O plano do Governo para a imigração tem medidas acertadas, mas outras requerem ajustamentos para equilibrar preocupações sociais e o crescimento económico, avalia o economista Óscar Afonso.
As propostas legislativas do governo que limitam a imigração, aprovadas no Conselho de Ministros de 23 de junho, terão ainda de passar pelo Parlamento. Sem prejuízo de uma análise posterior mais minuciosa, após serem conhecidos maiores detalhes das propostas, a informação pública disponível já permite fazer uma análise preliminar nesta matéria tão relevante do ponto de vista social e económico.
Deixando de fora apreciações sobre a constitucionalidade de algumas medidas, que terão menor impacto económico, concluo que algumas das demais parecem acertadas, mas outras requerem ajustamentos para equilibrar os objetivos prosseguidos – alívio das preocupações sociais e capacidade de absorção da atual população imigrante e novos fluxos, incluindo ao nível dos serviços públicos e infraestruturas, na minha leitura –, decorrentes de uma interpretação dos resultados eleitorais, com a intenção de aumentar o potencial de crescimento económico, que também está no programa eleitoral da AD.
O descontrolo criado pelo Regime de Manifestação de Interesse (RMI) é evidente para todos – mesmo para o PS, que o criou, pelo menos para o anterior Secretário-geral, faltando saber qual será a posição da nova direção nesta área –, dado o aumento explosivo da população estrangeira residente em poucos anos, só recentemente conhecido na sua extensão nos números divulgados pela Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA), na sequência da regularização em curso de um número elevado de imigrantes.
Os dados de abril da AIMA mostram que o número de estrangeiros com estatuto legal de residente passou de 421 711 em 2017, ano de início do regime de manifestação de Interesse, para valores revistos de 713 479 em 2021 – ano a partir do qual as revisões em alta dos dados da AIMA começam a assumir maior significado –, 994 011 em 2022, 1 293 463 em 2023 e cerca de 1 600 000 em 2024, com valores de 4%, 7%, 9%, 12% e quase 15%, respetivamente, em percentagem da população residente.
Os dados anteriores da AIMA apontavam para 1,044 milhões de imigrantes em 2023 – esse é ainda o valor apresentado pelo INE, reportado a setembro de 2024 –, pelo que a revisão em alta é de quase 250 mil pessoas nesse ano (1,293 – 1,044 = 250 mil).
A restauração da capacidade do país em absorver os atuais imigrantes e fluxos futuros (menores), após um forte aumento, parece estar na origem das propostas de alteração do governo, pelo menos é assim que interpreto e faz sentido. Contudo, como mostrarei abaixo, as medidas propostas podem restringir demasiado a imigração – em particular a menos qualificada, ainda dominante no perfil de especialização da economia, que, como tenho vindo a salientar, é preciso mudar, mas essa não é a forma de o fazer –, o que poderá ser contraditório com os objetivos de crescimento do governo, sobretudo nesta altura de execução final do PRR.
Trata-se de uma profunda alteração demográfica e social em poucos anos, incluindo uma dinâmica ‘explosiva’ nos anos mais recentes, que foi maioritariamente estimulada pela maior procura de mão-de-obra da economia face ao surto de turismo e ao PRR, mas parece ter ido bem além dessas necessidades devido à permissividade e desconexão com a economia do RMI, que o anterior governo AD extinguiu – e bem – em 2024, percebendo-se agora melhor, com os números da AIMA, o descontrolo a que levou.
A restauração da capacidade do país em absorver os atuais imigrantes e fluxos futuros (menores), após um forte aumento, parece estar na origem das propostas de alteração do governo, pelo menos é assim que interpreto e faz sentido. Contudo, como mostrarei abaixo, as medidas propostas podem restringir demasiado a imigração – em particular a menos qualificada, ainda dominante no perfil de especialização da economia, que, como tenho vindo a salientar, é preciso mudar, mas essa não é a forma de o fazer –, o que poderá ser contraditório com os objetivos de crescimento do governo, sobretudo nesta altura de execução final do PRR. Exige-se, por isso, uma maior ponderação e equilíbrio, incluindo uma consulta alargada aos parceiros sociais, que entendo já deveria ter sido feita, mas ainda deve haver tempo para ajustar as propostas.
