havido mais pedidos –, o regime em causa “faz muito sentido”.
Alexandra Leitão sublinha, por outro lado, que a pré-reforma tem de ser entendida como ferramenta gestionária, possivelmente útil nas áreas nas quais os profissionais deixam de exercer determinadas funções, à medida que a idade avança.
Já sobre a revisão das carreiras especiais, a ministra nota que é preciso identificar em cada uma delas justificações materiais, e não apenas financeiras, para a sua especialidade. E remata sublinhando que o recrutamento de mil jovens especializados — começado em 2019 — deverá ficar concluído no primeiro trimestre do próximo ano.
Há muitas outras áreas setoriais onde a pré-reforma faz sentido. Em todas aquelas onde, por exemplo, à medida que a idade avança, as pessoas deixam de fazer determinado tipo de funções.
Faz sentido o Governo abrir a porta legal às pré-reformas (lei do trabalho em funções públicas) e desde então não ter deixado ninguém sair da Função Pública por esta porta?
O decreto regulamentar que o prevê precisa de alguma densificação nas suas dimensões várias, que acho que deve ser uma densificação diferente de setor para setor. Por exemplo, os professores são, a meu ver, uma classe profissional em que a pré-reforma faz muito sentido. Porquê? Porque nos professores temos duas componentes que funcionam inversamente, mas que se compreendem. Um professor com mais anos de serviço e de idade leciona menos horas de aulas. E nessa medida, a sua ida para a pré-reforma deixa a descoberto menos tempos letivos do que um professor que dá o pleno das horas de aulas. Portanto, faz sentido que, se tiver um professor que leciona 14 horas — que é o máximo de redução que um professor do ensino básico e secundário pode ter –, posso praticamente fazer sair dois professores em pré-reforma e só contratar um. Isso faz muito sentido, quer do ponto de vista da racionalização de meios, quer do ponto de vista das pessoas. Seguramente há outras áreas setoriais em que isto faz sentido. Qual é o ponto? A aplicação daquele decreto regulamentar pressupõe um conjunto de densificações setoriais que nos propomos trabalhar com os ministérios.
E porque é que esse trabalho não foi feito ao longo de 2019? Já que o decreto foi publicado em fevereiro…
2019 foi um ano diferente, porque tivemos eleições em outubro e não se fez essa densificação, mas acho que estamos a tempo de a fazer, até no quadro de uma nova legislatura, com um novo enquadramento da área governativa.
Mário Centeno chegou a dizer que o país não se podia dar ao luxo de pôr em prática as pré-reformas, não tinha condições financeiras para isso, porque ter-se-ia de pagar, na prática, dois salários…
O mecanismo da pré-reforma não pode ser encarado apenas ou essencialmente como um direito do trabalhador; é um mecanismo gestionário. E portanto, em áreas onde ocorra necessariamente uma duplicação, se calhar não são as áreas adequadas para aplicar o mecanismo da pré-reforma. Mas há muitas outras áreas setoriais onde isso faz sentido. Em todas aquelas onde, por exemplo, à medida que a idade avança, as pessoas deixam de fazer determinado tipo de funções. E há outras que não apenas a Educação. Portanto, eu também acho que não pode haver uma duplicação e o mecanismo tem de ser encarado numa dupla dimensão do direito do trabalhador, mas também de conveniência, no sentido de racionalidade, e como opção gestionária.
Já disse que os critérios vão variar por ministério, carreira, setor. De que modo?
Esse é um trabalho que eu não posso antecipar.
Mas já disse que há algum trabalho feito…
Na Educação, há bastante trabalho feito. Há um conjunto de critérios razoavelmente trabalhados para o que poderia fazer sentido. E agora vamos recensear outras situações para podermos fazer esta análise mais estrutural dos vários setores.
Que critérios são esses?
