Direito do Desporto: o negócio fora de campo

A área do Direito do Desporto está em forte crescimento em Portugal, impulsionada pelos milhões que o setor movimenta. A Abreu, a Morais Leitão e a 14 Sports Law são três players que foram a "jogo".

A indústria do desporto movimenta milhões e milhões de euros todos os anos, seja para os agentes e órgãos do meio seja para o próprio Estado. Em Portugal, só o futebol rendeu aos cofres do Estado 268 milhões de euros na última época desportiva.

Apercebendo-se da oportunidade de negócio, as sociedades de advogados têm-se especializado cada vez mais e apostado na área de Direito do Desporto. No caso da Abreu Advogados, o investimento neste setor tem sido cada vez maior, sendo uma área que acaba por permitir angariar clientes para outras áreas de prática, como direito imobiliário ou propriedade intelectual.

Também com uma forte presença na área de Direito do Desporto é a Morais Leitão. O escritório liderado por Martim Krupenski explicou que a aposta no setor resultou de uma evolução “natural” em conjunto com os clientes. “O crescimento dos nossos clientes e das suas necessidades neste segmento foi acompanhado pela adaptação necessária da Morais Leitão, o que também nos permitiu alargar a nossa exposição a cada vez mais intervenientes do mundo desportivo”, revela o associado coordenador Dzhamil Oda.

Para além dos grandes escritórios, também têm surgido no mercado de advocacia portuguesa pequenas boutiques especializadas em Direito do Desporto, como é o caso da 14 Sports Law. À Advocatus, o sócio Luís Cassiano Neves explica que a ideia de criarem o primeiro escritório português dedicado a esta área partiu de Bernardo Palmeiro que atualmente é dirigente no Sporting. “Intuíamos que haveria procura suficiente para sustentar o projeto”, sublinha.

O Direito do Desporto é uma área muito específica, requerendo por isso um conhecimento aprofundado tanto das diferentes regulamentações como da indústria e dos seus agentes por parte dos escritórios de advogados.

“As principais oportunidades de negócio prendem-se com o modelo regulatório do desporto em Portugal que tem de ser alterado, novos desportos como os e-sports, a organização de grandes eventos em Portugal e a aquisição de participações nas sociedades desportivas de futebol em Portugal, associada ao fenómeno global da constituição de grandes grupos no futebol (Multi-Club Ownership)”, revela o sócio da Abreu Advogados Fernando Veiga Gomes.

À Advocatus, Dzhamil Oda sublinha também que o grande foco do país em futebol aumenta o interesse no investimento em clubes portugueses, sendo uma boa oportunidade de negócio.

O investimento privado no desporto em geral, e no futebol em particular, tem fomentado a procura de serviços jurídicos qualificados de apoio aos vários intervenientes: investidores, clubes, jogadores, agentes. A isto junta-se legislação e regulamentação, sobretudo a nível internacional, muito densa e específica, que exige conhecimento especializado na parte transacional e no contencioso”, acrescenta Luís Cassiano Neves.

De clubes a agentes, quem são os clientes das firmas?

O Direito do Desporto é uma área jurídica cada vez mais multifacetada e exigente, acompanhando a complexidade e profissionalização do setor desportivo. Face a este desenvolvimento os escritórios têm vindo a reforçar os serviços que prestam aos clientes.

“O desporto nacional, e sobretudo o futebol, é conhecido pela qualidade dos seus jogadores e treinadores, clientes naturais. Contudo, temos também agentes envolvidos em centenas de negócios por ano, o que permite que uma série de advogados portugueses tenham intervenção em negócios relevantes, em representação destes atores”, revela o sócio da 14 Sports Law que presta ainda serviços de apoio a clubes relacionados com compliance, contratação e disciplinar.

Já a equipa da Morais Leitão é composta por advogados de diversas áreas jurídicas, como contratos, comercial, financeiro, resolução de litígios, contencioso, direito europeu, concorrência, fiscal, laboral, criminal, privacidade e dados pessoais, propriedade intelectual e direito público. “Apresentamos um leque alargado de serviços, que inclui, entre outros, a negociação e elaboração de contratos desportivos, a representação de atletas, a aquisição e alienação de participações em ativos desportivos, o financiamento de clubes e sociedades desportivas, a assessoria financeira em project finance, a construção e licenciamento de instalações desportivas, direitos de imagem desportiva e proteção da propriedade intelectual”, refere o associado coordenador.

Sublinhando que o serviço que prestam depende muito dos clientes, a Abreu trabalha frequentemente com federações desportivas, clubes, sociedades desportivas, investidores, atletas, patrocinadores, agentes em matérias que vão dos seguros desportivos aos direitos de transmissão televisiva, factoring, assessoria a grandes eventos, contencioso nacional e internacional, transferências nacionais e internacionais, doping, entre outros serviços. “Temos uma equipa que conta com advogados com experiência em laboral, contencioso, propriedade industrial e direitos de imagem, fiscal, M&A, e que ajudam com a sua experiência a resolver os problemas que nos surgem”, acrescenta Fernando Veiga Gomes.

Entre os principais problemas que chegam “às mãos” dos advogados estão os relacionados com contratos, transferências, patrocínios, dopagem, contencioso, de natureza disciplinar, entre outros. Por exemplo, na 14 Sports Law 70% do volume de trabalho cinge-se a contratos e contencioso, como processos junto do FIFA Football Tribunal, Court of Arbitration for Sport em Lausanne e Tribunal Arbitral do Desporto em Lisboa.

