Não é só entretenimento. A realidade virtual e aumentada pode criar eficiências nas empresas e, ao mesmo tempo, dar novas experiências aos clientes, diz Aurélia Sousa, da Accenture.
As realidades alternativas já não são ficção científica. São é uma tendência cada vez maior na tecnologia e as empresas também já começam a olhar para elas. A maioria dos executivos inquiridos pela Accenture, no âmbito da última edição do relatório de tendências tecnológicas Accenture Technology Vision, já vê potencial na realidade virtual e na realidade aumentada como uma forma de aumentar a eficiência das operações e oferecer novas experiências aos clientes.
Em entrevista ao ECO, Aurélia Sousa, managing director na Accenture Technology, explica como a consultora está a adotar esta tendência e deixa alguns conselhos às empresas, para que também elas possam aproveitar esta nova onda digital. A promessa é de poupança com deslocações, mas também de diferenciação da concorrência.
O que é este conceito da extended reality? Como pode impactar as vida das empresas?
O conceito engloba todas as tecnologias que hoje se possam considerar como realidade virtual, realidade aumentada e realidade mista. Ou seja, tecnologias que nos permitam, ou ficarmos imersos numa realidade (aí, totalmente virtual, em que podemos estar com os conhecidos óculos e estarmos dentro de uma determinada realidade, completamente produzida virtualmente), ou estarmos numa realidade aumentada (onde vemos informações, objetos, outras pessoas, de forma aumentada, na nossa realidade).
Ou seja, há uma nova camada de informação.
Há uma camada de informação dentro daquilo que é a nossa realidade. O exemplo mais conhecido é o Pokémon Go. Estamos a ver o nosso espaço, mas estamos a ver, ali, uma figura que não existe. Este tipo de tecnologias descreve o que é a realidade estendida. Usamos essa expressão porque vemos este tipo de tecnologia a trazer uma transformação da realidade para as pessoas, para a informação e, principalmente, para a experiência de quem é utilizador dessa realidade. Daí ser uma realidade estendida, que afeta todas estas vertentes.
Como é que a realidade estendida pode impactar o negócio?
Se pensarmos em algo que foi sempre limitador, e continua a ser, é o local físico e a distância a que estamos de fazer alguma coisa. Limita as nossas decisões, a forma como fazemos negócio e nos expressamos. Se pensarmos neste conceito da distância e do local físico, e pensarmos no potencial que tem uma realidade estendida, faz com que, de forma disruptiva, o conceito de distância e de local desapareça.
Preenche ainda mais o fosso da distância?
Faz com que esse conceito desvaneça como um obstáculo a fazer o negócio. Ao desaparecer este fator da equação, abrem-se novas oportunidades que podem fazer com que o mesmo processo, a mesma realidade de uma determinada organização, para um mesmo serviço que presta, seja feita de uma forma completamente diferente. Isso é muito inspirador, pois pode afetar, por exemplo, a produtividade de um colaborador. Por exemplo, relativamente à minha função, poderia precisar de estar com um colega num determinado local, que é especialista de um determinado tema. Eu posso levá-lo comigo. É claro que, por telefone também o poderia fazer. Mas se ele poder ver o que eu estou a ver naquele momento e passar-me a informação da sua expertise, adicionalmente à minha, que estou naquele local e posso executar, elimina-se esse fosso. Isso faz com que haja poupanças, desde logo, em viagens. Cria-se a capacidade de algumas pessoas se poderem quase multiplicar. Estando num local físico, não perdem o tempo e a ineficiência da deslocação. Portanto, há ganhos de eficiência, quer do lado da organização que presta o serviço, quer de quem recebe.
A extended reality está muito associada aos óculos de realidade virtual e também ao nosso telemóvel (com a câmara podemos ver um catálogo e ver como o produto fica num determinado espaço, sem que esteja mesmo lá). Vamos começar a ver os nossos empresários com óculos de realidade virtual?