Com efeito, os empresários continuam a ter dificuldades em obter mão-de-obra especializada – i.e., profissionais com formação e experiência, exigindo mais ou menos qualificações consoante a profissão em causa. Segundo dados do Banco de Portugal, o peso dos imigrantes supera os 30% em setores como alojamento e restauração, agricultura e construção, este último crucial para executar o PRR até 2026.
Na política de imigração, o anterior governo AD terminou com o RMI, como referido, e substituiu-o pela “Via Verde para a Imigração”, um regime que me faz sentido pela regulação da imigração em função da atividade económica, mas está por demonstrar a sua efetividade – mais abaixo regresso a este tema com informação adicional. Antes de avançar com mais medidas, conviria primeiro efetuar e apresentar uma avaliação dos efeitos destas duas medidas com dados recentes, que o governo possuirá.
1. As novas propostas do governo em matéria de imigração
Após este contexto, vejamos as propostas contidas no comunicado de Conselho de Ministros de 23/6. Se algumas medidas adicionais parecem necessárias, de facto, outras podem ser excessivas.
1.1. Proposta de alteração à Lei da Nacionalidade com critérios mais exigentes para obtenção e manutenção da nacionalidade portuguesa:
● Naturalização com requisitos reforçados:
✔ Residência legal exigida: 7 anos para cidadãos lusófonos e 10 anos para não lusófonos (lembro que, atualmente, a exigência é de 5 anos, sem distinção de países de origem).
✔ Novos requisitos legais: conhecimento da cultura portuguesa; compreensão dos direitos e deveres fundamentais associados à nacionalidade; conhecimento da organização política do Estado português.
● Possibilidade de perda de nacionalidade para naturalizados há menos de 10 anos e condenados a pena de prisão efetiva igual ou superior a 5 anos pela prática de crimes graves.
● Atribuição de nacionalidade originária para descendentes de estrangeiros residentes em Portugal passa a exigir a residência legal dos progenitores durante 3 anos e requisição.
1.2. Proposta de alteração à Lei de Estrangeiros para regulação e limitação dos fluxos migratórios:
● Vistos para procura de trabalho restringidos a atividades altamente qualificadas.
● Autorização de residência CPLP limitada a cidadãos dos Estados-Membros da CPLP que já tenham visto de residência CPLP – na prática, isto parece impedir novos vistos.
● Reagrupamento familiar ajustado nos requisitos, condições e procedimentos tendo em conta a Diretiva Europeia aplicável.
1.3. Criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras integrada na PSP para reforçar a eficácia dos mecanismos de fiscalização e controlo de fronteiras e retorno de ilegais:
● Competências principais:
✔ Controlo de fronteiras aeroportuárias.
✔ Retorno e fiscalização de estrangeiros em território nacional.
1.4. Prorrogação até 15 de outubro de autorizações de residência cuja validade termine entre 22 de fevereiro de 2020 e 30 de junho de 2025.
Penso que as propostas dos pontos 1.3 e 1.4 serão relativamente consensuais e foco-me antes nas vertidas em 1.1 e 1.2, que embora se percebam face ao contexto de descontrolo das entradas de imigrantes nos últimos anos, me suscitam reservas em algumas medidas pelas implicações na economia a curto, médio e longo prazos. Penso que seria mais avisado avançar com formulações moderadas e graduais, facilitando ajustamentos intercalares após análise, isto além de um estudo prévio dos impactos, incluindo as medidas já em curso, como referi – mais abaixo apresento propostas concretas nesse sentido.
No ponto 1.1, parece-me bem o requisito de um maior conhecimento da cultura e funcionamento da sociedade portuguesa para aquisição da nacionalidade e deixo de lado a possibilidade de perda de nacionalidade e atribuição de nacionalidade aos descendentes, por poderem suscitar questões de constitucionalidade, mas sobretudo porque devem ter impactos marginais na evolução da imigração.
Mais relevante e potencialmente negativa é a proposta de elevar o número de anos para a naturalização. Embora concorde com a discriminação positiva para os imigrantes lusófonos, pela maior facilidade de integração, a medida poderá frustrar as expectativas de muitos dos atuais imigrantes – incluindo os mais qualificados, que o governo parece querer atrair noutra medida que refiro mais abaixo, o que é contraditório – e provocar a saída imediata e bastante significativa de muito deles do país, sobretudo de não lusófonos, penalizando vários setores da economia e a execução do PRR. Isto porque os imigrantes já com vários anos no país, mas que ainda não pediram o processo de naturalização, passarão a precisar de muitos mais anos para o fazer com a nova Lei da Nacionalidade proposta.
