Varela de Matos: “A ação disciplinar na Ordem dos Advogados é um verdadeiro cancro”

Varela de Matos é o quarto entrevistado no ciclo de entrevistas individuais que a Advocatus está a publicar nas próximas semanas aos sete candidatos a bastonário da Ordem dos Advogados.

Varela de Matos é o quarto entrevistado no ciclo de entrevistas individuais que a Advocatus está a publicar nas próximas semanas aos sete candidatos a bastonário da Ordem dos Advogados, nas eleições que se realizam no final do mês de novembro. As entrevistas foram e estão a ser publicadas por esta ordem: Luís Menezes Leitão, Paulo Valério, Fernanda de Almeida Pinheiro, Varela de Matos, António Jaime Martins, Rui da Silva Leal e Paulo Pimenta. A ordem de publicação das entrevistas foi decidida por sorteio.

Qual é, para si, a principal função da Ordem dos Advogados?

O Estatuto proclama a defesa dos direitos dos cidadãos e do Estado de Direito. Daqui decorre a obrigação concreta de defender os interesses dos advogados e das advogadas.

Qual é o seu dever, perante os advogados?

Dizer aos que me querem ouvir algumas verdades que só um candidato a bastonário tem auditório para dizer.

Aos advogados de pasta e toga na mão que andam todos os dias a ganhar o “pão nosso de cada dia” com o suor no rosto.

Que é dever deles lutarem pelos seus direitos. Quer os 14.000 que exercem apoio judiciário, quer os mais de 5.000 que são assalariados em grandes escritórios, quer os que são mal tratados, diariamente, nas salas de audiências.

Os candidatos a bastonário são demasiados?

Não. São os que são. E antes houvesse mais, significava que havia mais participação. No último ato eleitoral 50% dos advogados, abstiveram-se, porque estão completamente alheados da Ordem porque esta não os protege, nem quer saber deles.

Se tivesse de eleger uma medida do seu programa como a com mais rasgo, qual seria?

Aumentar a tabela de retribuição dos 14.000 advogados que no apoio judiciário trabalham de “graça” para o Estado a exercer uma função primordial de realização da justiça.

Disse que nas últimas eleições, houve candidaturas políticas. De quem falava?

Não foi nas últimas eleições, foi nestas. Há seis candidatos claramente conotados com os partidos. Apoiados, sustentados e dinamizados pelos partidos. O Dr. Menezes Leitão, o Dr. Silva Leal e o Dr. Paulo Pimenta revelam a tentativa dos vários grupos do PSD para tentar controlar a Ordem dos Advogados e utilizá-la como instrumento contra o Governo socialista e o do António Costa. A Dra. Fernanda Pinheiro é uma candidatura patrocinada, apoiada e dinamizada pelo Bloco de Esquerda que tem como único propósito acabar com a CPAS. O Dr. Jaime Martins fez uma coligação com o partido comunista, que este ano desistiu de apresentar lista para ver se conseguiam em conjunto conquistar a Ordem. O Dr. Paulo Valério, Presidente da Juventude Socialista de Coimbra, é uma candidatura do PS. A proposta que tem apresentado é a criação do acusador público e a extinção do apoio judiciário. É um comissário político do PS nestas eleições.

Varela de Matos, candidato a bastonário da Ordem dos Advogados, em entrevista ao ECO/Advocatus - 27OUT22
Varela de Matos, candidato a bastonário da Ordem dos Advogados, em entrevista ao ECO/AdvocatusHugo Amaral/ECO

A Ordem dos Advogados, atualmente, é um órgão político?

Todas as ordens têm uma dimensão política. Podem ser utilizadas para defender os interesses dos seus associados ou ser utilizadas apenas como instrumento do poder político ao serviço dos titulares dos órgãos.

A advocacia perdeu o seu prestígio?

Não, a advocacia não perdeu prestígio. A advocacia enquanto atividade profissional que exerce a defesa dos direitos dos cidadãos, será sempre historicamente, psicologicamente e socialmente uma atividade prestigiada. Os detratores da advocacia são as corporações que vivem dentro e do aparelho de Estado. Algumas acham mesmo que os advogados deviam ser banidos do sistema.

Disse que 14 mil advogados estão na penúria. Como chegou a essa conclusão?

Há 35.000 advogados. Destes, 14.000 prestam apoio judiciário. Ninguém em Portugal conhece tantos advogados como eu, em consequência das minhas inúmeras intervenções cívicas na Ordem. Tenho percorrido o país todo. Destes 14.000 que prestam apoio judiciário, muitos são jovens advogados no início de atividade que auferem no sistema uma parte dos seus rendimentos, outros são colegas que em consequência da reforma dramática da CPAS de 2015 viram as suas reformas substancialmente reduzidas e portanto têm de continuar a trabalhar e esses colegas, estão numa situação de grande fragilidade, trabalham praticamente de graça, porque há 18 anos que a tabela não é revista e, é por isso, que eu digo que eles estão praticamente na penúria.

A Ordem dos Advogados está transformada numa agência de empregos. Porque diz isso?

Porque cada bastonário que entra, cada presidente do Conselho Regional que entra, inunda as estruturas da Ordem com amigos, pessoas da sua confiança, muitas delas sem concurso público que são contratadas para exercer as mais variadas funções, instrutores dos processos disciplinares, a formadores, as secretárias, conferencistas, assessores, que paulatinamente se transformam nos verdadeiros donos da Ordem

As quotas da Ordem são para pagar este verdadeiro “exército”, quase inútil, que são os verdadeiros donos da Ordem.

Defende a realização de concursos públicos para os serviços da OA?

