Biometano. Uma das tecnologias mais maduras aguarda “à porta” da rede de gás

O biometano já é amplamente usado nalguns países da Europa, e tem ganho tração. Em Portugal está ainda a dar os primeiros passos.

2022 foi o ano em que o biometano, o gás renovável que mais diretamente substitui o gás natural, foi injetado pela primeira vez na rede de gás portuguesa, pela mão da empresa Dourogás. A 19 de julho iniciou-se o projeto piloto no aterro sanitário de Urjais, no distrito de Bragança e concelho de Mirandela. O biometano produzido a partir dos resíduos ali recolhidos tem sido usado por 40 camiões da Resíduos do Nordeste, para se moverem, mas as sobras chegaram para, através da injeção na rede, abastecerem 10 clientes industriais e 80 clientes domésticos.

“A operação foi bem-sucedida”, avalia o Ministério do Ambiente, em declarações ao Capital Verde. “Este foi o primeiro passo, e prevê-se que haja uma generalização, o que permitirá o desenvolvimento de Portugal como produtor e mesmo exportador de gases renováveis”.

O presidente da Dourogás, Nuno Moreira, sublinha que “concluímos o que a teoria dizia: que o biometano consegue substituir o gás natural, concluímos que a rede está preparada para o receber, e que os equipamentos também podem utilizar biometano”. Esse foi o primeiro objetivo, adianta ao Capital Verde, prevendo-se e agora que, durante 2023, injetar uma “quantidade significativa” de biometano na rede.

Ao longo do ano, esta empresa espera distribuir 200.000 metros cúbicos naquela localização, que foi também a primeira a obter uma certificação de sustentabilidade de biometano em Portugal. A certificação é tripla: atesta a sustentabilidade na produção deste gás, na utilização feita pelos camiões e a proteção ambiental.

Já em Loures, na Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de Frielas, a Dourogás está a começar outros testes de utilização de biometano como combustível de camiões. É biometano com uma fonte diferente daquele que abastece os veículos em Mirandela. Em Frielas é produzido a partir de lamas de ETAR, enquanto o de Mirandela surge a partir de resíduos sólidos urbanos. O projeto exigiu um investimento total de 4 milhões de euros.

Fora os já mencionados, a Dourogás garante que tem já identificado um conjunto de outros projetos, que prefere não detalhar. A Bondalti afirma que o biometano é um tema que segue “com bastante interesse”, mas adianta que o foco não está, para já, neste gás renovável. Por seu lado, a Galp indica que o biometano é “uma das soluções em estudo na área de Inovação” e que “tem ganho especial relevância com a entrada em vigor de nova legislação no nosso país”. A empresa está a estudar o potencial de produção em diversos países.

Posto de injeção de biometano da Dourogás

De acordo com o ministério da tutela, na Direção Geral da Energia e Geologia (DGEG) deram entrada até ao momento 108 pedidos de registo prévio de gases, nomeadamente hidrogénio, gás de síntese, metano sintético e biometano. No que respeita a projetos de biometano, encontram-se ativos 17 pedidos de registo prévio, com uma produção anual estimada de 842 gigawatts-hora (GWh).

Mas porquê o biometano?

O biometano tem o mérito de conseguir substituir o gás natural nas suas utilizações que não podem ser eletrificadas, como a mobilidade pesada ou a indústria pesada. A quebra de emissões deste gás renovável, quando comparada com o gás natural, é de mais de 90%, muitas vezes próxima dos 100%, diz a Dourogás.

A grande vantagem do biometano como gás renovável é que “tem uma maturidade muito elevada do ponto de vista tecnológico”, aponta a Floene, a operadora dominante da rede de distribuição a nível nacional (antiga Galp Gás Natural Distribuição). Por outro lado, a cadeia de valor do biometano gera ainda um co-produto que pode ser utilizado na agricultura enquanto fertilizante, promovendo uma economia mais circular.

No que diz respeito ao preço, existe uma variabilidade significativa de custos de produção do biometano, dependendo das matérias-primas utilizadas no processo de produção, e será importante conhecer os mecanismos que a estratégia de desenvolvimento do biometano pode vir a apresentar, diz a Floene.

Já a Dourogás reconhece que os gases renováveis são mais caros, embora o biometano tenha estado a cerca de metade do preço do gás natural, pois este último estava a valer quatro ou cinco vezes o seu valor habitual.

Portugal atrás dos pares europeus

Portugal está atrasado. “Na Dourogás trabalhamos o setor do biometano há dez anos, mas temos tido inúmeras dificuldades”, indica Nuno Moreira. Uma delas é que a agroindústria, por cá, não é tão intensiva como noutros países, pelo que, sendo mais deslocalizada no espaço, não é fácil haver unidades agroindustriais grandes que permitam fazer investimentos de concentração de resíduos, a partir dos quais se produza o biometano. “Achamos que conseguimos valorizar bastante melhor”, defende, já que atualmente “estamos a tratar sem aproveitamento, a deitar fora”.

 

No que diz respeito ao biometano e biogás, reforça a Floene, “a maioria dos países europeus tem uma filosofia muito clara no apoio à valorização de resíduos agrícolas e industriais, impulsionando projetos locais/regionais com impacto na economia circular, facilitando a criação de emprego em zonas desfavorecidas, e mitigando assimetrias regionais”.

A questão, por cá, não é a falta de capacidade tecnológica. Por exemplo, a portuguesa Efacec garantiu a 25 de janeiro um contrato de 30 milhões de euros para ajudar a construir uma nova central de biogás na Suécia, depois de já ter participado na construção de uma das maiores unidades industriais dinamarquesas de tratamento de resíduos e produção de biometano.

Na Dinamarca, 33% do total de gás distribuído é biometano. Até 2030, o objetivo é que 90% de todo o consumo de gás neste país nórdico seja feito a partir de biometano, acrescenta Moreira. Já em França – que também tem um setor agroindustrial forte –, em 2022, estava a ser construída uma nova unidade de biometano por semana. A Alemanha tem mais de 1000, e há mais de dez anos que Alemanha, Itália, França e Dinamarca e, mais recentemente, Espanha, têm tarifas para a injeção deste gás na rede, enumera a Dourogás.

O Ministério do Ambiente garante que “o biometano não ficou para segundo plano e isso é claro nos apoios ao CAPEX [investimento] que têm sido dados, tanto no POSEUR [Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos] como no PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], onde a produção de biometano é elegível. Além disso, a portaria que determina a compra centralizada de biometano e hidrogénio inclui uma maior quantidade de biometano do que de hidrogénio para injeção na rede nacional de gás”.

A Plano de Ação para o Biometano deverá ser publicadO no primeiro trimestre de 2024, indica o Ministério do Ambiente e da Ação Climática ao ECO/Capital Verde. Anteriormente, a intenção era que o plano fosse divulgado ainda este ano.

Numa nota recente, o Governo anunciou ainda que vai lançar um novo aviso para a produção de gases renováveis no âmbito do programa REPowerEU, com uma dotação de 70 milhões de euros. E aproveitou para partilhar que as candidaturas ao aviso anterior, de 83 milhões, superaram largamente a dotação disponível. Das candidaturas submetidas, 39 dizem respeito a projetos de hidrogénio verde, nove são de biometano e um projeto prevê a produção dos dois gases renováveis.

 

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