É razoável esperar que muitas pessoas nessa situação deixem de querer viver em Portugal, mudando-se para países com maior nível de vida, melhores oportunidades de emprego ou um menor número de anos para a naturalização (há muitos na Europa, como mostro abaixo), se esse for o principal objetivo. O número muito elevado de pedidos de naturalização após o anúncio das medidas do governo apenas confirma essa perceção, sendo que esses pedidos não terão sequência porque o governo já sinalizou que colocará como data de entrada em vigor do diploma a da aprovação do programa do governo.
Mais relevante e potencialmente negativa é a proposta de elevar o número de anos para a naturalização. Embora concorde com a discriminação positiva para os imigrantes lusófonos, pela maior facilidade de integração, a medida poderá frustrar as expectativas de muitos dos atuais imigrantes – incluindo os mais qualificados, que o governo parece querer atrair noutra medida que refiro mais abaixo, o que é contraditório – e provocar a saída imediata e bastante significativa de muito deles do país, sobretudo de não lusófonos, penalizando vários setores da economia e a execução do PRR.
Os impactos são ainda de médio e longo prazo, pelo desincentivo à vinda de novos imigrantes, pois a proposta torna o nosso regime de naturalização um dos mais restritivos da União Europeia (UE), sobretudo na comparação com países de nível de vida próximo do nosso, com os quais concorremos mais diretamente na atração de mão-de-obra imigrante.
A tabela 1 mostra que, em 2023 – dados do site Best Citizenship com base em informação da Comissão Europeia (CE) – estava em 15º lugar entre os 27 países da UE no número de anos necessário para a naturalização, mas na 10ª posição, ou 5ª pior, considerando os 14 países com menor nível de vida (incluindo, assim, Espanha, que está na mediana), o indicador escolhido para ordenar os dados.
Considerando este último subconjunto de países com os quais faz mais sentido comparar-nos, na Polónia já é possível a naturalização de um imigrante no 3º ano de residência, enquanto na Chéquia, Letónia e Bulgária tal ocorre no 5º ano, em Portugal no 6º ano e na Grécia no 7º ano. Restam cinco países em que a naturalização é possível no 8º ano (Estónia, Roménia, Croácia, Hungria e Eslováquia) e apenas três em que tal sucede no 10º ano (Espanha, Eslovénia e Lituânia), que é a situação mais restritiva dentro da UE.
Assim, a proposta do Governo situaria Portugal entre os países mais restritivos da UE, incluindo no subconjunto de países com nível de vida igual ou abaixo da mediana, ao estipular 10 anos para cidadãos de países lusófonos e 7 anos para os demais, significando que se tornariam nacionais, na melhor das hipóteses, no 11º e 8º anos, respetivamente, seguindo a lógica da tabela 1.
Fontes: CE (AMECO, atualização de mai-25) nos dados do nível de vida (PIB per capita em Paridade de poderes de compra) e crescimento económico (variação média anual do PIB a preços constantes); Best Citizenships (dados atualizados em 2023 com base em dados da CE).
Notas: Tabela ordenada pelo nível de vida (do maior para o menor; Espanha, com o valor mediano neste indicador, está assinalada a fundo verde); os dados da última coluna indicam o ano de residência em que a naturalização é possível, que é o 6º no caso de Portugal, pois só após 5 anos de residência é possível aceder ao regime – de notar que, como esses dados estão atualizados a 2023, podem, entretanto, ter ocorrido alterações em alguns países, mas que deverão ser pontuais, tratando-se de uma variável estrutural, por ser alterada pouco frequentemente; interpretação do coeficiente de correlação por limiares: correlação muito forte (acima de 0,9, positiva ou negativa); forte (0,7 a 0,9, positiva ou negativa); moderada (0,5 a 0,7, positiva ou negativa); fraca (0,3 a 0,5, positiva ou negativa); ou desprezível (0 a 0,3, positiva ou negativa).
Olhando novamente para a tabela completa, é fácil de perceber que há uma diversidade de situações que justificará as discrepâncias no número de anos de residência requerido para a naturalização, incluindo diferenças culturais e políticas dos países, a sua posição geográfica face às principais rotas migratórias, bem como o nível de vida, o padrão de especialização e a dinâmica da economia.
