Estão a chegar as primeiras regras comunitárias de IA. Advogados estão expectantes

Há um novo regulamento a ser discutido a nível europeu que visa garantir que os sistemas de IA implementados e utilizados na UE são seguros e respeitam os direitos fundamentais e os valores europeus.

Novas regras sobre a inteligência artificial (IA) estão a chegar à União Europeia (UE). Desde junho de 2023 que os colegisladores da Europa estavam em negociações para as primeiras regras comunitárias nesta matéria, tendo o Conselho e o Parlamento Europeu (PE) chegado a um acordo provisório em dezembro de 2023.

Quase dois meses depois, no início de fevereiro, os embaixadores dos Estados-membros junto da UE deram “luz verde”, por unanimidade, às novas regras do espaço comunitário para a IA. Agora falta a votação final do Parlamento Europeu.

O regulamento em causa visa garantir que os sistemas de IA implementados e utilizados na UE são seguros e respeitam os direitos fundamentais e os valores europeus.

Este será um “grande” passo na regulamentação da IA. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, chegou a salientar que este regulamento é uma “novidade a nível mundial” e que “introduz um quadro jurídico único”. Já Roberta Metsola, presidente do PE, assegurou que é um “momento histórico para a Europa”.

“O Regulamento Inteligência Artificial ou AI Act é uma iniciativa legislativa emblemática, com potencial para promover o desenvolvimento e a adoção de uma Inteligência Artificial segura e fiável em todo o mercado único europeu por parte de todos os seus intervenientes, sejam públicos e/ou privados”, sublinhou Joana Mota Agostinho, sócia da Cuatrecasas.

À Advocatus, a advogada avançou que têm duas expectativas essenciais: que as organizações consigam implementar atempadamente o regulamento tendo em conta a abordagem “baseada no risco” já conhecida de outros diplomas como o RGPD; e que este regulamento se torne um primeiro padrão global para a regulamentação da IA noutras jurisdições, promovendo assim a abordagem europeia à regulamentação tecnológica na cena mundial.

Também António Andrade, sócio da Abreu Advogados, está expectante com este instrumento legislativo. “As expectativas são, resumidamente, que este primeiro instrumento legislativo estabeleça as regras essenciais relativamente ao uso da IA, desde logo a sua definição legal, o seu âmbito de aplicação e a segurança jurídica que deve existir quanto a esta tecnologia”, disse.

Já Cláudia Tomás Pedro, advogada e coordenadora da área de Propriedade Intelectual e tecnologia da Gómez-Acebo & Pombo espera que a versão que foi favoravelmente votada no dia 13 de fevereiro de 2024 pela Comissão do Mercado Interno e da Proteção dos Consumidores e pela Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos do Parlamento Europeu seja votada favoravelmente.

“Considerando a abordagem com base no risco, assume particular relevância a clara identificação das práticas de inteligência artificial proibidas, das regras de classificação e os requisitos dos sistemas de inteligência artificial de risco elevado e dos sistemas de gestão de qualidade”, referiu a advogada.

Outro dos aspetos que espera ver regulados são as medidas de apoio à inovação e, normas adequadas de salvaguarda de confidencialidade e de direitos de propriedade intelectual, de modo a obstar a que a nova regulamentação tenha um impacto negativo na investigação e desenvolvimento e na colocação no mercado de novos produtos ou serviços alicerçados em inteligência artificial.

Para além da definição legal da IA, António Andrade espera ver regulamentada a forma como a IA se estabelecerá e desenvolverá dentro dos limites éticos e morais, assim como a sua aplicação socialmente justa e equitativa e ambientalmente sustentável.

Dos desafios à adaptação em Portugal

Consenso, implementação prática ou até verificação do cumprimento são alguns dos desafios dos Estados-membros na execução das novas regras apontados pelos advogados.

“‘Correr atrás do prejuízo’, ou seja, numa fase em que as organizações já implementaram e usam, de forma diária e irreversível, modelos de IA na sua operação e atividade comercial, é essencial garantir que é dado um período razoável para a implementação deste Regulamento, à semelhança do que aconteceu com o RGPD”, referiu Joana Mota Agostinho.

