Primeiro-ministro francês, no cargo há nove meses, enfrenta moção de confiança. Perder significa mais uma crise política, que se junta à económica. Extrema-direita está à espreita.
A França está a braços com mais uma crise política, a quarta em menos de dois anos. Esta segunda-feira é votada uma moção de confiança ao Governo minoritário de François Bayrou na Assembleia Nacional, devido ao corte de quase 44 mil milhões de euros no Orçamento para o próximo ano de modo a reduzir o défice e a dívida pública, e se a oposição concretizar o anunciado o chumbo será o desfecho.
Face à fragmentação política do Parlamento francês, as expectativas estão contra o Executivo de Bayrou. Para já não é certo o que o Presidente Emmanuel Macron irá fazer caso a moção não seja aprovada: optar pela dissolução da Assembleia Nacional, o que desencadearia eleições legislativas antecipadas; por simplesmente nomear um novo primeiro-ministro — que terá de ser aprovado pela maioria dos 577 deputados –; ou até pela sua própria destituição, um cenário que seria ainda mais problemático para o país e, consequentemente, para a Europa.
“Todos os caminhos a partir daqui provavelmente significarão mais derrapagens orçamentais e aumentarão a pressão sobre a classificação de crédito de França, dada a sua já desfavorável perspetiva orçamental em relação a outros pares da Zona do Euro”, destaca Thomas Gabbey, da Schroders.
Todos os caminhos a partir daqui provavelmente significarão mais derrapagens orçamentais e aumentarão a pressão sobre a classificação de crédito de França, dada a sua já desfavorável perspetiva orçamental em relação a outros pares da Zona do Euro.
Foi em julho que o líder do Executivo gaulês anunciou a sua proposta orçamental para 2026, com ‘poupanças’ de 43,8 mil milhões de euros, sendo que 80% resultaria de cortes de despesas e um congelamento dos gastos públicos, com reduções nas contratações do setor público e congelamento da indexação de pensões.
As principais medidas incluem, também, a abolição de dois feriados do calendário, o aumento de impostos em vários setores e a aplicação de “contribuições de solidariedade” — ainda não definidas — às famílias com rendimentos mais elevados. Estão ainda previstos cortes nas despesas com a Segurança Social, de forma a reduzir a dívida de 15 mil milhões de euros nessa área.
Desde o início do mandato, há menos de um ano, que François Bayrou afirma que o seu objetivo é a redução da dívida pública. “Há momentos na história das nações em que estas têm de ter um “encontro” consigo mesmas, e este é um desses momentos. Todos têm de participar neste esforço, dada a dimensão do desafio“, sublinhou, em 15 de julho, delineando como meta reduzir o défice orçamental francês para 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2029, face aos atuais 5,8%.
Plano de cortes tem como meta reduzir o défice orçamental francês para 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2029, face aos atuais 5,8%.
No entanto, para as medidas serem aplicadas, terão de ser formalizadas numa lei financeira para o ano de 2026 e aprovadas pelo Parlamento, o que se afigura difícil já que, mal a estratégia foi anunciada, os partidos da oposição fizeram-se ouvir. Do bloco de esquerda radical liderado por Jean-Luc Mélenchon à extrema-direita de Jordan Bardella e Marine Le Pen, ficou claro que o voto será contra.
Bayrou ainda tinha esperança de conseguir afastar o Partido Socialista, de centro-esquerda, de votar ao lado da coligação de Mélenchon e convencer o Rassemblement National (RN) a abster-se na moção de confiança, mas não conseguiu. Recorde-se que a aliança de esquerda Nova Frente Popular ficou em primeiro lugar nas últimas legislativas francesas, em 2024, conseguindo eleger 182 deputados, enquanto a extrema-direita se ficou pelo terceiro lugar, com 143 lugares.
Líder socialista apelou diretamente a Macron para que “escolha um primeiro-ministro da esquerda moderada que queira governar” e já tem plano de cortes de 22 mil milhões de euros.
O líder dos socialistas, Olivier Faure, disse na passada quinta-feira que o partido não “mudaria de ideias” após decidir derrubar o Governo na votação desta segunda-feira. Faure apelou diretamente a Macron para que “escolha um primeiro-ministro da esquerda moderada que queira governar”, embora estabeleça um preço para a cooperação: o próximo líder do Governo terá de implementar a proposta orçamental socialista, que inclui um corte de 22 mil milhões de euros, aumentos de impostos e renegociar a controversa decisão de Macron de aumentar a idade da reforma.