Por exemplo, percebe-se que países como a Itália e a Espanha, que estão na linha da frente das principais rotas migratórias vindas de África e têm um nível de vida relativamente elevado (mediano, no caso de Espanha), que atrai imigrantes (além de um clima temperado), tenham adotado uma política de naturalização mais restritiva, assim como os países mais ricos do centro da Europa (10 anos na Áustria e 8 na Alemanha), ainda mais desejados pelos imigrantes.
Em sentido contrário, os países que são ilhas têm todos regimes não restritivos – mesmo aqueles por onde passam as rotas migratórias de África (Malta e Chipre) –, possivelmente por terem um menor acesso a mão-de-obra de países vizinhos ao estarem rodeados de mar.
Por outro lado, as políticas mais restritivas registadas em alguns países de leste refletirão idiossincrasias culturais e políticas, contrastando com os regimes mais abertos de outros países de leste, possivelmente mais preocupados com a dinâmica de crescimento das suas economias.
De notar que, na metade de países com maior nível de vida, a grande maioria permite a naturalização no 5º ano, incluindo os dois países cujas economias mais cresceram desde o início do milénio, a Irlanda (4,9% ao ano) e Malta (4,6%), ambos ilhas, um fator também relevante.
Um estudo recente do Gabinete de Estudos da Faculdade de Economia do Porto (FEP) mostra que há uma relação muito significativa entre crescimento económico, imigração e nível de vida. O estudo conclui que, quanto maior o nível de vida relativo inicial e o diferencial de crescimento face à UE, maior a dinâmica relativa da população e suas componentes nos países da UE entre 1999 e 2022, com realce para a imigração, que tem compensado o saldo natural negativo na grande maioria desses países, minorando o impacto do envelhecimento na economia.
Se a correlação entre o número de anos para a naturalização e o nível de vida assume um valor desprezível (-0,1), no caso do crescimento económico ela é fraca, mas não desprezível (-0,3). Contudo, se controlássemos o número de anos para a naturalização pelas várias idiossincrasias referidas, estou certo de que essa variável teria uma relação mais significativa com o crescimento económico e o nível de vida.
Um estudo recente do Gabinete de Estudos da Faculdade de Economia do Porto (FEP) mostra que há uma relação muito significativa entre crescimento económico, imigração e nível de vida. O estudo conclui que, quanto maior o nível de vida relativo inicial e o diferencial de crescimento face à UE, maior a dinâmica relativa da população e suas componentes nos países da UE entre 1999 e 2022, com realce para a imigração, que tem compensado o saldo natural negativo na grande maioria desses países, minorando o impacto do envelhecimento na economia. O diferencial de crescimento face à UE – atraindo imigrantes que o permitem materializar – é ainda crucial para uma maior dinâmica relativa do nível de vida.
Para países com baixo nível de vida relativo inicial, como Portugal, um diferencial de crescimento económico significativo face à UE permite uma convergência mais rápida do nível de vida e bem-estar.
Do estudo resulta que os imigrantes tendem a dirigir-se para países com maior nível de vida inicial ou maior diferencial de crescimento (que conduz a mais oportunidades de emprego), notando-se uma rotatividade significativa dos migrantes entre países nos períodos longos analisados. Por isso, para países como Portugal, com baixa produtividade e nível de vida inicial – para o que contribui um padrão de especialização assente, sobretudo, em atividades intensivas em mão-de-obra pouco qualificada –, a restrição da imigração limita muito o potencial de crescimento económico e de aumento do nível de vida.
O estudo estima que Portugal precisa de um fluxo regular de imigrantes na década até 2033 para a economia crescer na casa dos 3% e entrar, nesse horizonte, na metade de países com maior nível de vida da UE na sua atual configuração.
A estimativa de 138 mil imigrantes por ano para atingir esse objetivo que resulta do estudo – bem mais do dobro da imigração média anual nas duas primeiras décadas do milénio, em que Portugal cresceu apenas 1%, um dos piores registos na UE – aponta para a necessidade de 1 380 milhares de imigrantes na década até 2033 nesse cenário de crescimento. Esse número é necessário, segundo o estudo, para compensar a emigração – inclusive a saída de uma parte dos imigrantes – e o saldo natural negativo (embora ambos atenuados nesse cenário de maior crescimento económico face ao cenário base).
Como refiro mais adiante, em 2023 e 2024 a entrada de imigrantes terá ultrapassado os 138 mil por ano estimados pelo estudo da FEP, sem que a economia portuguesa tenha registado um crescimento anual de 3%. Este desfasamento sugere que uma parte significativa destes imigrantes poderá estar a integrar a economia paralela ou a permanecer sem qualquer atividade formal ou informal, confirmando assim a desconexão entre os fluxos migratórios e a dinâmica da atividade económica resultante do RMI.