Todas as admissões na Ordem têm de ser efetuadas por concurso público. Seja para empregados, formadores. E as entrevistas têm de ser públicas e têm de fazer provas públicas. As contratações de serviços também têm que ser devidamente sindicadas, publicadas e divulgadas para acabar esta suspeição que tem substância. “Não há fumo, sem fogo…”

É contra a entrada de advogados estrangeiros na Ordem dos Advogados?

Não, nem poderia ser. Isso é absolutamente ilegal, mas devem ser exigidos aos estrangeiros o cumprimento de regras mínimas de conhecimento da nossa legislação para poderem exercer em Portugal.

A jovem advocacia é uma das suas preocupações. O que precisam os advogados estagiários?

Os advogados estagiários precisam de patronos que desempenhem a sua função de ensinar, e que não sejam contratados por grandes escritórios que os colocam a fazer trabalho de escriturários e que chegam ao final do estágio sem terem aprendido praticamente nada e nem as assinaturas das intervenções têm.

E de uma Ordem que seja efetivamente formadora e não seja apenas uma cobradora, que cobra taxas para justificar uma formação de qualidade duvidosa.

A ação disciplinar na Ordem dos Advogados é um “verdadeiro cancro”. Há titulares dos órgãos, atuais e do passado, que exercem a ação disciplinar para perseguir adversários que disputam eleições Ordem. Sim, há corporativismos, mas há sobretudo “amiguismo”. Há processos que se arquivam sem se perceber porquê e há outros onde há acusações que são apenas sanha persecutória.

O que faz falta na formação ministrada pela OA?

Tudo! Começar por contratar os formadores através de concursos públicos transparentes, pessoas com prestígio, experiência profissional e pelo menos 10 anos de exercício de advocacia.

E não uns amigos que depois arranjam emprego na Ordem, recebem senhas de presença, são nomeados para comissão de serviço, júris, onde também recebem proventos.

O que deve ser feito para que os advogados possam estar protegidos na doença e na parentalidade?

Tem que ser obrigatoriamente alargada a proteção na doença aos advogados com urgência e concedidas licenças de parentalidade aos advogados.

A caixa tem que ser reformada, deixando de ser apenas uma caixa de reformas e passando a ser uma caixa assistencial.

Para que os advogados não sejam tratados como cidadãos de segunda.

O atual bastonário foi omisso na questão da CPAS?

Totalmente omisso! Incumpriu os seus deveres legais e deontológicos. Desrespeitou a Assembleia Geral que deliberou convocar um referendo e desrespeitou o resultado do referendo. Não fez rigorosamente nada para implementar o que os advogados deliberaram soberanamente. Eu compreendo. Ele tem meia dúzia de profissões, aufere chorudos proventos delas, tem proteção social da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social. A questão da CPAS não lhe diz rigorosamente nada.

A participação da advocacia na política está muito ligada à promiscuidade. Concorda?

Não, não concordo. O facto de haver juízes corruptos (e nos últimos anos foram expulsos 34) não torna a magistratura portuguesa indigna. E haver jornalistas condenados e indignos não torna o jornalismo abjeto, nem representam toda a classe. O facto de haver advogados, que foram condenados e têm práticas censuráveis, não mancha a honra e a dignidade dos demais 35.500 que a exercem dignamente.

A ação disciplinar é bem feita atualmente? Ou ainda há muito corporativismo?

A ação disciplinar na Ordem dos Advogados é um “verdadeiro cancro”. Há titulares dos órgãos, atuais e do passado, que exercem a ação disciplinar para perseguir adversários que disputam eleições Ordem. Sim, há corporativismos, mas há sobretudo “amiguismo”. Há processos que se arquivam sem se perceber porquê e há outros onde há acusações que são apenas sanha persecutória. A guerra entra a atual presidente do Conselho de Deontologia, que se recandidata, e do atual bastonário, que também se recandidata, é um desprestígio para a Ordem e demonstra que aquelas pessoas não têm o mínimo de dignidade e para exercerem aquelas funções com o mínimo de dignidade institucional.

Varela de Matos, candidato a bastonário da Ordem dos Advogados, em entrevista ao ECO/Advocatus - 27OUT22
Varela de Matos, candidato a bastonário da Ordem dos Advogados, em entrevista ao ECO/AdvocatusHugo Amaral/ECO

Tem muitos processos disciplinares. Porquê?

Mais de uma dezena em curso no Conselho de Deontologia de Lisboa… Não sou arguido em nenhum processo pela prática de nenhum ato desonroso. Se uma pessoa é ladra, deve dizer-se que ela é ladra e não que é de más contas… Se uma pessoa é um canalha, deve dizer-se isso e não utilizar o eufemismo “falta de caráter”. Foram instaurados alguns processos, por causa dos adjetivos que uso nos meus textos, correm termos há quase uma dezena de anos.

Alguns instaurados oficiosamente pela atual presidente e pelo anterior, por coisas que escrevi, por declarações públicas que prestei e por ter sido candidato a bastonário três vezes, e eles não terem gostado das minhas declarações/intervenções e considerarem que sou responsável das derrotas dos amigos deles.

Participei disciplinarmente da atual presidente do Conselho de Deontologia e do anterior, os processos andam por lá ronceiros, sem se saber bem o que lhes aconteceu…

A OA é, atualmente, uma mera cobradora de quotas?

Sim, mas não só… É uma estrutura ao serviço de interesses pessoais dos transitórios titulares dos órgãos, que a usam como “trampolim” para a política, para sugar os seus recursos, empregar amigos e desenvolverem a sua atividade.

Basta olhar para o último acórdão do Tribunal de Contas que declarou que uma bastonária só no último ano de mandato “distribuiu por amigos” mais de €500.000,00… O que é que fez o bastonário que lhe sucedeu? E o atual Dr. Leitão? “Esconderam” o acórdão “debaixo do tapete”….

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