Em entrevista ao ECO/Capital Verde, Kilian Leykam, da Aquila Capital, diz que "a regulação é o principal obstáculo". "As baterias têm de competir em diferentes mercados, contra as energias fósseis".
Com os preços da energia a bater recordes consecutivos nos mercados grossistas na Europa em 2021, e a trazer essa tendência para 2022, várias vozes já defenderam que a melhor maneira de travar a escalada de preços é conseguir ter mais renováveis no mix energético, para evitar ter de recorrer às centrais de gás natural e carvão.
A questão é que também as renováveis são falíveis e por vezes o vento não sopra o suficiente e o sol pode estar encoberto por nuvens ou simplesmente a sua energia não ser aproveitada no exato momento em que é gerada, perdendo-se assim este potencial.
O que falta então? Armazenamento através de baterias, defende o estudo da Aquila Capital “Estabilidade e Eficiência de Sistema Elétrico através do Armazenamento em Baterias – Um Ponto de Viragem na Transformação Sustentável?”.
O documento aborda a forma como o segmento de armazenamento de energia através de baterias (hoje 83% mais barato do que no passado, com produção em escala e tecnologicamente muito mais desenvolvido), em combinação com as energias renováveis, oferece uma alternativa rentável e sustentável às centrais de energia fóssil.
Em entrevista ao ECO/Capital Verde, um dos autores do estudo, Kilian Leykam, Investment Manager e Energy & Infrastructure EMEA da Aquila Capital, revela que até 2030 a produção global de células de baterias nas fábricas (“giga factories”) deverá triplicar dos atuais 755 GWh para 3,4 TWh.
“A produção de 1 TWh será desenvolvida na Europa, permitindo uma cadeia de abastecimento mais local”, garante.
Neste cenário de crise energética, em que muitas vozes se levantam para defender que é urgente ter mais renováveis no mix energético, considera que juntando a isso capacidade de armazenamento com baterias seria o cenário perfeito?
Um cenário perfeito é uma afirmação forte, mas especialmente na Europa, que está dependente de importações massivas de energia, as energias renováveis oferecem uma opção para reduzir a dependência e os custos para os consumidores. Há duas formas de acrescentar flexibilidade, mesmo com quotas mais elevadas de energias renováveis. Uma depende da capacidade adicional flexível das centrais elétricas alimentadas a gás como apoio. A outra é aumentar a capacidade de armazenamento. Embora atualmente a maior parte do gás equilibre a produção variável, devido às suas vantagens de flexibilidade em relação às centrais a carvão e nucleares, as baterias poderiam assegurar a utilização eficiente das energias renováveis, bem como a estabilidade das redes.
Por outro lado, a combinação de energias renováveis com centrais elétricas alimentadas a gás, tal como foi destacado por alguns Estados membros (especialmente a Alemanha), leva a efeitos contraproducentes. Por um lado, a estrutura dupla do nosso fornecimento de eletricidade conduz, por si só, a preços elevados. Por outro, a dependência das importações permanece elevada e o efeito de fixação de preços das centrais elétricas alimentadas a gás leva também a preços elevados para todo o fornecimento de energia.
O armazenamento de baterias pode reduzir as restrições das energias renováveis e deslocar a carga, especialmente no espaço de um dia. Como resultado, a dependência da importação seria reduzida, a volatilidade do mercado diminuiria e a expansão das energias renováveis beneficiaria.
Já a redução de preços dos últimos dez anos ascende a mais de 80% e, portanto, já está muito abaixo do pico dos custos das centrais elétricas (mesmo sem considerar o atual recorde dos preços do gás).
Porque é que o armazenamento com baterias ainda não está a ser usado de forma massiva)? Tem a ver com o preço elevado, a tecnologia, produção insuficiente?
A estrutura do mercado é particularmente crucial. Por exemplo, o Reino Unido tem mais do dobro da capacidade de armazenamento de toda a UE. A tecnologia de iões de lítio é uma opção madura e que tem sido industrializada nos últimos 30 anos, primeiro em dispositivos móveis e, mais tarde, na indústria automóvel. Isto pode ser observado também nos grandes projetos de armazenamento já em funcionamento a nível mundial. Por exemplo, na Califórnia com 400 MWh/1600MWh.