O estudo sublinha que, face aos resultados, essa imigração deve ser regulada por fatores ligados à atividade económica, como contrato de trabalho prévio e auscultação das entidades representativas das empresas, defendendo ainda a dedicação de mais recursos para a integração e formação de imigrantes, incluindo a AIMA, que, entretanto, o governo reforçou.
É a criação de condições de maior crescimento económico que favorece a dinâmica populacional nas suas várias componentes, incluindo a imigração, mas se a restringirmos, o crescimento será penalizado, pelo que a imigração é uma condição permissiva da dinâmica económica. É por isso que o mecanismo de “Via Verde da imigração”, que exige contrato de trabalho prévio, me faz sentido no âmbito de uma imigração regulada pela atividade económica, como deve ser, mas falta avaliar a sua efetividade, sendo uma medida ainda relativamente recente, até porque já li que há empresários insatisfeitos com os fracos resultados, podendo ser necessários ajustamentos.
Usando os novos números de população estrangeira com estatuto de residente da AIMA e admitindo que a sua evolução traduzirá, de forma aproximada, os valores imigração – os números recentes do INE sobre as dinâmicas demográficas até 2024 ainda não usam os novos dados da AIMA –, temos fluxos anuais anormalmente altos, de perto de 300 mil, tanto em 2023 como em 2024, o que perfaz cerca de 600 mil pessoas. Estimo agora, com base no mesmo estudo da FEP, que após esses valores, apenas precisaremos de um valor próximo de 98 mil imigrantes por ano de 2025 a 2033 [(1 380-600)/8 anos)], isto admitindo a hipótese pouco provável de que ainda é possível a economia crescer na casa dos 3% ao ano, em média, à luz do novo contexto.
Com efeito, embora o programa de governo tenha um pendor reformista acima do esperado, tal dinâmica económica parece hoje mais distante face ao pior contexto externo, mas o estudo mostra que basta a economia crescer 1,4 pontos percentuais (p.p.) acima da UE (meta mais robusta, em diferencial) para entramos na metade de países mais ricos da UE numa década, que deveria ser um desígnio nacional.
Ou seja, se a UE crescer menos do que os 1,5% ao ano previstos no Ageing Report de 2024 da CE (sensivelmente o mesmo que nas duas primeiras décadas do milénio), que foi o cenário usado no estudo da FEP, a economia nacional precisará de crescer menos do que 3% ao ano para alcançar o objetivo de nível de vida proposto no estudo, o que implica também que serão precisos menos de 98 mil imigrantes por ano após 2024 (em média) em função dos novos dados.
Se assumirmos que a UE cresce 1% ao ano e Portugal cerca de 2,5%, a imigração anual compatível será pouco acima de 80 mil, em média.
Contudo, estes dados alteram-se se a proposta da alteração dos requisitos de tempo de residência para a naturalidade levar a uma saída significativa de estrangeiros do país já a curto prazo, empurrando a estimativa para níveis mais próximos dos 98 mil imigrantes por ano neste último cenário porventura mais realista – em que a UE cresce 1% ao ano e Portugal 2,5%, mediante reformas –, valor que dificilmente será possível face a esse e outros desincentivos à imigração que se revelam desadequados, limitando assim a capacidade de crescimento económico e o nível de vida da população, é preciso alertar para isto.
O que faz sentido, dentro das preocupações manifestadas pelo governo, mas salvaguardando a economia, é limitar os vistos de trabalho a pessoas especializadas nas várias profissões, com maiores e menores qualificações, promovendo a produtividade nos setores onde se inserem. Isto porque, como é conhecido, Portugal tem falta de profissionais especializados nas várias profissões da Indústria e mesmo na agricultura e construção, ou seja, pessoas já com experiência e formação nessas áreas, contemplando, assim, trabalhadores com menores e maiores habilitações académicas, dependendo da profissão.
Nas propostas do ponto 1.2, deixo de lado a relativa ao reagrupamento familiar, que pode suscitar questões de constitucionalidade e dificultar a integração dos imigrantes, dependendo das formulações escolhidas. Parece-me fazer sentido congelar os vistos de residência CPLP como pretende o governo e mais tarde reavaliar, focando preferencialmente a gestão da imigração nos vistos de trabalho, por estarem relacionados com a atividade económica e complementarem o mecanismo da “Via Verde”. O problema da proposta é passar a atribuir vistos de trabalho apenas a pessoas altamente qualificadas.