Por exemplo, na Educação, um dos critérios é se o professor está em monodocência ou não. Isto é, se é um professor do primeiro ciclo ou do pré-escolar para as áreas todas [monodocência] ou se é um professor de ensino mais à frente, onde dá aulas a várias turmas. E toda a gente percebe que, na monodocência — até porque os meninos têm tenra idade — faz sentido que um professor, se calhar, aos 57 anos possa vir para a pré-reforma. Se calhar numa área em que se dá aulas ao 12º ano, isso não faz sentido, porque as exigências numa criança mais pequena ou num jovem já adolescente… Essas ponderações gestionárias têm de ser feitas.
Portanto, um professor em monodocência conseguirá entrar mais facilmente na pré-reforma do que outro?
Têm de ser estabelecidos critérios objetivos que permitam analisar os pedidos que estão feitos. Os critérios que permitam passar todos os pedidos pelo mesmo crivo têm de ser trabalhados em primeira linha pelos ministérios setoriais e nós pediremos aos ministérios essa densificação. Uma coisa tem de acontecer: tem de haver critérios objetivos que permitam filtrar todos os pedidos que estejam formulados, para que as pessoas percebam porque é que um é admitido e outro é rejeitado.
Chegou a ser escrito que este regime de pré-reforma poderá vir a facilitar a saída especialmente aos professores. É essa a ideia?
Acho que isso foi uma circunstância que decorreu do facto de eu ter recorrido, como recorri agora, a um exemplo que já conheço [o da Educação], mas não é uma figura apenas para os professores. Há seguramente outras áreas onde haverá critérios próprios.
Mas a carreira docente não será aquela que tem mais pedidos?
Estamos a fazer um levantamento junto dos ministérios. Está em curso ainda o prazo para essa resposta sobre quantos pedidos cada área tem pendentes, para termos essa visão de conjunto antes de partirmos para a análise.
Acho que não há dúvidas que a carreira docente é uma que tem justificação material para a sua especialidade.
No programa do Governo, o Executivo é bastante específico na vontade de mexer nas carreiras especiais. Isto é para quando?
O papel que a minha área governativa tem nessa matéria é, juntamente com os ministérios setoriais, perceber quais são as carreiras especiais em que se vai mexer — porque não haverá uma revisão geral de todas as carreiras — e depois apoiar os ministérios nessa negociação.
Há umas que têm um modelo mais sustentável que outras?
Exatamente. Ou, para não pôr a tónica apenas no aspeto financeiro ou de sustentabilidade, [há carreiras] que têm uma justificação material mais atendível do que outras, em função da especificidade das funções desempenhadas. Encaro o papel deste ministério como tendo de garantir a equidade e a coerência do sistema. Essa é a nossa função principal e não nos substituímos aos ministérios.
Mas há uma área incontornável, que é uma área que lhe diz muito, que é a da Educação. A ideia é convergir o modelo de progressão dos professores com o modelo das carreiras gerais?
Não me queria focar nessa carreira, porque a definição das carreiras que são para rever ainda não está pronta. [Mas] essa é uma das carreiras que tem uma justificação material muito atendível. Acho que não há dúvidas que a carreira docente é uma que tem justificação material para a sua especialidade. Se pode ser revista? Certo. Mas é uma carreira cuja especialidade se justifica, a meu ver.
Ainda sobre as carreiras especiais e especialmente sobre a carreira docente, os sindicatos continuam a reivindicar a recuperação dos quase sete anos congelados que ainda não foram contados. Há espaço para isso?
Eu diria que esse é um assunto encerrado.
Nem uma recuperação de modo faseado?
Esse é um assunto encerrado para o Governo, resolvido na legislatura anterior.
Está em curso já um recrutamento centralizado de mil técnicos superiores, que planeamos ter terminado até ao fim do primeiro trimestre de 2020.
Na Saúde, o Governo já anunciou a entrada de 8.400 profissionais. Que outras áreas da Administração Pública vão ser reforçadas, a nível de pessoal?
