A duas semanas da entrada em vigor do novo regime dos trabalhadores independentes, a secretária de Estado da Segurança Social explica, ponto por ponto, o que vai mudar para quem passa recibos verdes.
Ao refletirmos sobre os desafios que se colocam ao mundo do trabalho, não podemos deixar de fazê-lo num contexto mais abrangente, analisando os impactos das mudanças profundas nas relações laborais induzidas pelas mudanças tecnológicas. As consequências da digitalização, da automação, da robotização ou a inteligência artificial não têm impacto apenas no plano das competências profissionais, mas também no tipo de emprego que a economia gera e nas condições de trabalho associadas a essas novas formas de emprego. É neste contexto que são necessárias adaptações aos sistemas de proteção social, aliando aos avanços tecnológicos avanços sociais.
O sistema de segurança social português, como na generalidade dos outros países, foi construído tendo por base os trabalhadores por conta de outrem, quer do ponto de vista contributivo, quer da cobertura das eventualidades. Mais tarde, a introdução do trabalho independente criou incoerências no sistema: da incerteza das remunerações, à instabilidade da relação entre trabalhador e entidade contratante, ou à iniquidade da cobertura social dos trabalhadores independentes face aos trabalhadores por conta de outrem.
Nos anos mais recentes, sobretudo a entrada em vigor do Código dos Regimes Contributivos, ou da proteção no desemprego, o sistema de segurança social deu passos muito significativos para adaptar o sistema ao trabalho independente. Razão pela qual a Comissão Europeia tem apontado Portugal como exemplo a seguir nesta matéria pelos restantes Estados membros.
Ainda assim, uma percentagem muito elevada de trabalhadores independentes tem vindo a constituir carreiras contributivas com remunerações de referência muito baixas, situação agravada com as alterações ao Código Contributivo introduzidas com o Orçamento do Estado para 2014, conduzindo-os no futuro a uma proteção social de mínimos. Este é um dos grandes objetivos da reforma que levamos a cabo: garantir maior proteção social, protegendo nas situações de desemprego, na doença, na parentalidade, mas também nas pensões de velhice ou invalidez. E é também um objetivo de equidade, porque trabalhadores por conta de outrem e trabalhadores independentes devem beneficiar de um sistema de proteção social tão aproximado quanto possível.
Até aqui, o regime dos trabalhadores independentes, assente em escalões definidos de acordo com os rendimentos declarados em sede de IRS, através do volume de negócios, tinha o problema do desfasamento temporal entre o escalão definido e os rendimentos que o determinavam, que, muitas das vezes, já não coincidiam com os rendimentos auferidos no momento do pagamento da contribuição. Foi neste sentido que foi efetuada uma alteração profunda no regime contributivo dos trabalhadores independentes, tendo como objetivo aproximar temporalmente o valor da contribuição a pagar aos rendimentos relevantes mais recentemente auferidos.
Por outro lado, mantendo-se a preocupação de garantia de uma efetiva proteção social, e mesmo o seu reforço, foi definida uma contribuição mínima que permita estabilidade na carreira contributiva.
O cumprimento de uma obrigação contributiva e a promoção da estabilidade na carreira vem prevenir situações de ausência de prazo de garantia na atribuição de prestações sociais resultantes de grandes oscilações de rendimento.
O novo regime vem também reavaliar o regime das entidades contratantes, tendo em vista o reforço da justiça na repartição do esforço contributivo entre contratantes e trabalhadores independentes, com forte ou total dependência de rendimentos de uma única entidade.
E não menos importante, o novo regime pretende contribuir para a transparência do sistema, em linha com a estratégia definida por este Governo para a segurança social, tendo como base a plataforma Segurança Social Direta.
O que muda com o novo regime
Assim, de uma forma objetiva, as grandes alterações do novo regime dos trabalhadores independentes têm em implicações em três níveis: nas obrigações declarativas, nas obrigações contributivas e nas entidades contratantes. Tentarei de seguida expor as principais mudanças nestas três dimensões:
- Obrigações declarativas:
O trabalhador independente (TI) tem de efetuar no início de cada trimestre uma declaração de rendimentos para efeitos de apuramento da base de incidência contributiva. Estas declarações são obrigatórias e devem ser efetuadas na Segurança Social Direta (SSD), necessitando de ter uma senha de acesso, que pode já ser solicitada e recebida na hora, através de SMS ou correio eletrónico, com ativação imediata do acesso à Segurança Social Direta.
A primeira declaração trimestral obrigatória deve ser entregue já no próximo mês de janeiro de 2019.
Os períodos declarativos em vigor em 2019 são os seguintes:
A base de incidência contributiva é apurada trimestralmente com base numa declaração do Trabalhador Independente referente aos rendimentos auferidos nos 3 meses anteriores.
O rendimento relevante corresponde, tal como no regime em vigor, à aplicação de uma percentagem de 70% ou 20% ao volume de negócios registado nos últimos 3 meses, consoante se trate de prestação de serviços ou de vendas.
O TI pode optar em cada trimestre por um acréscimo ou por uma diminuição até 25% do volume de negócios a considerar para efeitos de apuramento da contribuição mensal a pagar nos 3 meses seguintes.
Em janeiro do ano seguinte àquele a que os rendimentos dizem respeito, o Trabalhador Independentes deve confirmar os rendimentos declarados no ano anterior, podendo efetuar nesse momento alterações.
Os rendimentos declarados são validados no ano seguinte através de cruzamento com a respetiva declaração de IRS, podendo ser apurada obrigação contributiva.
- Obrigações contributivas:
A obrigação contributiva mensal resulta da aplicação da taxa contributiva ao rendimento relevante dos três meses anteriores, dividido pelos três meses seguintes. É definido um montante mínimo de contribuição mensal de 20 euros. É definido um montante máximo de contribuição, à semelhança do regime em vigor, de 12 vezes o valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS).
As taxas contributivas são as seguintes:
- Entidades contratantes:
É considerada entidade contratante as pessoas coletivas e pessoas singulares com atividade empresarial que beneficiem de, pelo menos, 50% do valor total da atividade de um trabalhador independente.
A taxa contributiva a aplicar à entidade contratante é: 7%, quando se verifica uma dependência económica do trabalhador independente de uma única entidade contratantes entre 50% e 79%; 10% quando se verifica uma dependência económica do trabalhador independente de uma única entidade contratantes entre superior a 80%.
O novo regime contempla um conjunto de isenções e exclusões: É eliminada a isenção para os trabalhadores independentes que acumulam com trabalho por conta de outrem quando o rendimento relevante ultrapassa quatro vezes o valor do IAS/mês (atual 6.º escalão). Saliento que nestas situações o trabalhador independente paga contribuição apenas pela diferença entre rendimento relevante e o limite (4 IAS).
Mantêm-se as situações de exclusão em vigor. Mantêm-se as situações de isenção para os pensionistas de invalidez, velhice ou risco profissional. Isenção para trabalhadores independentes que tenham tido 12 meses de pagamento de contribuição mínima (20 euros).
O novo regime dos trabalhadores independentes assenta assim num conjunto de princípios fundamentais que visam fortalecer a relação de confiança entre os trabalhadores independentes e a Segurança Social, porque promove estabilidade na carreira contributiva; porque reforça a repartição de esforço contributivo entre trabalhadores independentes com forte ou total dependência de rendimentos de uma única entidade e porque reforça a sua proteção social.
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