Aparentemente, o governo considera que os imigrantes não qualificados já no país são suficientes para assegurar a procura dos vários setores nos próximos anos, o que é muito duvidoso – até porque uma parte dos imigrantes em geral sai em busca de oportunidades noutros países, como mostra o estudo da FEP –, requerendo explicações sustentadas em estudos, algo que não foi apresentado. Questiono ainda se tal medida não inviabiliza, em grande medida, a “via verde da imigração”, ainda no seu início.
O que faz sentido, dentro das preocupações manifestadas pelo governo, mas salvaguardando a economia, é limitar os vistos de trabalho a pessoas especializadas nas várias profissões, com maiores e menores qualificações, promovendo a produtividade nos setores onde se inserem. Isto porque, como é conhecido, Portugal tem falta de profissionais especializados nas várias profissões da Indústria e mesmo na agricultura e construção, ou seja, pessoas já com experiência e formação nessas áreas, contemplando, assim, trabalhadores com menores e maiores habilitações académicas, dependendo da profissão.
Portugal precisa de elevar o seu perfil de especialização para um maior peso de setores intensivos em conhecimento e tecnologia, mas isso não se faz restringindo a entrada de mão-de-obra pouco qualificada, a meu ver. Faz-se, isso sim, com incentivos, com realce para a concentração dos fundos do PT2030 para projetos com maior produtividade e valor acrescentado, de forma transversal e não distorcionária, como venho a defender, e dar mais atenção à indústria (e serviços conexos), que tem tido muito menos medidas dedicadas por parte deste governo do que o turismo, incluindo no recente programa de governo.
Ou seja, a menor necessidade de mão-de-obra menos qualificada deverá resultar da alteração do perfil de especialização – em função de políticas adequadas em várias áreas, dentro de uma estratégia coerente – e não o contrário, senão arriscamo-nos a restringir setores importantes da economia nacional.
2. Propostas de melhoria da política de imigração salvaguardando melhor a economia
Tendo em conta a análise anterior, sintetizo abaixo as minhas sugestões na área crítica da imigração, incluindo as medidas em curso e as novas propostas, com vista a salvaguardar a economia e a sua capacidade de crescimento, que também influi na sustentabilidade do Estado social, convém lembrar.
2.1. Avaliação e correção das medidas já em curso:
2.1.1. Avaliação do impacto sobre o fluxo de imigração e a economia do fim do RMI e a sua substituição pelo regime da “via verde da imigração” – tornando os resultados públicos –, incluindo a auscultação dos parceiros sociais, com realce para a apreciação dos representantes das empresas.
2.1.2. Caso haja problemas operacionais na “via verde”, como sugerem as queixas que tenho lido dos empresários, deve ser aumentada a resposta e eficácia do mecanismo, que se afigura potencialmente virtuoso por promover uma imigração regulada pela atividade económica e a sua dinâmica de crescimento, geradora de mais recursos e capacidade para o Estado e a sociedade absorverem e integrarem esse fluxo regular de imigrantes. Isto, se é mesmo intenção do governo aumentar o potencial de crescimento económico, como emerge do cenário macroeconómico do programa eleitoral da AD.
2.2. Moderar as novas propostas mais penalizadoras da economia:
2.2.1. Manter o congelamento de vistos de residência CPLP e restringir a concessão de vistos de trabalho a imigrantes especializados, ou seja, trabalhadores com a formação e experiência necessários nas profissões que as empresas buscam na “via verde” – o que promoverá a produtividade –, comportando assim pessoas com mais e menos habilitações académicas. Será muito redutor restringir os vistos de trabalho a profissões altamente qualificadas, como previsto. Pode ser dada prioridade a vistos de trabalho de países lusófonos, mas tal implica maior capacidade de articulação do Estado (e.g., consulados) na resposta em tempo útil às necessidades de mão-de-obra das empresas.
2.2.2. Se, após o ponto de situação e os ajustamentos acima propostos, se considerar que é mesmo preciso avançar com o aumento do tempo necessário para a aquisição da naturalidade, tal deve ter em conta os regimes existentes em países com nível de vida próximo de Portugal, pois é sobretudo com esses que competimos na capacidade de atração de mão-de-obra imigrante.
