Brasileira Fictor prepara entrada em Portugal em parceria com "multinacional" local. Investimento de 250 milhões irá erguer uma central solar, mas a Fictor estuda também oportunidades no imobiliário.
No ano em que o gigante brasileiro celebra 18 anos de atividade, o Grupo Fictor prepara-se para dar mais um passo na sua estreia em Portugal, depois de ter lançado um fundo de investimento em renováveis, em setembro. A novidade será oficializada em 2025 mas, ao ECO/Capital Verde, o CEO e sócio do Grupo Fictor dá a conhecer as primeiras perspetivas sobre o futuro da empresa: a entrada em Portugal vem acompanhada de um investimento no valor de 250 milhões de euros que servirá para inaugurar uma central fotovoltaica numa região perto de Lisboa.
O projeto está a ser desenvolvido em parceria com uma multinacional portuguesa que tem atuado como parceira neste processo. O Grupo Fictor prefere, para já, não partilhar a identidade do parceiro nem a participação de cada uma das partes no negócio, mas indica que o nome da aliada e os respetivos detalhes sobre o investimento serão tornados oficiais em 2025.
“O nosso ponto de entrada na Europa vai ser em português. Portugal é a melhor porta de entrada para a Europa. Viemos para ficar”, indica o CEO Rafael Góis, em entrevista ao ECO/Capital Verde.
O grupo, que tem uma operação consolidada em vários segmentos no Brasil — agroalimentar, infraestrutura e serviços financeiros — e terminou 2023 com uma faturação de mais de 300 milhões de euros, encara Portugal como uma peça-chave no processo de expansão. Não só por abrir portas ao resto do continente europeu, mas sobretudo aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), um mercado emergente também de grande interesse para o Grupo Fictor, sobretudo na área alimentar.
Certo é que, por cá, o grupo não se ficará apenas pela aposta no setor energético. A Fictor está também a estudar oportunidades de investimento no setor imobiliário, sobretudo na área residencial, revela Rafael Góis ao ECO.
No início do mês, a Comissão Europeia e os governos do Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina assinaram um novo acordo comercial, ao fim de 25 anos de negociações. Que avaliação é que fazem do acordo Mercosul?
Fazemos uma avaliação muito positiva, sobretudo do ponto de vista da indústria alimentar.
Para a indústria portuguesa será muito positivo dada a abertura do mercado, sobretudo a nível de importações de produtos como o vinho e o azeite. O Brasil importa muitos produtos de Portugal que fazem parte do nosso cabaz básico de alimentos. Isso terá um impacto muito positivo para a indústria portuguesa. Para nós, Portugal é a jóia da Europa por vários fatores.
Que fatores são esses?
Estamos a assistir a um movimento global de descarbonização das indústrias e dos produtos. Quando olhamos para Portugal — não só Portugal, Espanha também — comparativamente a outros países da Europa, falamos de países com a matriz energética mais limpa. Os conflitos no leste europeu trouxeram incertezas sobre a capacidade de alguns países da região em atrair e manter investimentos, o que posiciona os países ibéricos, em particular Portugal, como uma opção estratégica para a instalação de indústrias e terceirização de processos complexos.
[Portugal] é um país que, a meu ver, é neste momento o lugar mais seguro para se investir. Isto, aliado ao acordo Mercosul, coloca Portugal num contexto vantajoso. Acho que a Europa deve começar a reconhecer o grande potencial de alavancagem em Portugal e Espanha. Portugal é a melhor porta de entrada para a Europa para nós. Não só pelos motivos que referi, mas também pela procura, estamos a prever um aumento significativo nos consumos energéticos.
De que forma esses consumos vão aumentar?
Prevemos que o consumo de energia per capita nos próximos dez anos, globalmente, acelere de uma forma significativa. Por exemplo, nos Estados Unidos, o consumo per capita é, em média, cinco vezes superior ao consumo do cidadão brasileiro. E perante um cenário no qual se verifica um aumento da aposta na inteligência artificial e na automação da indústria, esse valor deverá multiplicar-se por dez.
No caso de Portugal, prevemos um crescimento semelhante, dado o potencial que o país tem de ser o próximo polo de processamento de dados na Europa, algo que naturalmente vai consumir energia. É por isso que estamos há dois anos nesse processo de entrada em Portugal. Fora a facilidade cultural e entendimento do quadro jurídico, porque praticamente importamos a mesma estrutura jurídica de Portugal, posso afirmar que não se trata de uma aposta única, mas sim de múltiplas oportunidades de investimento.
