“Queremos que os estudantes estrangeiros casem com as empresas portuguesas”, diz Filipe de Botton

Filipe de Botton, membro da associação BRP, que se aliou à AICEP para lançar os estágios Inov Contacto Reverse, diz que retenção de alunos internacionais dará “uma visão mais cosmopolita às empresas".

A Associação Business Roundtable Portugal (BRP) juntou-se à AICEP para “virar do avesso” o programa Inov Contacto e lançar, em paralelo com esse programa de estágios internacionais para jovens portugueses, uma nova versão para atrair talento internacional para as empresas nacionais. A base inicial de recrutamento serão os perto de 70 mil estudantes estrangeiros que frequentam os mestrados nas universidades portuguesas, com Filipe de Botton a assumir que “se conseguirem cativar 10% ou 15% [desse universo] já será extraordinário”.

Em entrevista ao ECO, o CEO da Logoplaste, que é membro da Associação BRP e líder do grupo de trabalho da globalização, defende que os jovens estrangeiros que vierem a participar no Inov Contacto Reverse podem dar uma “visão mais cosmopolita” às empresas portuguesas, obrigando-as a olhar para os problemas de uma forma diferente. E ajudar a combater o “dramático” problema demográfico do país, que, se não for contrariado, dramatiza, poderá mesmo colocar em causa a “manutenção de Portugal como país”.

Por que avançaram com este novo programa de atração de talento imigrante?

Uma das maiores dificuldades que existe em Portugal é a retenção de talento e, ao nível do mestrado nas universidades portuguesas, em alguns casos há até 50% de alunos estrangeiros. Temos aqui uma bolsa de talento, composta tipicamente por jovens com iniciativa e um sentido cosmopolita da vida. Porque não tentar retê-los em Portugal? É essa a ideia. Temos aqui uma oportunidade única de poder convidá-los para ficar num país que escolheram por sua iniciativa e, muito provavelmente, até veem com bons olhos poderem ficar em Portugal.

Para as empresas portuguesas é uma enorme vantagem. São jovens que já estão cá, que dão uma visão internacional e mais cosmopolita às empresas e à sua forma de pensar. Isso é extremamente importante para as empresas, sejam elas grandes, médias ou pequenas. Mas sobretudo para as médias e pequenas, em que esses jovens lhes podem dar uma visão diferente da portuguesa.

Qual o motivo para se aliarem à AICEP e ao Inov Contacto?

Uma preocupação que temos no BRP é vermos o que já existe e como ajudar a melhorar esses instrumentos existentes. Em todo este tema da globalização e da interação das empresas que fazem parte do BRP com outras mais pequenas, vemos sempre o que existe de bom em Portugal e como potenciá-lo. E, sem dúvida, foi o caso deste programa da AICEP. A ideia foi ver como podemos utilizar o que já existe, como o Inov Contacto, que dá uma oportunidade aos jovens portugueses de ganharem experiência fora de Portugal.

Mas a ideia é oferecer estágios apenas a quem vem estudar para Portugal ou abarcar nesse recrutamento pessoas que possam não ter essa ligação académica ao país?

Quando esgotarmos estes 70 mil jovens e conseguirmos integrá-los nas empresas portuguesas, cá estaremos para tentar cativar mais 70 mil. Mas se conseguirmos cativar 10% ou 15% destes 70 mil já será extraordinário. No fundo, vamos a uma pool de jovens que já cá estão e damos as condições para poderem permanecer em Portugal.

O que justifica arrancarem com um projeto-piloto, em que participam apenas dez empresas da Associação BRP?

Primeiro queríamos fazer um teste com uma universidade – isso foi algo que discutimos com a AICEP. Para ver como corre, para aprender os ‘do & don’t’, para depois podermos escalar o tema. Para este teste inicial, a FEUP escolheu 20 alunos que vão agora terminar o seu período de estudo em Portugal. E agora tem de haver um matching entre o currículo, a vontade e o perfil desses jovens, e aquilo que pretendemos ter dentro das nossas empresas. Seja para depois ficarem a trabalhar em Portugal ou para irem trabalhar nas fábricas e empresas que temos fora de Portugal.

Quais as nacionalidades ou origens geográficas com mais potencial para ficarem a trabalhar nas empresas portuguesas?

Aquilo que mais desejamos são jovens europeus ou de países onde há mais comércio com Portugal. Vêm ajudar Portugal e as empresas portuguesas a ter uma forma de trabalhar diferente – se vou incorporar aqui na Logoplaste um jovem alemão, por exemplo, vai-me trazer um método de trabalho, uma forma de olhar para os temas e para os problemas numa ótica alemã. Que é certamente diferente da forma como nós, portugueses, olhamos para esse mesmo problema. E esse lado mais eclético ao olhar para um problema é que me vai dar riqueza e permitir diferenciar no mercado. Quanto mais pessoas diferentes estiverem a pensar o mesmo problema, mais teremos soluções diferentes.

E as equipas locais, o que ganham com essa abertura a um ambiente multicultural?