Nesse caso, sugiro antes elevar o tempo de residência necessário para pedir a naturalização dos atuais 5 anos para 6 anos para cidadãos de países lusófonos e 8 anos para cidadãos de países não lusófonos. Tal significaria que, em vez de se tornarem naturalizados no 6º ano (na melhor das hipóteses), como até aqui, tal passaria a suceder no 7º e 9º anos, respetivamente, afastando-nos dos regimes mais restritivos da tabela 1 (valores reportados a 2023, relembro).
Na formulação do governo, a naturalização ocorre no 8º ano para cidadãos lusófonos – número muito próximo do registado nos países mais restritivos – e no 11º ano para não lusófonos, que seria mesmo a situação mais restritiva na UE, considerando a tabela. Sublinho que a proposta, como está, poderá levar à saída de imigrantes a curto prazo e baixar a sua atração no futuro, prejudicando o crescimento económico e a prossecução do cenário macroeconómico do governo. Uma abordagem mais moderada, como a que proponho, poderá ser reforçada mais à frente, após uma avaliação intercalar dos resultados.
2.2.3. Para minorar alguns dos impactos negativos das novas propostas, mesmo que atenuados pelos ajustamentos que acima proponho, sugiro acordos e políticas de incentivo para atrair mão-de-obra de outros países da UE – onde há liberdade de circulação de trabalhadores e comunhão de valores humanistas, relembro –, nomeadamente do sul da Europa, pela maior proximidade cultural, geográfica e até salarial. Embora a prioridade deva ser dada ao regresso dos nossos emigrantes, as políticas de atração de imigrantes qualificados devem favorecer outros países da UE e, fora desse espaço, os países lusófonos.
Defendo uma política de retenção e atração de talento unificada – IRS novo talento, uma dedução à coleta sobre rendimentos de trabalho nos anos após a conclusa de formações superiores –, mas o benefício pode ser discriminado positivamente no caso dos imigrantes em função da sua geografia, pela maior facilidade de integração.
A necessidade de políticas europeias para uma maior fluidez do mercado de trabalho da UE deve ser defendida em Bruxelas, reduzindo as necessidades de imigração do exterior da UE. Além dos países da UE e lusófonos, também podem ser alvo de discriminação positiva trabalhadores de países do Espaço Económico Europeu fora da UE (Noruega, Islândia e o Listenstaine), pela comunhão de valores e população qualificada, podendo ser ainda atraídos pelo nosso clima ameno.
2.2.4. Além das propostas acima, ter ainda em conta os contributos dos parceiros sociais – com realce para os oriundos das empresas –, que deviam ter sido consultados em primeira mão, mesmo antes de terem sido tornadas públicas, pois já poderiam ter surgido mais moderadas e adequadas à economia real.
3. Conclusões
Em suma, o descontrolo do anterior regime de “Manifestação de Interesse” justificava uma correção urgente, e o governo bem fez em extingui-lo e adotar a “via verde da imigração”, ligada à atividade económica pela exigência de um contrato de trabalho prévio (e outros requisitos). Contudo, os resultados dessas medidas deveriam ser analisados e, se necessário, ajustados, antes de avançar para medidas mais restritivas. Se algumas das novas propostas legislativas fazem sentido, outras pecam por excesso e podem comprometer os próprios objetivos económicos do programa da AD se não forem objeto de moderação.
A experiência recente de Portugal e a evidência empírica da UE mostram que a imigração, quando regulada em função da atividade económica e acompanhada de políticas eficazes de integração, é uma condição permissiva para o crescimento sustentado da economia e do nível de vida, sobretudo em países com uma dinâmica demográfica desfavorável e baixa produtividade, como Portugal.
O estudo da FEP que aqui cito reforça a conclusão, ao demonstrar que a imigração é crucial para Portugal atingir um diferencial de crescimento de 1,4 p.p. ao ano, em média, face à UE, o que permitirá entrar na metade de países mais ricos da atual UE em 2033. Para tal, após a forte subida da população estrangeira residente nos dados da AIMA em 2023 e 2024, o fluxo médio de imigrantes necessário até 2033 reduz-se de 138 mil (valor estimado no estudo com os dados da altura) para
- 98 mil ao ano se Portugal crescer 3% ao ano (mediante reformas estruturais) e a UE 1,5% ao ano;
- ou pouco acima dos 80 mil por ano se Portugal crescer 2,5% ao ano e a UE 1%, um cenário que parece mais plausível face ao contexto externo mais difícil, incluindo a guerra das tarifas, bem como a insuficiente capacidade reformista do governo em funções.