Hoje podemos revelar que estamos muito avançados na parceria com Portugal e temos boas condições para iniciar o nosso primeiro grande investimento, que é a construção de uma central fotovoltaica.
Qual será a capacidade desta central? Onde será inaugurada?
Pretendemos formalizar o nosso primeiro projeto em Portugal no final do primeiro trimestre de 2025. Estamos a trabalhar com um parceiro local para nos ajudar nesta fase. Trata-se de um investimento na ordem dos 250 milhões de euros numa região próxima de Lisboa.
Que parceiro local é esse? Uma empresa?
É uma multinacional. Tem atividade aberta aqui também no Brasil e noutros países da América Latina, em África, no Leste Europeu e na Ásia também. Mas nesta fase inicial, não queremos revelar a identidade da empresa. A previsão do anúncio do projeto e do parceiro será feito até o fim do primeiro trimestre de 2025.
Estamos muito avançados na parceria com Portugal e temos boas condições para iniciar o nosso primeiro grande investimento em Portugal, a construção de uma central fotovoltaica.
De que forma esta central fotovoltaica em Portugal poderá impactar as contas do Grupo Fictor?
Ainda não analisámos de que forma a atividade em Portugal vai impactar a faturação do grupo. Mas operamos, de forma geral, sobre a lógica de retorno sobre o investimento. Os investimentos que estamos a pensar para Portugal poderão gerar um retorno de 12% a 18% sobre o investimento, ao ano. A nossa lógica é sempre: precisamos de expandir e precisamos de expandir para um país com uma moeda forte para equilibrar as contas.
Os investimentos que têm previstos para Portugal são apenas na área da energia?
Hoje estamos muito direcionados para investimento na área da energia. Estamos também a estudar investimentos no setor imobiliário. Não só para construção e venda, mas projetos de multi family para uso residencial e hotelaria. Estamos ainda em fase de estudos. Mas o nosso foco hoje é na infraestrutura e especificamente energia.
Mas este não seria o primeiro projeto do Grupo Fictor, em Portugal. Este ano, lançaram o fundo FCT Equity, cuja meta é angariar 50 milhões de euros e investir em renováveis, sobretudo solar. Quanto foi possível angariar até agora?
O Fundo FCT Equity foi criado com o objetivo de impulsionar o investimento em energias renováveis, com foco especial no setor fotovoltaico em Portugal, estabelecendo a meta de captar 50 milhões de euros. Este é o primeiro projeto em que a Fictor participa no território português, trazendo consigo quase 18 anos de experiência como consultora e coinvestidora deste fundo, gerido pela Above Capital.
Dado o curto intervalo de tempo desde o anúncio do projeto, não temos ainda atualizações significativas para partilhar. Qualquer evolução em relação ao fundo FCT Equity será oportunamente comunicada pela gestora do fundo.
Uma das queixas que se ouve no setor prende-se com a demora nos processos de licenciamento e até a capacidade das redes energéticas. Durante os dois anos em que estudaram o mercado português, com que tipo de desafios e surpresas se depararam?
Encontrámos dificuldades mas nada que fosse uma surpresa porque já estamos habituados. Como qualquer país desenvolvido, o desafio reside em atender a carga regulatória, que por sua vez não deixa de ser uma premissa inerente, que não nos surpreende.
Portugal é um país bem ordenado, bem estruturado e tem uma gestão muito centralizada. Diria que a nossas maiores dificuldades, neste momento, têm que ver com o tempo dos processos de aprovação ou de até uma alteração no estatuto da empresa nas autarquias, que aqui são um pouco mais demorados face ao Brasil. Mas em termos de surpresas, nada. Pelo contrário. Conseguimos avançar muito bem. Por isso é que sempre que decidimos entrar numa fase nova, seja uma área, um segmento, um país novo, tentamos sempre ter um parceiro local com capacidade, reputação, com experiência que nos permita facilitar o processo de adaptação.
Não identificaram grandes desafios, mas o que justifica uma aposta em Portugal?
Portugal combina indicadores de alto desenvolvimento humano, uma força de trabalho qualificada e uma matriz energética com uma das maiores penetrações de fontes renováveis entre os países europeus. Além disso, o país conta com grandes empresas multinacionais de infraestruturas, muitas das quais já com presença consolidada no Brasil e em países africanos. Isto reforça o papel de Portugal como uma plataforma estratégica de entrada tanto para o mercado europeu como para os países africanos de língua oficial portuguesa.