Do lado da extrema-direita, o Politico avançou que, caso Macron agende novas eleições em resposta ao eventual chumbo da moção de confiança, Le Pen irá tentar concorrer pelas listas do RN, apresentando no imediato um recurso contra a decisão da Justiça francesa que, em março, a condenou por peculato. “Se a questão é: temos confiança neste Governo? A resposta é não, não temos”, afirmou, após ter-se reunido com Bayrou na terça-feira. Em julho, prometera concorrer a quaisquer novas eleições, apesar de estar impedida de o fazer pelo tribunal.

Entretanto, na sexta-feira, a imprensa internacional avançou que o Chefe de Estado francês quer nomear rapidamente um novo primeiro-ministro após a provável queda do Governo, evitando a convocação de novas eleições. O objetivo é escolher o substituto de François Bayrou até 18 de setembro, dia em que muitos dos maiores sindicatos do país planeiam entrar em greve — além dos apelos para uma paralisação a nível nacional na próxima quarta-feira, 10 de setembro.
Sébastien Lecornu, atual ministro das Forças Armadas, volta a ser um dos nomes apontados ao cargo. O político de 39 anos é o único governante que “sobrevive” no Executivo francês desde que Emmanuel Macron chegou ao Palácio do Eliseu em 2017, sobrevivendo às inúmeras remodelações e eleições antecipadas. Outros possíveis substitutos são o ministro da Justiça, Gérald Darmanin, a ministra do Trabalho e da Saúde, Catherine Vautrin, e o ministro da Economia, Éric Lombard.
Mas Macron escapa cada vez menos aos estilhaços da crise. Quase dois terços dos franceses querem a demissão do Presidente francês. De acordo com uma sondagem da Odoxa-Backbone para o jornal conservador Le Figaro, 64% dos inquiridos indicaram querer um novo ocupante no Palácio do Eliseu e a organização de eleições presidenciais antecipadas, em vez da nomeação de um quinto primeiro-ministro em menos de dois anos. Além disso, 56% pediram a dissolução do Governo e a realização de legislativas antecipadas para encontrar uma solução para a crise no país.
Numa outra sondagem, da Verian para a revista Le Figaro, apenas 15% dos franceses afirmaram confiar em Macron, uma queda acentuada e sem precedentes de seis pontos em comparação com julho. O Presidente francês está também a perder a confiança dos eleitores da primeira volta em 2022, com apenas 45% a favor (-14 pontos num mês), o nível mais baixo observado desde que foi eleito pela primeira vez, em 2017, de acordo com uma segunda sondagem da Elabe para o jornal de negócios Les Échos.
Em sondagem para o Le Fiagro, 64% dos inquiridos indicaram querer um novo ocupante no Palácio do Eliseu e a organização de eleições presidenciais antecipadas, em vez da nomeação de um quinto primeiro-ministro em menos de dois anos.
“Prevemos que França deve permanecer politicamente instável pelo menos até às próximas eleições presidenciais, lutando para inverter a sua pouco saudável trajetória orçamental e atuando como um obstáculo ao crescimento europeu“, assinala Christian Schulz, economista-Chefe da Allianz Global Investors (Allianz GI).
Finanças públicas também em crise
A turbulência política agrava a desconfiança dos mercados de um país já sob pressão face aos elevados níveis de dívida pública e défice orçamental e crescimento económico em desaceleração. “A provável queda do Governo pesará fortemente sobre a economia francesa“, alerta Charlotte de Montpelliera, economista do ING Research, destacando que a “economia já estava fraca e a crise política adiciona uma nova camada de incerteza”.
Previsões da Comissão Europeia, divulgadas em maio, apontam para uma forte desaceleração do crescimento económico, passando de 1,4% em 2024 para 0,6% este ano, influenciada pelo ajuste orçamental e a incerteza comercial internacional. Nas contas de Bruxelas, o défice orçamental deverá cair de 5,8% para 5,6% em 2025, subindo para 5,7% do PIB em 2026, enquanto a dívida pública deverá aumentar para 118,4% do PIB até 2026, uma vez que o défice primário continua elevado. Dois indicadores cujo nível se situa, respetivamente, acima dos 3% e 60% recomendado pela Comissão Europeia.
Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o tabela.