Por isso, é essencial evitar medidas que desmotivem a permanência dos que cá estão ou inibam esse fluxo regular de novos imigrantes que precisamos, sob pena de o país falhar os objetivos estratégicos de desenvolvimento que formulei acima e deveriam ser um desígnio nacional. Recomendo, por isso, que o governo reavalie a proposta de alteração à Lei da Nacionalidade, evitando tornar Portugal um dos países mais restritivos da UE em matéria de naturalização.
Em primeiro lugar, aferir se é necessária essa alteração face às medidas já implementadas e outras agora apresentadas – como a política de vistos de trabalho, que pode ser melhorada – e tendo em conta que, durante as primeiras duas décadas do milénio, tivemos uma imigração reduzida com a Lei da Nacionalidade atual, refletindo um baixo dinamismo da economia (sobretudo durante o programa de ajustamento da Troika de credores, que impediu a bancarrota do país).
Nos próximos anos, passados os efeitos temporários do surto de turismo e do PRR, é provável que a economia volte a crescer menos e o fluxo de imigrantes se reduza em consonância mesmo sem medidas adicionais, sobretudo se não houver capacidade de aplicar reformas estruturais essenciais para elevar o potencial de crescimento económico.
Se for necessária, adotar uma versão mais moderada como a que aqui proponho, tendo em conta a situação noutros países da UE com nível de vida próximo: 6 anos de residência para pedir a naturalização no caso de imigrantes de países lusófonos e 8 anos para os demais (estou a assumir que a diferenciação, que me faz sentido em função da rapidez de integração, é legalmente possível).
Tal como está, a medida pode fazer sair de imediato uma quantidade significativa de estrangeiros do país, numa altura em que podem ser decisivos para a execução do PRR (até 2026, relembro), além de prejudicar o normal funcionamento de vários setores de atividade, penalizando ainda a capacidade de manter um fluxo regular de imigração nos anos futuros – para compensar a emigração, o saldo natural negativo e mesmo a saída de uma parte dos imigrantes para outros países – na comparação com outros países com regimes de naturalização mais atrativos e com os quais concorremos na captação de mão-de-obra.
A nova política de vistos, também demasiado restritiva, deve-se focar antes em trabalhadores especializados – com formação e experiência nas diversas profissões, que requerem mais ou menos habilitações académicas – em vez de trabalhadores altamente qualificados.
Para minorar algumas das restrições introduzidas, proponho ainda incentivos à atração de trabalhadores de outros países da UE e Espaço Económico Europeu, além de países lusófonos, no sistema unificado de atração de talento que defendo, que pode ser calibrado para incluir essa discriminação geográfica positiva, pela maior facilidade de integração e/ou nível de qualificação.
Não será fácil aprovar uma versão mais moderada das propostas do governo com o Chega – que pretende ir ainda mais longe em matéria de restrição da imigração –, mas talvez seja possível numa abordagem gradualista, ou seja, com avaliações intercalares da evolução da imigração e possibilidade de novos ajustamentos no futuro, se necessário.
A alternativa será tentar negociar com o PS, que assim teria uma oportunidade de corrigir alguns dos problemas que criou com o RMI, mostrando maior responsabilidade e abertura nesta matéria, e, ao mesmo tempo, evitando que o governo vá longe demais na restrição da imigração e penalização do potencial de crescimento económico. Seria uma boa forma de recuperar algum protagonismo, após perder a liderança da oposição para o Chega em número de deputados.
Termino com a seguinte reflexão, que penso todos perceberão e emana da análise deste artigo. De pouco servirá baixar o IRS e o IRC – e implementar a reforma do Estado, que deve ajudar a compensar a perda de receita associada –, estimulando a competitividade e o crescimento económico, se depois não tivermos trabalhadores suficientes para o concretizar pela restrição excessiva da imigração, pois muitos deles terão de vir do estrangeiro face ao envelhecimento da população.
Nesse caso, o resultado mais provável é um crescimento económico insuficiente, que não permite financiar a Saúde e a Educação, e um aumento dos salários acima da produtividade, que mina a competitividade e gera mais inflação (perda de poder de compra). Será isto que o país quer? Como diz a sabedoria popular, ‘no meio está a virtude’. É altura de aplicar este preceito.
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Imigração entre o imperativo do controlo e a economia
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