A lógica de entradas e saídas plurianual tem a ver com as aposentações, necessidades, etc. É algo que também vai ser trabalhado com os sindicatos, vamos ver. Mas há, desde já, duas áreas que podemos referir: por um lado, está em curso já um recrutamento centralizado de mil técnicos superiores, que planeamos ter terminado até ao fim do primeiro trimestre de 2020. Estão a ser recrutados de forma centralizada e depois são distribuídos pelas áreas. São essencialmente pessoas com um perfil de planeamento, tecnologias de informação, jurídico, e vão reforçar os serviços que precisem mais.
Vão, sobretudo, permitir fazer uma coisa que está no Programa do Governo que é a constituição de centros de competência transversais ao Governo, com um know-how de uma determinada área em especial. Pensamos criar dois, ao longo do próximo ano: um centro do planeamento de políticas públicas e outro de relações internacionais, desejavelmente este último já a tempo de vir prestar algum apoio à Presidência Portuguesa da União Europeia. Esta é uma dimensão de contratações nas carreiras gerais, de técnicos superiores.
E esse centro de planeamento o que é que fará?
No fundo, o centro de competências na área do planeamento deve olhar integradamente para as várias áreas governativas, um pouco na linha do Ministério do Planeamento que temos também nesta orgânica de Governo, para delinear políticas públicas. Como por exemplo, a nível da distribuição de fundos comunitários, enfim, sobretudo na visão macro das políticas públicas.
Mas estes 1.000 técnicos superiores estavam previstos no Orçamento anterior, certo?
Não é do Orçamento anterior. O processo começou em 2019 e é muito complexo na medida em que concorreram cerca de 18 mil pessoas àqueles 1.000 lugares. Estas 18 mil pessoas já fizeram uma primeira fase e agora cerca de 15 mil vão realizar a prova de conhecimentos, algures entre janeiro, início de fevereiro. É uma prova de conhecimentos que tem um conjunto logístico muito complexo, são 15 mil pessoas a fazer a mesma prova ao mesmo tempo, provavelmente em Porto, Lisboa e Évora. E essas pessoas depois passarão a uma fase de avaliação psicológica e ficam numa bolsa que depois vai alimentar os serviços em concreto. Este processo é moroso. Começou em 2019, vai continuar e vão chegar efetivamente em 2020.
E o enquadramento salarial desses novos trabalhadores depende dos ministérios que vão integrar ou uma categoria na qual se vão encaixar?
Temos entre os 18 mil candidatos doutorados e mestres. E há aqui várias hipóteses em que podemos pensar. Por exemplo, desde 2014, a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP) permite que o dirigente de um serviço contrate alguém para a segunda e para a terceira e quarta posição remuneratória imediatamente. Não tem de entrar pela base, aliás, um licenciado entra pela segunda posição remuneratória. Uma hipótese é, por exemplo, quem já tem um grau de doutor entrar para a quarta posição remuneratória, na lógica de dotar a administração pública de quadros jovens qualificados. Isso é uma possibilidade que a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas prevê e que nós pretendemos começar a utilizar. Para a área da Administração Interna (MAI), também está previsto um programa de dois ou três anos de reforço dos efetivos.
E já há números para isso?
Creio que o MAI já tem uma proposta, nós vamos trabalhar com eles, é uma carreira especial, naturalmente. Mas isto está quantificado, até porque tem um valor associado.
Pode haver uma melhor distribuição dos funcionários públicos? Acho que pode haver, acho que as carreiras gerais permitem essa distribuição e acho que a passagem para as autarquias no quadro da descentralização também permite essa melhor racionalização.
Desde 2015, o Estado aumentou em cerca de 28 mil funcionários públicos. Estamos a voltar aos 700 mil, não é muito?
Não estamos nos 700 mil. A verdade é que ao mesmo tempo que essa pergunta está a ser feita, nós temos em muitas áreas, designadamente na Saúde e no MAI, contestação ao número de efetivos. Eu venho da Educação, onde se fala muito da falta de professores, embora aí tenha mais que ver com a sua distribuição geográfica. Mas fala-se, por exemplo, da falta de assistentes operacionais. E portanto, temos aqui uma situação eventualmente contraditória pelo menos na opinião pública. Diz que eventualmente são demais, mas nós continuamos a ter áreas onde se invoca ou há alguma contestação de haver alguma falta.
