Vítor Bento entende que as folgas ocasionais que estão a ser usadas podem tornar-se um "problema estrutural". É preciso "mais cuidado com a gestão orçamental", diz, em entrevista ao programa ECO24.
Vítor Bento, ex-presidente do BES e, depois da resolução, do Novo Banco, entende que a venda do banco de transição ao Lone Star nas atuais condições era a “solução possível nesta altura”. Na TVI24, esta quart-feira, em entrevista no programa ECO24, o presidente da SIBS, a gestora do multibanco, avisa que o setor está a sofrer um choque tecnológico e regulatório mas entende que os bancos hoje “estão sãos”.
No que toca ao andamento da economia, não antevê uma crise à porta mas alerta para as fragilidades: o elevado endividamento é um deles. E quanto ao Orçamento do Estado (OE), entende “que se estão a utilizar demasiadas folgas ocasionais” que deveriam ser utilizadas para abater a dívida. Sobre a decisão da Standard & Poor’s de tirar Portugal de “lixo”, Vítor Bento só estranha ter acontecido ainda antes da apresentação do OE.
Venda do Novo Banco ao Lone Star “era a solução possível”
A venda do Novo Banco ao Lone Star nas atuais condições era a “solução possível nesta altura”, afirma Vítor Bento. “Se era a melhor ou não, só conhecendo as outras alternativas que houve pelo caminho”, acrescenta o economista, indicando que não tem informação suficiente sobre isso.
"É fácil dizer que a consolidação do sistema bancário português poderia ter sido facilitada utilizando o Novo Banco.”
E faz sentido a garantia de Estado no valor de 3,9 mil milhões de euros? Vítor Bento admite que “se a garantia surge como necessária, significa que a venda não se concretizaria se ela não existisse”. Sendo a garantia quatro vezes superior ao valor da compra, “isso significará que na valorização do comprador o banco tem riscos demasiados para aquilo que ele está disposto a assumir”, adianta.
Questionado sobre a dimensão das perdas, Vítor Bento aponta para “muito mais” do que dez mil milhões de euros. E admite que a venda do Novo Banco podia ter sido aproveitada para a consolidação do setor bancário. “É fácil dizer que a consolidação do sistema bancário português poderia ter sido facilitada utilizando o Novo Banco”, diz, mas alerta que é preciso conhecer as condicionantes e recorda o papel das autoridades europeias.
Colocado perante a possibilidade de uma nova resolução ou liquidação do Novo Banco — cenários que não eram totalmente postos de parte até há pouco tempo –, o antigo presidente da instituição não entende que esteja em causa uma “ameaça séria”. A resistência do Novo Banco não o surpreende: o banco “é forte” na sua ligação com as empresas; já a outra atividade, onde “teve os problemas que teve”, poderia “ter arrastado a parte sã para um problema maior.” “A resistência foi muito boa”, diz.
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“Os bancos hoje estão sãos”
Para Vítor Bento, os “bancos hoje estão sãos” e mais seguros do que há “meia dúzia de anos”, mas isso não quer dizer que estejam “completamente defendidos do futuro”. Até porque a banca também está a sofrer um “choque de natureza tecnológica” e até regulatória. E esse lado regulatório leva-os a serem mais uma commodity. Já o choque da digitalização vai “revolucionar por completo” a forma de funcionamento dos bancos e criar “excedentes de pessoal em muitas áreas”. Ao mesmo tempo, serão necessários mais profissionais qualificados em áreas que até aqui eram secundárias, refere Vítor Bento.
Questionado sobre se a criação da plataforma de malparado vai solucionar o problema da banca ou se seria mais interessante criar o bad bank, Vítor Bento diz que para limpar o balanço dos bancos “era preciso capital”. O economista diz desconhecer os pormenores da plataforma, “mas uma das coisas que eventualmente pode ser um contributo importante é facilitar a negociação conjunta dos créditos”, sublinha.
“Os bancos têm de facto liquidez”
Os banqueiros dizem hoje que há liquidez, mas os empresários dizem que não conseguem aceder a dinheiro com taxas acessíveis. Onde está a verdade? Vítor Bento diz que podem estar em causa perspetivas diferentes. “Os bancos têm de facto muita liquidez, o que provavelmente não encontram é oportunidades com risco compatível com a disponibilidade que têm”, responde. E os que se queixam de falta de acesso a crédito, “provavelmente não tem a situação suficientemente estabilizada do seu lado”, acrescenta.
Os bancos têm de facto muita liquidez, o que provavelmente não encontram é oportunidades com risco compatível com a disponibilidade que têm.
Para corrigir isto, “as próprias empresas têm de ganhar solidez“, diz o economista, apontando para o nível de endividamento empresarial “demasiado elevado”. As empresas têm de se capitalizar com capital próprio e “os empresários não querem abrir mão do controlo das empresas”, aceitando outros sócios, critica o economista. Neste sentido, Vítor Bento diz que têm surgido fundos destinados à capitalização, que podem ser um instrumento importante neste contexto.
“Se for preciso intervir nos bancos, tem de ser feito com dinheiro públicos”
O presidente da SIBS entende que a “as funções de supervisão não são necessariamente funções do banco central”, vincando, porém, que a “supervisão deve ser tecnicamente independente.” Mas em última instância, a parte política tem uma intervenção decisiva: “Se for preciso intervir nos bancos, tem de ser feito com dinheiro públicos”, frisa.
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Economia: “não é previsível que tenha uma crise à porta”
Olhando já para a economia portuguesa, o economista salienta que, neste momento, num contexto favorável, “de certa forma as fragilidades estão atenuadas”. E por isso “não é previsível que tenha uma crise à porta”, como chegou a ser de esperar antes da crise anterior.
As fragilidades estão contidas mas existem, alerta. E aqui o economista refere-se por exemplo à “dívida muito grande”, que tem de diminuir para que a gestão orçamental possa ser feita de “forma mais descansada”.
Sobre a decisão da S&P de retirar Portugal do ‘lixo’ mais cedo do que se esperava, Vítor Bento diz que a única coisa que o surpreendeu foi que isso tivesse acontecido antes do Orçamento: “de alguma forma isso implica um aval antes do processo de negociação estar fechado”.
“Acho que se estão a utilizar demasiadas folgas ocasionais”
Num altura em que se fala de reposição de rendimentos, como vê o economista o Orçamento do Estado? “Acho que se estão a utilizar demasiadas folgas ocasionais e que assim que o tempo mude, essas folgas ocasionais tornam-se num problema estrutural”, responde.
Para Vítor Bento, é preciso “mais cuidado com a gestão orçamental”, aproveitado folgas para reduzir dívida para ganhar margem no futuro.
Comissões no multibanco? “Não há atividades grátis”
O processo de venda da SIBS corre “mais ou menos como previsto” e Vítor Bento diz que espera que seja possível fazer convites aos interessados ainda este ano.
Chegou a altura de começar a aplicar comissões no multibanco? O presidente da SIBS não quer dizer “sim ou não”. Mas declara: “Não há atividades grátis”. Tudo custa dinheiro, frisa, acrescentando que “as pessoas acabam sempre por pagar.”
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Vítor Bento: Governo “está a utilizar demasiadas folgas ocasionais”
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