“Somos alheios a esses foguetórios de gabinete”, diz Arménio Carlos sobre polémica na UGT

Leva o confronto com a Troika como momento alto dos seus anos na liderança da CGTP e a certeza de que ficaram muitas lutas por vencer. Uma delas é a precariedade, esse "vírus que corrói" a sociedade.

Depois de oito anos na liderança da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), Arménio Carlos está de saída. Em entrevista ao ECO, diz que leva como um dos momentos mais altos desses anos o confronto com a Troika e reconhece que ainda há muitas reivindicações pelas quais lutar. “A precariedade é um vírus“, exemplifica, referindo também a caducidade da contratação coletiva como batalha à espera de um final mais feliz.

No momento em que se despede desse lugar de destaque no sindicalismo nacional, o líder da outra central portuguesa, Carlos Silva, anunciou também a sua saída, confessando-se “amargurado” com o Executivo de António Costa e com o PS. Mas sobre essa polémica, o ainda secretário-geral da CGTP poucos pontos adianta, fazendo questão de atirar apenas que é “completamente alheio a esses foguetórios de gabinete”.

Está de saída da CGTP, o que é que leva como sua maior vitória?

As vitórias não são pessoais. As vitórias são coletivas. Não há um único homem ou mulher que, por si só, consiga resolver os problemas dos trabalhadores. Do ponto de vista da CGTP, há alguns momentos altos daquilo que foi a luta e os resultados dessa luta. Um dos momentos mais altos foi precisamente o confronto com a Troika e com o Governo do PSD-CDS. Acabámos por tornar possível aquilo que parecia impossível: A perda da maioria absoluta pelo PSD-CDS e a substituição do Governo, num quadro em que, se ficassem os mesmos mais quatro anos, o que estava em marcha era o aprofundamento da ofensiva contra os trabalhadores.

Foi uma luta na qual a CGTP deu o seu modesto contributo. Nós estávamos a lutar contra gigantes. Estávamos a lutar contra a União Europeia. A Troika não era só o Fundo Monetário Internacional (FMI), era também a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu (BCE). Estávamos a lutar contra as forças mais retrógradas que existiam em Portugal e que se faziam representar no Governo PSD-CDS. Viram ali uma oportunidade para procurar fazer um acerto de contas com um conjunto de direitos individuais e coletivos. Não tendo resolvido tudo, conseguimos ajudar a travar esse processo. Foi uma coisa muito bonita.

A precariedade é um vírus que se instalou e está a corroer toda a estrutura social e laboral da sociedade. A precariedade é um instrumento de empobrecimento permanente.

E o que é que ficou por fazer?

Nós não nos ficamos por aquilo que conseguimos [fazer]. Há outras coisas que não conseguimos, mas das quais não desistimos. Na legislação do trabalho e na contratação coletiva, por exemplo, ainda não conseguimos [ver as reivindicações concretizadas]. Então isso é uma derrota? Não está resolvido, mas vai ficar resolvido. O tempo passa e cada vez é mais visível que esta legislação não se pode manter, vai ter de ser alterada inevitavelmente. Nos contornos que nós entendemos na totalidade? Pode não ser na totalidade, mas em parte. Cada vez é mais sensível aos portugueses que a contratação coletiva é essencial para os salários. A mesma coisa em relação à precariedade.

Não há futuro para o país com precariedade. A precariedade é um vírus que se instalou e está a corroer toda a estrutura social e laboral da sociedade. A precariedade é um instrumento de empobrecimento permanente. Um trabalhador com baixos salários tem hoje dificuldades para viver e terá acrescidas dificuldades quando chegar à situação de reforma, porque se o salário é baixo as contribuições são baixas. Há coisas que já conseguimos resolver, há outras que não, mas das quais não desistimos, porque cada vez é mais claro que estamos do lado certo do problema.

O líder da outra central sindical, a UGT, anunciou que irá deixar a liderança por se considerar uma força de bloqueio face ao Executivo. Em algum momento, sentiu que o seu nome estava a ser um entrave a avanços com o Governo?

Temos uma relação institucional entre a CGTP e o Governo. Portanto, isto aqui não há questões de ordem pessoal, não vemos as coisas assim.

Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP, em entrevista ao ECO - 05FEV20

Sobre isso, perguntava-lhe se entende que o timing da marcação da reunião da CGTP com António Costa foi ou não uma resposta ao “murro na mesa” de Carlos Silva?

Se a UGT tem problemas com o Governo, que os resolva. Não temos nada a ver com isso. Há dois meses e tal, tínhamos falado com o senhor primeiro-ministro e dissemos que tínhamos um conjunto de questões a tratar. Estiveram agendadas reuniões, pelo menos, duas vezes.

Entretanto, por agenda do primeiro-ministro, não foi possível concretizá-las e uma semana antes dessa polémica que se instalou, já tínhamos a reunião marcada com o senhor primeiro-ministro. Nós somos completamente alheios a esses foguetórios de gabinete. Quem os lançou lançou os foguetes, agora que apanhe as canas e que resolva o problema. Isso não tem nada a ver com a CGTP.

Em 2016, houve uma diminuição da luta dos trabalhadores, porque o Governo, juntamente com os partidos que assinaram os protocolos, estava a implementar um conjunto de reivindicações. Não somos masoquistas. Não íamos lutar contra as reivindicações que tínhamos apresentado.

De alguma forma a CGTP ou a atuação da CGTP ficou beliscada pelo facto de ter havido uma geringonça?

Não. Quando foi a celebração dos protocolos de entendimento entre os partidos (PS, PCP, BE e PEV), nós valorizámos esses entendimentos, mas dissemos que estavam definidos os mínimos, porque não estavam lá questões que para nós eram centrais, como as da legislação do trabalho. E não estavam lá porque o PS não quis.

Verificou-se que, em 2016, houve uma diminuição da luta social, porque o Governo — juntamente com os partidos que assinaram o protocolo — estava a implementar um conjunto de medidas que eram as nossas reivindicações, a devolver direitos. Nós não somos masoquistas. Não íamos lutar contra as reivindicações que tínhamos apresentado. Em 2017, o processo começou a estagnar e agora ultimamente até regrediu. Então, aumentou a contestação ao Governo e às políticas laborais.

Neste momento, já não há geringonça. A CGTP não se sente mais livre para lutar?

Em relação à geringonça, dizer o seguinte: Cada um tem o seu espaço e nós temos o nosso. Claro, os partidos têm a obrigação de se entenderem entre si sobre políticas nacionais e nós temos a obrigação de fazer o nosso papel que é exigir respostas às nossas propostas.

Sai da CGTP. O que vai fazer agora? Há ambições políticas no seu horizonte?

Não exercerei, depois das funções de secretário-geral da CGTP, nenhuma função política com responsabilidades acrescidas. Não deixarei de exercer, politicamente e sindicalmente, a minha intervenção com toda a liberdade. Agora, não assumirei nenhuma responsabilidade e nenhum cargo político, nomeadamente em termos de eleições, nos próximos anos.

Portanto, não veremos o seu nome nas listas às eleições legislativas dos próximos anos

De certeza.

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