Nessa lógica, faz sentido ressuscitar aquela ideia que já existiu no passado, de bolsa de excedentários?
Não está na nossa expectativa criá-lo. Acho que uma boa solução para isso [distribuição pouco eficiente dos recursos humanos do Estado] é a pré-reforma, que é uma figura que permite a pessoas, que estão numa idade mais avançada, e que até aceitam ir para casa com algum corte… Enfim, o mecanismo de pré-reforma que é conhecido. Em certas áreas faz mais sentido do que noutras [a pré-reforma]. Essa análise setorial é aquela que temos que fazer.
Então não há funcionários públicos a mais, estão é mal distribuídos?
Não. O que estava a dizer é que não creio que haja funcionários públicos a mais. Na área das escolas, chegaram a um mínimo histórico, em 2013/14. Têm vindo a subir, mas não estão a nível que estavam em 2011. Portanto, eu não faço essa leitura. Pode haver uma melhor distribuição? Acho que pode haver, acho que as carreiras gerais permitem essa distribuição, e acho que a passagem para as autarquias no quadro da descentralização também permite essa melhor racionalização. Quando passamos assistentes operacionais no âmbito da Educação para a tutela das autarquias, e as autarquias podem fazer a gestão desse pessoal com muito maior proximidade, tenho a certeza que se racionalizará e que haverá ganhos de produtividade muito relevantes.
Ou seja, terão necessidade de contratar menos pessoas?
Terão pelo menos a capacidade de dispor, de racionalizar, de recorrer aos efetivos de uma forma mais próxima. E tudo o que é gerido de uma forma mais próxima é melhor gerido, é mais eficiente.
Não seria mais fácil – por exemplo no setor da Saúde – se a Função Pública trabalhasse 40 horas?
Havia um compromisso no programa do Governo da anterior legislatura, que era a passagem para as 35 horas. Se pensarmos, a passagem para das 35 para as 40 horas, foi uma redução salarial porque o valor/hora reduziu. Quando há pouco falávamos de valorizações, ter ido outra vez das 40 para as 35 foi uma forma de valorização, porque o valor/hora aumentou. E portanto, isso foi cumprido. Agora, por isso também, estamos a paulatinamente, e na medida do que vai sendo possível, a reforçar novamente as áreas que precisam de ser reforçadas. A Saúde, acho que todos concordamos, é uma área que precisa de ser reforçada, e está a sê-lo.
Ainda não comentou a justiça ou injustiça entre o privado ter um regime e o setor público ter outro.
Há tanta coisa em que o privado e o público têm regimes diferentes que eu não queria entrar pela análise apenas de uma das dimensões da diferença. Porque há muitas dimensões da diferença, entre o público e o privado, a vários níveis. Ao nível do tipo de avaliação, subsistemas de saúde, etc. E uma diferença que tem tantas dimensões, que eu não me deteria apenas nessa.
Admite regressar aos 25 de férias?
A LGTFP já diz hoje que pode haver mais dias de férias – por exemplo — na sequência de uma avaliação de desempenho. Há mecanismos gestionários que a lei do trabalho em funções públicas dá, e que estiveram paralisados por força da crise… e que podem ser repescados. Acho que esse é um mecanismo gestionário.
Mas não generalizar esta prática no sentido de compensar os trabalhadores, até pelo fraco aumento salarial?
Não está no Programa do Governo, não está expressamente no nosso quadro estratégico que foi à lei do Orçamento. Podemos analisar, mas neste momento não é um compromisso de todo. Não desassociado de uma dimensão, como a que já está na LGTFP, do desempenho e da produtividade.
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“Professores são uma classe em que a pré-reforma faz muito sentido”, diz ministra da Administração Pública
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