A evolução da tecnologia não será tanto essa. É verdade que os óculos são o veículo e, muitas vezes, face à realidade aumentada, os óculos já não são tão disruptivos como os imersivos. Vemos técnicos de manutenção que usam óculos quase normais, mas que têm uma câmara. É claro que os óculos são o veículo que está mais próximo da realidade atual. O que é que vai também facilitar isso? Todo o tipo de interface, visual que permita estar em contacto connosco. Podemos pensar num smart building, em que as salas e os vidros são construídos para poderem dar-nos uma experiência diferente. Veja-se o exemplo de um negócio de gestão imobiliária, em que queremos entrar numa sala e ter a possibilidade de nos imaginarmos num determinado local. Ou querer comprar uma casa em Nova Iorque e imaginar como vai ser a paisagem. Todos estes fatores fazem com que a nossa realidade possa ser estendida. Mas também há aqui um aspeto que não é tão realista, ou acessível a todas as organizações neste momento: é o facto de podermos criar a capacidade de existirem hologramas para esta realidade. Se tivermos o holograma de alguém, não precisamos de ter esses óculos para o ver. Precisamos é de ter a tecnologia em vídeo que permita transmitir a imagem do holograma em que dê uma sensação de volume da pessoa.
É algo que há uns anos era apenas ficção científica.
Era ficção científica. A maior experiência que se pode ter hoje em dia é ter esses óculos imersivos, estar numa sala de reunião e ter outros avatares das pessoas que estão connosco na reunião.
Mas esses óculos de realidade virtual ou aumentada ainda são muito grandes e limitados. A tecnologia ainda não está madura o suficiente?
Não é madura: é acessível e disponível às massas, em valores que também as tornem possíveis de adotar por todas as organizações e para todos os consumidores.
Muita gente considera que ainda não é um bom investimento. Esta tecnologia está muito associada ao entretenimento.
Também. Quem ouve falar disto pensa, essencialmente, em entretenimento. Na realidade estendida, pensamos sempre em jogos, mas agora pensamos também assim: como se pode usar isto para fazer com que a experiência do meu consumidor seja completamente diferente quando entra na minha loja? E o consumidor não vai precisar desses óculos. Quando entra nestas lojas, são tecnologias que estão embutidas. Para o consumidor final, os óculos são, neste momento, o aparelho que permite mais facilmente conseguir ter a experiência. Para a realidade das organizações, todas as outras componentes de vídeo, de contacto de ecrãs, em poderem estender a realidade para o consumidor, fazem com que a pessoa possa ter essa experiência na realidade do negócio que está a experimentar.
A extended reality pode preencher o fosso da distância. Mas outra tecnologia que surgiu há mais de duas décadas também veio preencher esse fosso, que é a internet. Podemos considerar que esta vai ser a próxima geração das comunidades da internet?
É mais uma janela para esta nova conectividade do que propriamente a conectividade. Vejo mais isso na tendência do citizen AI, em que se fala muito da inteligência artificial, e que realmente se vê cada vez mais a tendência para haver pedaços de código desenvolvido e aprendido, disponível e partilhado, para que mais facilmente se possa utilizar nas diferentes frentes. Esta é mais uma janela para podermos capitalizar estas novas tecnologias, para que possamos trazê-las para mais perto do utilizador. Não vejo tanto como sendo algo que vai substituir, porque a informação não vai estar, como hoje temos na internet, dependente da realidade estendida. É um veículo. Como é a voz, como são os ecrãs, como é o vídeo.
Qual é a forma mais correta de as empresas encararem esta tendência identificada pela Accenture?
No nosso estudo, usámos um painel bastante extenso de executivos que responderam ao inquérito. 80% desses executivos consideram que, efetivamente, esta realidade estendida é um fator que pode ser disruptivo para a forma como operam e como fazem os seus negócios. É interessante que, desses, 27% pensam que devem ser eles próprios a inventar a forma como isto deve ser aplicado no negócio. Não há uma fórmula neste momento. Não há um modelo predefinido. O primeiro passo, se queremos ser nós a inventar a tendência e como a vamos aplicar no mercado, deverá ser olhar para aquilo que é o seu negócio, o seu core business, e pensar onde pode usar a realidade estendida. E porquê? Porque vai trazer eficiências e pode fazer com que o consumidor prefira uma marca face à concorrência. Por exemplo, a extended reality poderá ser bastante utilizada na área da saúde. A Accenture criou com a MediaMarkt um ambiente para simular o que é a Black Friday, para que a empresa se possa preparar em termos de logística e treinar os funcionários para aquela realidade que é distinta do dia-a-dia normal. Isso pode trazer muitas eficiências para como gerem um determinado aspeto da organização.