Já a redução de preços dos últimos dez anos ascende a mais de 80% e, portanto, já está muito abaixo do pico dos custos das centrais elétricas (mesmo sem considerar o atual recorde dos preços do gás), enquanto a paridade da rede parece estar ao alcance mesmo com centrais elétricas ciclo combinado altamente eficientes. No entanto, especialmente no mercado da flexibilidade, as baterias já são inigualáveis. A cadeia de fornecimento de tecnologia de iões de lítio está bem estabelecida, com uma vasta gama de players financiáveis ativos no mercado, que oferecem pacotes de garantia justos para os seus produtos.
A produção global de células de baterias nas fábricas (“giga factories”) deverá triplicar até 2030, dos atuais 755 GWh para 3,4 TWh em 2030. A produção de 1 TWh será desenvolvida na Europa, permitindo uma cadeia de abastecimento mais local. As matérias-primas para certos produtos químicos das baterias são parcialmente dispendiosas, devido a depósitos limitados de cobalto e níquel. Contudo, a mais recente química de bateria utilizada para armazenamento estacionário (e certos veículos elétricos), o fosfato de lítio de ferro, não utiliza nenhum destes materiais e depende apenas do ferro e do lítio, que são dos materiais mais comuns do planeta.
O armazenamento de baterias pode reduzir as restrições das energias renováveis e deslocar a carga, especialmente no espaço de um dia. Como resultado, a dependência da importação seria reduzida, a volatilidade do mercado diminuiria e a expansão das energias renováveis beneficiaria.
E em relação à diferente regulação na União Europeia, entre os vários países. É um obstáculo?
A regulação é o principal obstáculo para uma implantação mais ampla das baterias nos mercados da Europa Continental. As baterias precisam de poder competir em diferentes segmentos de mercado, contra alternativas fósseis. Os Estados do BeNeLux, por exemplo, já estão a seguir a estrutura do mercado do Reino Unido e os investimentos em armazenamento estão a aumentar significativamente. Condições de enquadramento adequadas ou limitações para as baterias impedem a entrada noutros mercados. Em condições apropriadas de mercado aberto, contudo, as baterias oferecem mesmo a possibilidade de cobrir carteiras de energias renováveis.
Em Portugal, o Governo já organizou um leilão de energia solar que inclui armazenamento. É um modelo a seguir?
O leilão adjudicou, no total, 480 MWp de capacidade solar, combinada com 100 MW/h de capacidade de armazenamento. A licitação poderia ter sido considerada muito agressiva, com níveis de oferta a pressupor o acesso de baterias a serviços auxiliares e mercados grossistas rentáveis em funcionamento, pois de outra forma os níveis de oferta alcançados não resultariam num negócio sustentável. No entanto, tal negócio de baterias, baseado na prestação de serviços auxiliares e na atividade dos mercados grossistas, ainda tem de ser testado no mercado português, uma vez que, nos termos da atual regulação, não é claro como é que este business case poderia ser implementado.
A regulação é o principal obstáculo para uma implantação mais ampla das baterias nos mercados da Europa Continental. As baterias precisam de poder competir em diferentes segmentos de mercado, contra alternativas fósseis.
O preço máximo no leilão, relacionado com os custos de funcionamento de uma central de ciclo combinado a gás natural na Península Ibérica, não foi um obstáculo para os licitantes, o que sublinha a competitividade da tecnologia, especialmente em combinação com uma produção renovável eficiente em termos de custos. Neste contexto, vale também a pena destacar o leilão de reserva rápida em Itália, que conseguiu assegurar 250 MW de capacidade de armazenamento para a rede italiana em dezembro de 2020, com um mecanismo de leilão mais simples em comparação com o leilão português.
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“Reino Unido tem mais do dobro da capacidade de armazenamento de energia renovável de toda a UE”, diz Aquila Capital
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