A energia das ondas, ainda que embrionária, tem um elevado potencial energético. Custo e falta de maturação das tecnologias são entraves, mas países como Portugal estão a afirmar a sua aposta.
No dia em que se assinala o Dia Mundial dos Oceanos, olhamos para as ondas e o seu potencial energético ainda por explorar.
De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), a energia das ondas poderia satisfazer todas as necessidades de eletricidade do mundo se fosse devidamente explorada. O problema é que estas tecnologias, além de exigirem um grande volume de investimento, ainda não atingiram o nível de maturidade necessário, ainda que países como os Estados Unidos, China e até Portugal tencionem mudar isso.
“No caso das ondas, não havia nenhuma experiência de como fazer, e portanto começaram a surgir 30, 40 sistemas completamente distintos. Havia uma grande dispersão. As tecnologias que existem hoje são muito inovadoras, mas com um elevado risco” aponta António Sarmento, engenheiro e antigo presidente da Wavec, consultora especialista em energias renováveis marítimas.
Formam-se ondas quando o vento sopra sobre a superfície da água. Dispositivos chamados conversores de energia das ondas captam a energia das ondulações na água e transformam-na em eletricidade.
Atualmente, existem diferentes abordagens um pouco por todo o mundo. Alguns dispositivos flutuam sob a água, enquanto outros estão ancorados no fundo do oceano, com uma profundidade de até 40 metros. Outra técnica é desviar as ondas para um canal estreito e alimentar uma turbina.
Segundo a AIE, a produção de energia a partir dos oceanos pode ser um grande impulsionador no caminho rumo à neutralidade carbónica, prevista para 2050. No entanto, a aposta teria de crescer 33% todos os anos até 2030. Nos últimos 10 anos, tem-se assistido a níveis de produção recorde sucessivos, mas ainda estão longe dos objetivos necessários.
A entidade liderada por Fatih Birol aponta que, em 2020, produziram-se 1,6 terawatt-hora (TWh) de energia a partir das ondas, atingindo um novo máximo histórico, ao passo que, no ano anterior, o teto tinha-se situado nos 1,2 TWh. Até 2030, o salto terá de ser superior a 1500% e terá que atingir os 27 TWh para que esteja alinhado com os objetivos do net zero.
“A energia oceânica ainda está muito abaixo das taxas de crescimento necessárias para se conseguir atingir os níveis de longo prazo do cenário”, frisa a entidade.
Hoje, esta capacidade teria sido suficiente para abastecer o mundo. Dados da AIE apontam que o consumo mundial de eletricidade, em 2019, tenha sido de cerca de 22 TWh.
Portugal tem 4 GW de capacidade escondidos nas ondas
As ondas têm a maior densidade energética de todas as fontes de energia renováveis, em comparação com outras como a eólica, solar, biomassa e geotérmica. Isto significa que as ondas têm o maior potencial para serem um importante contribuinte para o mix energético a nível global.
“O maior desafio da transição energética para um mundo zero em carbono não é a quantidade total de energia limpa disponível, mas sim garantir que há sempre eletricidade limpa disponível, todos os dias do ano. Aqui entra a energia das ondas para tapar os vazios da produção de energia através do vento e da energia solar, para manter a estabilidade da rede”, explica ao Capital Verde a sueca CorPower Ocean, que instalou, em 2022, em Portugal, a sua primeira de quatro unidades de produção de energia das ondas.
Localizado a 5,5 quilómetros da costa, na zona da praia da Aguçadoura, a sul de Viana do Castelo, o HiWave-5 conta com quatro conversões de energia (C4 Wave Energy Converter (WEC)). Cada uma destas quatro unidades terá uma potência de 300 kilowatts (kW), o que dará ao parque de energia das ondas uma capacidade total de 1,2 megawatts (MW).
Desde a sua instalação, a empresa sueca esteve focada em testar a eficácia do sistema que garante produzir energia suficiente para alimentar mil habitações, num investimento de 16 milhões de euros.
“Estamos agora prontos para implantar o CorPower C4, o nosso primeiro dispositivo à escala comercial, e começar a produzir eletricidade para a rede portuguesa”, garantiram os suecos.
Para António Sarmento, esta fase de testes que decorreu no final de 2022 será crucial para o futuro do setor. “A partir do momento em que demonstram que a tecnologia funciona, não tem riscos, ou que tem riscos limitados, é mais fácil ir buscar financiamento porque as pessoas percebem que funciona”, explica.
Mas a CorPower é apenas um exemplo de um setor que visa aproveitar o potencial de uma longa linha costeira para a geração de eletricidade. As estimativas do Plano Nacional de Energia e Clima de Portugal — atualmente em revisão — estimam que das ondas se possa obter entre 3 a 4 GW de potência.
“As condições para a energia das ondas em Portugal são excelentes”, frisa a empresa sueca ao Capital Verde, explicando que localizações com uma exposição direta a grandes oceanos e com ondas capazes de viajar sem interrupções antes de chegar à costa, como acontece em Portugal, “têm tipicamente um desempenho atrativo e podem tirar a maior vantagem do fluxo consistente de energia em combinação com outras fontes renováveis intermitentes”.
Os suecos da Corpower instalaram os seus dispositivos na mesma zona onde, em 2008, tinha sido inaugurado o primeiro parque de produção de eletricidade comercial a partir de ondas no mundo. O Parque de Ondas de Aguçadoura, da irlandesa Pelamis Wave Power, começou a fornecer 22,5 MW de eletricidade produzida por três geradores Pelamis, em setembro de 2008.
Os três primeiros conversores, contudo, tiveram de ser rebocados de volta ao porto após quatro meses de entrada em serviço devido a problemas técnicos. A crise financeira global de 2008 tornou o financiamento necessário para a reinstalação dos dispositivos ainda mais difícil e, por isso, o projeto não voltou ao alto mar.
Além dos suecos, também a israelita Eco Wave Power decidiu apostar no potencial de Portugal. Em 2021, a sua subsidiária portuguesa, EW Portugal – Wave Energy Solution, recebeu uma licença para o projeto piloto que visa instalar e ligar à rede uma primeira unidade de produção de energia das ondas de 1 MW no lado oceânico do quebra-mar da Barra do Douro.
O projeto de 1 MW está previsto para ser a primeira fase de um contrato de concessão de 20 MW celebrado com a Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo.
Governos devem reforçar políticas e incentivos
O financiamento é, de facto, um grande entrave deste setor uma vez que ainda se encontra nas fases iniciais de desenvolvimento. Seja pela construção dos geradores, das plataformas ou pela ligação à rede elétrica – que difere se o fundo do mar for rochoso, e, por isso, obriga a materiais mais resistentes. Espera-se que, à medida que o setor cresça, como resultado da crescente evolução da procura por energias renováveis, que os custos das tecnologias das ondas diminuam e atinjam o patamar dos custos da produçãosolar ou eólica.
Neste aspeto, a Agência Internacional de Energia elege o apoio governamental como um elemento chave para o setor, através do desenho de políticas e financiamento para investigação e desenvolvimento, bem como através do desenvolvimento de regulamentos de apoio e da criação de incentivos para a implantação de sistemas de energia das ondas.
Este artigo integra a segunda edição do anuário do Capital Verde, Yearbook, já disponível.
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Nas ondas, existe potencial energético suficiente para abastecer o mundo
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