O saudável impacto de não sermos detentores da verdade absoluta. É das coisas mais importantes. No caso da Logoplaste temos 39 nacionalidades aqui dentro. Este lado cosmopolita dá-nos uma riqueza em termos de inovação e de criatividade, que é absolutamente extraordinário. Porque nos obriga a aceitar que há outras formas de pensar um mesmo problema.

Isto será relevante para o aumento de escala do tecido empresarial português, para termos empresas maiores?

Claro. Dá-nos uma visão diferente, obriga a alargar horizontes. Quer nas empresas grandes, quer nas pequenas e médias empresas. O que mais queremos é ajudar o tecido empresarial como um todo e fazê-lo crescer. E cresce muito mais uma empresa pequena e média se lhe dermos utensílios para esse crescimento do que fazermos meramente um discurso.

Disse que o objetivo é atrair pessoas de economias desenvolvidas – e deu até o caso da Alemanha. Mas como podem as empresas portuguesas ser competitivas na atração de pessoas desses países?

Pelo salário não vamos atrair ninguém. Infelizmente, em Portugal não pagamos salários elevados. Mas este universo de jovens já escolheram vir para Portugal e já sabem as condições que aqui existem. Já tiveram um período de prova em Portugal, já namoraram com o país e o que queremos é que eles agora casem com o país.

Mas pensando fora deste programa, que argumentos podem dar as empresas portuguesas a um jovem qualificado de um país desenvolvido, não tendo essa ferramenta salarial?

Atualmente, grande parte da juventude tem a noção de purpose. Hoje, grande parte dos jovens não trabalha só pelo lado salarial. Trabalham por algo maior do que o tema salarial. E podem estar num país de que gostam, que os acolheu bem, que tem gente simpática e condições [climatéricas] extraordinárias ao longo do ano.

Além disso, podem ajudar uma empresa que tipicamente é menos qualificada, menos competitiva do que as do seu país de origem. É uma forma fácil de ter sucesso. Tem mais facilmente sucesso numa empresa com menos competências do que numa empresa que já seja muito competitiva, onde é sempre muito mais difícil ir à procura das vantagens marginais.

Vejo que está confiante no sucesso deste programa.

Com a humildade que se deve olhar para estes temas, daqui a um ano veremos se conseguimos cativá-los e se tivemos sucesso neste nosso desígnio. Agora, conhecendo e falando com muitos jovens – porque sou também mentor de uma série de jovens nas universidades, inclusive de jovens internacionais que estão cá –, acredito que isto vá ser algo que vá ter sucesso e permitir a retenção de internacionais em Portugal.

Podem ajudar uma empresa que tipicamente é menos qualificada do que as do seu país de origem. É uma forma fácil de ter sucesso. Têm mais facilmente sucesso numa empresa com menos competências do que numa que já seja muito competitiva.

Filipe de Botton

Membro da Associação BRP e CEO da Logoplaste

Este programa está concentrado nos profissionais qualificados, mas há também uma necessidade de mão-de-obra menos qualificada na economia portuguesa. O que pode o país fazer nesse domínio?

Isso passa por outro trabalho que temos no BRP, que é uma adaptação dos currículos do ensino médio ou técnico às necessidades atuais das empresas portuguesas. Dar uma formação diferente a pessoas que ao longo da sua vida tiveram um certo tipo de trabalhos, para poderem ter outro tipo de ambição. Isso é algo impactante.

E no que toca à importação de trabalhadores estrangeiros?

Isso tem a ver com a imigração de pessoas com menores competências técnicas, nomeadamente do sudeste asiático, em que temos de as integrar. Há aí um aspeto legislativo que não está a ser minimamente contemplado pelo Governo, que tem a ver com o SEF. Devemos dar-lhes condições de trabalho em Portugal porque ao fazê-lo, ao legalizar a situação laboral deles, também vamos conseguir que tenham condições dignas de trabalho.

Carlos Moedas criticou a concessão de vistos que permitem a entrada de estrangeiros durante seis meses para procurarem trabalho.

Do ponto de vista pessoal, não sou minimamente apologista de contingentes. Não é por aí que se resolvem os problemas. Sou apologista de legalizar as situações e neste momento precisamos dessas pessoas como de pão para a boca. Precisamos loucamente dessas pessoas para ajudar ao desenvolvimento das empresas portuguesas.

Dizem que este programa Inov Contacto Reverse é uma forma de combater o “inverno demográfico” que o país atravessa. Quão grave é ou será esta dimensão nos próximos anos para a economia portuguesa?

Basta olhar para os números oficiais e ver o impacto da baixa de natalidade em Portugal na população ativa. É dramático. E se não conseguirmos, através de políticas objetivas e práticas, alterar estas condições, não iremos conseguir minimamente ir ao encontro do que é a manutenção de Portugal como país.

E as empresas e sociedade civil não podem ficar à margem desse esforço, não é só um trabalho do Estado.

As empresas estão justamente a querer provar que estão a fazer a sua parte. E estas ações do BRP são demonstrativas disso. Para que, cada um com a sua dimensão e com as suas possibilidades, possa contribuir para alterar essa situação.

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