Referiu o contacto com as autarquias, mas e com o Governo? Têm conseguido dialogar com os ministérios?
Não tivemos um contacto direto com o Governo. Temos tido conversas com algumas instituições ou autarquias responsáveis por estes processos de entrada.
Além das autarquias, estamos também em contacto com outros players do setor. Todos os anos fazemos fóruns em Portugal com o setor energético que servem para discutir as oportunidades do setor. Esses momentos são oportunidades para falar com várias empresas, entidades e associações. Encaramos Portugal como uma jóia da Europa, como o melhor caminho para terceirizar [externalizar] processos críticos europeus. E é o único — talvez o único, a par com Espanha — capaz de, de facto, limpar a matriz energética na Europa. O nosso ponto de entrada na Europa vai ser em português. Estamos entusiasmados.
O Governo está a preparar uma série de leilões na área das energias limpas, um deles de eólico offshore. É uma área de interesse para a Fictor?
Estamos fortemente comprometidos em investir e desenvolver projetos relacionados com a geração fotovoltaica, aproveitando a vantagem de Portugal em termos de exposição solar, bem como a sua ampla matriz e infraestruturas já
predominantemente renováveis.
Embora não descartemos, a médio ou longo prazo, investimentos em outras áreas de energias renováveis, como o eólico offshore, estamos atualmente focados em investir em soluções onde já temos uma ampla experiência no Brasil. Entre elas, destacam-se a hibridização de centrais, a geração distribuída e os projetos solares voltados para a promoção da agricultura sustentável.
Dado que encaram Portugal como “porta de entrada para a Europa”, quando planeiam expandir a atividade para Espanha? E o resto do continente?
Portugal e Espanha têm qualidades semelhantes, mas Espanha ainda não entrou no nosso estudo de mercado. Se fizermos algum investimento naquele país será através deste nosso parceiro português. Mas não será para já. Antes de olharmos para Espanha e para o resto da Europa, estamos de olho nos países africanos, sobretudo os PALOP. Nesses países, também existe uma procura muito grande no setor agroalimentar, de infraestruturas, que é a nosso core business.
Nesta fase ainda estamos um pouco receosos de entrar nestes países africanos porque ainda nos falta conhecimento. Entendemos que hoje as empresas portuguesas têm um grande conhecimento nessa área e facilitariam a nossa entrada nesses países.
Que balanço fazem da atividade em 2024, e que perspetivas têm para 2025?
Vamos atingir a maioridade em 2025, completamos 18 anos em janeiro. Ao longo desses anos, consolidámos a atividade em três setores: o agroalimentar, o principal segmento; infraestrutura, que suporta todo o crescimento do setor alimentar; e serviços financeiros, que agrega uma gestora, fundos de investimento e banco e que financiam as próprias operações. O grupo é formado por esse tripé e esta nossa estratégia de atuação tem-se mostrado bastante positiva ao longo dos anos. Independentemente do ciclo económico, seja no Brasil ou global, ou ou liderança política, conseguimos sempre apresentar provas de crescimento.
Além disso, o core do Brasil é produzir alimentos dadas as características do país. Seja pela facilidade em plantar, pela mão-de-obra especializada ou pelos níveis de procura constantes. O ano de 2024 foi muito importante para o grupo. Começámos por comercializar grãos [soja, milho, sorgo e café] e consolidámos essa atividade. Depois, demos o primeiro passo na cadeia produtiva. Ampliámos os nossos investimentos na indústria de aves e suínos, seja na aquisição de unidades de abate como na industrialização de proteína animal. Assim, em 2025, o que vamos ver é sobreposição do segmento da indústria sobre os negócios com grãos. E ao mesmo tempo que conseguimos evoluir nessa indústria de alimentos, em novembro, a Fictor Alimentos conseguiu angariar capital na bolsa brasileira. Foi um passo importante e que vai suportar 2025. Hoje a Fictor Alimentos tem cinco unidades de abate próprias. E no próximo ano, considerando o nosso fluxo de fusões e aquisições, que fazem parte da nossa estratégia de crescimento, temos previsto mais 15 aquisições de unidades de abate de aves e suínos aqui no Brasil.
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“Viemos para ficar”. Grupo Fictor investe em projeto solar de 250 milhões em Portugal
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