O que as empresas têm de fazer é olhar para a tecnologia, perceber quais são as potencialidades e tentar aplicá-las não só ao modelo de negócio como a própria estrutura da empresa, aos vários departamentos. É isso?
Sim. Existem duas áreas fundamentais de uma organização que podem ser impactadas. Primeiro, as pessoas, os colaboradores. Tudo o que tenha a ver com conhecimento, eficiência e a forma como as pessoas operam. Como aprender mais rápido, como capitalizar o conhecimento de alguém que está longe para fazer algo num determinado momento. Até para simulacros. Segundo, o lado da experiência do consumidor. Mas, por exemplo, o holograma é uma tecnologia que já existe. Não está é ainda dispersa para que se possa generalizar. Mas faz com que seja uma experiência muito diferente. O extremo desta realidade estendida é o teletransporte, mas não é disso que estamos a falar aqui. Que isso fique claro. No entanto, desde sempre, tentamos trabalhar sobre este obstáculo que é a distância.
E como é que a Accenture está a encarar esta tecnologia?
Internamente, neste contexto do viajar e da distância, estão a ser criadas condições em alguns dos nossos laboratórios de inovação para fazermos reuniões descentralizadas, em que todos utilizam um aparelho que permite vermo-nos uns aos outros como avatares num determinado local, mas em que sentimos que estamos todos juntos. Algo que está a ser trabalhado insere-se também neste contexto do holograma. Para formação, também já estamos, aqui em Portugal, a criar condições para capitalizarmos este meio como uma forma de dar formação às pessoas.
De que forma é que a extended reality se interliga com as outras tendências identificadas no relatório?
É um dos braços que permite trazer um novo canal para aquilo que vemos nas outras tendências. Quando falamos de citizens AI, vemos que temos de cuidar da inteligência artificial como uma entidade responsável. Quase como se fosse uma criança: temos de a educar. Se pensarmos como é que isto joga com a extended reality, é claro que podemos ter uma realidade aumentada ou virtual com inteligência artificial que nos permita ter uma experiência como se estivéssemos com um robô físico mas que, na verdade, tem inteligência. Depois, vamos ensinar a inteligência artificial com base nos dados que, se não forem verdadeiros, esses programas vão aprender mal. Em relação à tendência do frictionless business, é o aliar estes novos ramos de negócio a esta capacidade de permitir à pessoa simular antes de receber, analisar os dados, ser aconselhada com uma inteligência artificial que nos permita juntar a este pacote.
A última tendência, da internet of thinking, é a mais hardcore destas tendências, porque fala muito em como vamos ser capazes de, tecnicamente, suportar esta tecnologia, o processamento de dados, a rapidez com que é necessário tomar decisões e transmitir dados. É preciso ter uma capacidade de processamento que, mais do que estar numa cloud, é preciso que as tecnologias tenham a capacidade de pensar localmente para tomar decisões. Seja para transmitir a minha realidade aumentada como para conduzir um carro sozinho e saber o que vai fazer em determinado momento.
A extended reality, além de encurtar as distâncias, também impacta a sociedade. Podemos pensar num futuro em que vivemos parte da nossa vida num mundo físico e outra parte numa realidade virtual?
Não será tanto a tendência de criarmos um espaço virtual onde podemos viver. Claro que pode acontecer. Mas cada vez mais vemos a necessidade de humanizar a tecnologia. Enquanto, nos relatórios dos anos anteriores, víamos que se preconizava começar a haver uma coisa chamada realidade virtual e esse tipo de novas tendências (em que vibrávamos com o facto de podermos estar dentro de um espaço virtual e viver aquilo), rapidamente se começou a perceber que isso é bom, traz vantagens, mas falta aquele fator humano. É mais trazer a tecnologia para a nossa realidade e não a pessoa para o ambiente virtual. Podemos cada vez mais interagir com imagens em 3D que nos deem uma sensação de que está ali alguém ou alguma coisa, ou que estamos num determinado sítio.
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“Realidade estendida vai ser disruptiva para os negócios”
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