Pressão dos investidores sobre França dá empurrão às obrigações de Portugal

A crise política em França está a afastar os investidores dos títulos de dívida gaulesa, que procuram refúgio em obrigações de países como Portugal, onde as yields atingem mínimos de dois anos.

A turbulência política em França está a desencadear uma mudança significativa no comportamento dos investidores no mercado de dívida pública da Zona Euro. Com as yields das obrigações francesas a dispararem devido à perceção de maior risco político e financeiro, economias como Portugal, Espanha e Alemanha têm-se tornado destinos preferenciais para investidores em busca de maior segurança ou equilíbrio entre risco e retorno.

“As yields das soberanas de França apresentam-se relativamente mais elevadas (novamente um eco do verão passado com as presidenciais) e em trajetória de aumento moderado em comparação com outros países da Zona Euro, especialmente na maturidade de 10 anos”, refere João Queiroz, Head of Trading do Banco Carregosa.

A situação em França é tão grave que a dívida francesa já é considerada tão arriscada quanto a grega, um facto que poucos teriam previsto há alguns meses.

Desde as eleições antecipadas convocadas por Emmanuel Macron em junho, que a política francesa entrou em território incerto. A ausência de uma maioria parlamentar resultou numa Assembleia Nacional fragmentada que está a dificultar a aprovação do Orçamento do Estado para 2025, onde se prevê uma consolidação fiscal de 60 mil milhões de euros e que enfrenta resistência feroz da oposição liderada por Marine Le Pen e o seu partido, a União Nacional, bem como pela esquerda unida no Novo Bloco Popular​​.

Esta paralisia política está a ter consequências diretas nos mercados financeiros. O spread das yields das obrigações do Tesouro francês a 10 anos e as Bunds alemães não só atingiu o nível mais elevado desde 2012, como já chegou a ultrapassar o spread praticado pelas obrigações gregas, refletindo assim a perceção de risco crescente de França por parte dos investidores.

“O aumento dos spreads é um sinal claro de que os investidores estão a perder confiança na capacidade de França em gerir a sua dívida pública e em estabilizar as suas finanças”, refere Daniel Loughney, diretor do departamento de obrigações da Mediolanum International Funds​, citado pela Bloomberg.

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Além disso, a degradação das classificações de crédito francesas por parte das principais agências de notação nos últimos anos, nomeadamente com duas revisões em baixa em 2023 e, mais recentemente, com a colocação do outlook da economia francesa em nível “negativo”, contrasta com a trajetória mais otimista de outros países da região.

É disso exemplo a Itália, que está em observação positiva pela Fitch, e de Portugal, que ao longo de 2023 contou com várias subidas do nível de risco da sua dívida, terminando o ano com as três principais agências de rating a colocarem a República em patamares de “A”.

Esta divergência por parte das avaliações das agências de notação de risco acentuou ainda mais o movimento de saída de capital de França para outros mercados europeus​​ ao longo dos últimos meses, que se traduz numa subida constante das yields das obrigações gaulesas, em oposição de uma queda das taxas das obrigações do Tesouro dos restantes países da Zona Euro.

Na sexta-feira, Marine Le Pen, líder da extrema-direita, aumentou a pressão sobre o Governo francês liderado por Michel Barnier, dando até esta segunda-feira ao primeiro-ministro a possibilidade de aceitar as suas exigências orçamentais, para evitar a queda do Governo.

Portugal e outros beneficiários da crise francesa

A procura por alternativas à dívida francesa tem beneficiado significativamente países como Portugal e Espanha. “Apesar de uma perceção de risco ligeiramente maior relativamente à Alemanha e Países Baixos, ambos os países continuam a beneficiar de spreads atrativos e de uma melhoria estrutural nas suas condições fiscais e financeiras nos últimos anos”, refere João Queiroz.

A yield das obrigações do Tesouro de Portugal a 10 anos fecharam na sexta-feira a negociar nos 2,53%, o valor mais baixo desde agosto de 2022, colocando o spread face às congéneres alemãs abaixo dos 50 pontos base, algo que não acontecia desde agosto de 2008. “Portugal está a demonstrar um equilíbrio entre risco e retorno que é muito apelativo para investidores que querem diversificar as suas carteiras”, reforça João Queiroz​.

Portugal, que até há pouco mais de uma década enfrentava sérias dificuldades económicas, está agora a beneficiar de um cenário global adverso, mostrando como as reformas estruturais e a gestão fiscal responsável podem transformar vulnerabilidades em vantagens competitivas.

A melhoria estrutural da economia portuguesa nos últimos anos, que inclui a redução do rácio da dívida pública para níveis abaixo dos 100% pela primeira vez em 14 anos e um crescimento económico moderado em convergência com a média da Zona Euro, coloca Portugal numa posição vantajosa em comparação com o passado, quando era visto como um dos países mais vulneráveis da área do euro, alimentando a atratividade dos títulos de dívida de Portugal no mercado obrigacionista.

Além de Portugal, também Espanha tem ganho com a “fuga” dos investidores dos títulos franceses. Isso é espelhado numa tendência de queda da yield das obrigações a 10 anos desde outubro do ano passado, que culminou numa taxa de 2,79% na sexta-feira, o valor mais baixo desde dezembro de 2022. Mas é a Alemanha que continua a liderar como o porto seguro da região. O diferencial de yields entre as Bunds alemães e as obrigações francesas é um reflexo direto da preferência dos investidores por ativos mais seguros em tempos de incerteza​.

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Implicações da pressão sobre a França para a Zona Euro

A crise em França também levanta questões mais amplas sobre a estabilidade da Zona Euro. Com as yields francesas a aproximarem-se das de Itália e até a ultrapassarem as da Grécia, um antigo símbolo da fragilidade económica europeia, a confiança na coesão financeira do bloco está a ser testada.

Esse cenário de instabilidade no bloco europeu ganhou novos contornos na sexta-feira com Marine Le Pen, líder da extrema-direita, a aumentar a pressão sobre o Governo gaulês, dando a Michel Barnier até esta segunda-feira para aceder às suas exigências orçamentais antes de decidir se derruba o Executivo.

“Um voto de não-confiança [por parte do Parlamento] poderia anular qualquer progresso alcançado com o orçamento atual e mergulhar o país num novo período de limbo político”, afirma​ Michiel Tukker, do banco neerlandês ING.

O National Rally de Marine Le Pen exige que Michel Barnier altere os planos orçamentais para 2025, que incorporam 60 mil milhões de euros em ajustes fiscais. Essas exigências englobam o abandono da proposta de redução dos reembolsos de medicamentos, o estabelecimento de uma moratória sobre novos impostos ou aumentos de impostos para a maioria dos cidadãos, a indexação das pensões à inflação a partir de 1 de janeiro e a implementação de políticas mais rigorosas em matéria de migração e criminalidade.

Portugal, que até há pouco mais de uma década enfrentava sérias dificuldades económicas, está agora a beneficiar de um cenário global adverso, mostrando como as reformas estruturais e a gestão fiscal responsável podem transformar vulnerabilidades em vantagens competitivas. Mas embora a instabilidade francesa possa parecer benéfica para países como Portugal no curto prazo, a estabilidade a longo prazo da Zona Euro depende da saúde económica de todos os seus membros, incluindo de França.

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