Para António Andrade é necessário procurar um “consenso” no seio da UE quanto ao que significa a IA, o seu âmbito de implementação e os limites que se impõe na sua aplicação prática.

“Os grandes desafios passam pela aplicação efetiva de um quadro jurídico uniforme e harmonizado para o desenvolvimento, comercialização e a utilização da IA”, acrescentou o sócio e coordenador da área de Propriedade Intelectual e Tecnologias de Informação.

António Andrade considera ainda ser um desafio crucial a implementação prática da IA no tecido empresarial e na comunidade em geral, “dentro de regras claras e objetivas, de modo a que exista segurança jurídica no modo como a IA é utilizada e aplicada em concreto, dentro de um quadro eticamente fundado”.

Por outro lado, Cláudia Tomás Pedro apontou a “verificação do cumprimento” das novas regras como um dos maiores desafios. “Para tal os Estados Membros deverão designar uma autoridade de supervisão de mercado e capacitá-la dos meios materiais, financeiros, técnicos e humanos para o cumprimento da sua função”, acrescentou.

Apesar de reconhecerem que Portugal, de um modo geral, tem conseguido adaptar-se “positivamente” aos novos regulamentos europeus, a diversidade do tecido empresarial pode ser uma dificuldade.

“Em Portugal, e de um modo geral, a adaptação a novos Regulamentos e Diretivas da UE nas mais diversas matérias tem sido positivamente alcançada. É usual que nos primeiros tempos da aplicação das regras, existam complexidades, designadamente dúvidas interpretativas, mas o papel da doutrina e jurisprudência é, também aqui, determinante para a interpretação correta das novas (aliás, as primeiras) regras sobre a definição, escopo de proteção e aplicação da IA nas mais variadas indústrias e atividades económicas”, disse o sócio da Abreu.

O advogado considera que no decurso do tempo a adaptação de Portugal às regras sobre a IA será “pacífica” e “sem disrupções de maior”.

Já Joana Mota Agostinho alerta que as pequenas e médias empresas (PMEs) poderão ter “maior dificuldade” na implementação do diploma. “Em Portugal, tendo em conta a diversidade do nosso tecido empresarial, assistiremos a uma liderança das grandes organizações na implementação deste diploma, enquanto que as PMEs, por incapacidade financeira e desconhecimento, implementarão este diploma com maior dificuldade, tal como a Administração Pública”, referiu.

“Admitindo a conclusão do processo legislativo a breve trecho, afigura-se recomendável que as empresas que se dedicam ao desenvolvimento de soluções com inteligência artificial considerem as novas regras desde já na sua conceção”, acrescentou Cláudia Tomás Pedro.

O timing das novas regras

O primeiro conjunto de regras foi delineado, segundo os advogados, de forma pensada e com tempo, face à rápida evolução das tecnologias e, mais concretamente, da IA.

O Regulamento IA foi objeto de muitas discussões e revisões por parte dos órgãos europeus, pelo que acredito que o seu conjunto de regras foram devidamente ponderadas e adaptadas a esta economia digital. A sua dificuldade de implementação irá dever-se à elevada diversidade das organizações, na medida em que as regras são iguais para todas as organizações, independentemente da sua dimensão e setor de atividade”, sublinhou a advogada da Gómez-Acebo & Pombo.

Também António Andrade considera que existem “grandes vantagens”, apesar de alguns percecionarem o Regulamento como “prematuro, rápido e sem reflexão suficiente”. Em contraciclo, o advogado acrescentou que também existem quem considere “oportuno” e “bastante útil”.

“Parece-nos que qualquer iniciativa de definição e regulamentação legal no âmbito da aplicação de qualquer tecnologia, mesmo numa fase que possa ser prematura ou provisória, tem grandes vantagens, especialmente a antecipação legislativa que permite definir – numa lógica de “quanto mais cedo, melhor” – o âmbito de proteção e utilização da IA, assim como as fronteiras éticas que não podem ser ultrapassadas”, explicou.

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