Este é um dos maiores desafios económicos atualmente em França. Os elevados gastos públicos — a que se irá somar o investimento em Defesa — precisam de ser pagos, e os impostos já não são suficientes, num país que tem a maior carga tributária do mundo desenvolvido, com quase 44% do PIB em 2023, de acordo com dados da OCDE.
E, em maio, Bruxelas assinalava que a previsão de desaceleração económica para 2025 deverá pesar sobre as receitas tributárias, que deverão subir de novo ligeiramente abaixo da atividade económica, enquanto o aumento do desemprego deverá fazer subir os encargos com subsídios e a despesa com pensões significa quase 15% da produção económica atual.
Elaborar e aprovar o Orçamento de 2026 ficará ainda mais difícil, atrasando a consolidação orçamental e potencialmente agravando a trajetória da dívida francesa. Quanto mais as reformas forem adiadas, maior será o ajuste orçamental necessário.
“Elaborar e aprovar o Orçamento de 2026 ficará ainda mais difícil, atrasando a consolidação orçamental e potencialmente agravando a trajetória da dívida francesa. Quanto mais as reformas forem adiadas, maior será o ajuste orçamental necessário”, alerta Charlotte de Montpelliera, a economista do ING.
Com a instabilidade política a reduzir a previsibilidade económica e as reformas sistematicamente bloqueadas por impasses parlamentares, os custos de financiamento da República são dos primeiros afetados.
As yields de longo prazo, a 30 anos, atingiram no início da semana passada o nível mais alto desde 2011, ao ultrapassar 4,5%, enquanto o custo dos títulos soberanos franceses de 10 anos também subiram, atingindo 3,58% na terça-feira, aproximando-se dos níveis da dívida italiana.

“Os custos dos empréstimos em França aumentaram e os mercados bolsistas têm vindo a cair, à medida que os investidores tentam digerir a possibilidade de um colapso do Governo já a 8 de setembro. Prevemos um desempenho inferior continuado dos ativos de risco franceses, um aumento dos spreads soberanos e ventos contrários para o euro até que a turbulência política diminua”, destaca Christian Schulz, economista-chefe da Allianz GI.
No entanto, sublinha que “as reformas nos países mais pequenos da Zona Euro para aumentar a competitividade e a disciplina orçamental” podem ajudar “a reduzir o risco de contágio mais alargado nos spreads crescentes dos títulos soberanos franceses”.
Os custos dos empréstimos em França aumentaram e os mercados bolsistas têm vindo a cair, à medida que os investidores tentam digerir a possibilidade de um colapso do Governo já a 8 de setembro.
Por seu lado, Thomas Gabbey, gestor de fundos da Schroders, assinala que um dos principais temas que a gestora de ativos tem negociado este ano são os sinais de recuperação europeia, impulsionada predominantemente pela indústria e com a ajuda da mudança radical na política orçamental alemã. “A renovada incerteza política francesa tem potencial para frustrar a retoma do crescimento europeu e é algo que iremos monitorizar atentamente à procura de sinais de impacto no otimismo empresarial”, explica.
A presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, já veio alertar que os riscos de um colapso governamental em qualquer país da Zona Euro são preocupantes, quando questionada sobre a eventual queda do Executivo francês. Ainda assim, procurou desdramatizar a possibilidade de a França vir a ter de pedir a intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI).
“Os países solicitam a intervenção do FMI em circunstâncias em que a balança corrente está seriamente deficitária e o país não consegue cumprir com as obrigações. Este não é o caso da França“, disse a presidente do BCE e ex-líder do FMI.
O cenário de um eventual pedido de empréstimo ao FMI começou a ser analisado em alguma imprensa internacional após a subida dos custos de financiamento da França. O pedido de intervenção surge, por norma, quando um país deixa de se conseguir financiar nos mercados financeiros por os credores não acreditarem na capacidade de reembolso.
Antes disso, a França poderia, em alternativa, utilizar um pedido de empréstimo ao BCE, dependente de aprovação da Comissão Europeia e dos países da Zona Euro. Em troca, teria de assinar um plano de reformas estruturais, condicionando a sua ação.
Para já, a Fitch tem agendada uma avaliação à dívida soberana francesa para sexta-feira, dia 12 de setembro.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Dia D para François Bayrou. Governo francês enfrenta moção de confiança com desfecho pré-anunciado
{{ noCommentsLabel }}