“Temos também prestado assessoria relevante em questões regulatórias, que incluem, entre outras, a regulação desportiva, por exemplo, o apoio que prestamos no âmbito da preparação da candidatura ao Mundial de 2030, a contratação pública e o direito da concorrência”, exemplifica Dzhamil Oda.

Mas quem procura os escritórios nestas matérias? Entre os maiores clientes estão agentes, clubes, atletas e treinadores. “Regra geral, somos solicitados por todo o tipo de clientes, ainda que um volume considerável do nosso trabalho advenha de agentes, federações e clubes. Ainda assim, a Morais Leitão aposta seriamente na representação de atletas, proporcionando um apoio 360º em todos os aspetos relacionados com a sua carreira desportiva e outros temas não desportivos”, revela o associado coordenador.

Já no caso da Abreu Advogados, uma das áreas em que mais se destacam é em fusões e aquisições de sociedades desportivas. “Os nossos principais clientes são, por um lado, grupos internacionais de investidores que querem adquirir sociedades desportivas em Portugal, para que as mesmas façam parte do seu grupo internacional e por outro, Federações Desportivas e clubes com sede em Portugal”, acrescenta o sócio.

Prevenção de litígios é essencial

Na área de desporto a gestão e prevenção de litígios é um dos pontos mais importantes e, segundo Fernando Veiga Gomes, principalmente para os atletas que “têm uma carreira curta e podem ser penalizados desportivamente se não optarem pelo caminho certo”. “O nosso papel é o de aconselhar os agentes desportivos antecipadamente, para que conheçam melhor os seus direitos e procurem defender os mesmos, recorrendo aos meios legais ao seu alcance”, refere.

Apesar de sublinhar que a maneira como auxiliam os clientes na prevenção de litígios é o “segredo do negócio”, Dzhamil Oda avança que um dos pontos essenciais é existir uma relação de proximidade e de confiança com os clientes. “Relações de confiança e proximidade ajudam também a antecipar eventuais riscos e a mitigá-los preventivamente, algo aliado ao conhecimento necessário sobre este setor”, acrescenta.

Ainda assim, Luís Cassiano Neves acredita que os tempos mudaram e que os clientes estão cada vez mais “cientes” da necessidade de antecipar potenciais problemas. “Hoje em dia, a generalidade dos intervenientes estão muito mais cientes do imperativo de estarem devidamente acompanhados em todas as fases do processo: negociações, contratos, fases preliminares de investigações. O advogado já não tem, muitas das vezes, o papel de socorrista em fase adiantada do problema”, refere.

No que concerne aos litígios, estes podem ser resolvidos em diferentes tipos de tribunais. Segundo explica Luís Cassiano Neves, o contencioso desportivo internacional passa “quase exclusivamente”, no caso do futebol, pelo FIFA Football Tribunal e pelo Tribunal Arbitral do Desporto sedeado em Lausanne. “Em Portugal, os tribunais civis e administrativos repartem relevância com o Tribunal Arbitral do Desporto”, acrescenta.

O Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) serve como tribunal de recurso das decisões finais das federações desportivas, de decisões a nível de dopagem, “mas que pode também intervir como tribunal arbitral em sede de arbitragem voluntária”.

Os desafios de uma área em mudança

Da especialização à internacionalização, vários são os desafios na área de Direito do Desporto apontados pelos advogados. Para Dzhamil Oda, um dos desafios é a internacionalização e a necessidade de prestar serviços cada vez mais especializados, tendo em conta um quadro regulatório complexo e que pode envolver mais do que uma jurisdição.

“Outro desafio prende-se com a necessidade de prestar um aconselhamento jurídico de forma bastante rápida e, muitas vezes, sob pressão adicional, num contexto dinâmico em constante mudança. Um exemplo clássico é a negociação de contratos que envolvem futebolistas durante a época de transferências, em que podem existir múltiplas variáveis e propostas que têm de ser tidas em consideração e negociadas em simultâneo”, explica o associado coordenador da Morais Leitão.

Para Fernando Veiga Gomes, um dos desafios é a especialização, uma vez que a área é “transversal” e isso implica lidar e conhecer legislação e conceitos jurídicos de diversas áreas do direito. “Um segundo desafio é o de fazer ver aos stakeholders envolvidos no fenómeno desportivo a necessidade de recorrer a serviços jurídicos especializados e preferencialmente em modo de advocacia preventiva. No desporto, tarde demais, normalmente, tem consequências irreversíveis”, revela o sócio.

Uma coisa é certa, os advogados consideram que a legislação desportiva enfrenta desafios constantes decorrentes da necessidade de adaptação a contextos sociais e tecnológicos em mudança. “Apesar do impacto positivo das normas emanadas de organizações internacionais, com o objetivo de harmonizar a sua aplicação pelo mundo fora, a diversidade de enquadramentos jurídicos e culturais constitui um desafio para a aplicação uniforme do direito e pode suscitar múltiplas questões de interpretação”, sublinha o associado coordenador da Morais Leitão.

Para Dzhamil Oda, o equilíbrio entre a autorregulação e a intervenção normativa pública no contexto desportivo, bem como as competências que devem estar na esfera das organizações desportivas, nem sempre são “matérias pacíficas”.

Também Fernando Veiga Gomes admite faltar “muita coisa” em termos legislativos para Portugal se poder equiparar com outros países do primeiro mundo do desporto. Entre os pontos apontados pelo sócio está a falta de um modelo de gestão virado para a sustentabilidade e integridade financeira, a necessidade de alteração do modelo de financiamento estatal do desporto e de conclusão da centralização dos direitos de transmissão televisiva no futebol ou até a a necessidade de alterar o modelo atual de recurso das decisões do TAD para o Tribunal Central Administrativo e daí para o Supremo Tribunal Administrativo.

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