A casa é o lugar mais importante do mundo

  • Duarte Fonseca
  • 5 Abril 2021

Acredito, depois de anos a dedicar-me ao tema, que o futuro do sistema prisional passa pela criação de lugares mais pequenos, mais próximos da realidade de uma casa, inseridos em comunidades locais.

Tive a sorte de antes de trabalhar na APAC ter trabalho na Associação Just a Change, que cedo me ajudou a perceber a importância desta frase poderosa, célebre por ter sido dita pelo CEO do IKEA.

A casa é o lugar onde o nosso dia começa e o nosso dia acaba, é onde nos sentimos seguros e onde criamos relações. A casa é onde educamos os nossos filhos e recebemos os nossos amigos. A casa é onde nos abrigamos quando queremos isolar-nos do mundo para estarmos simplesmente sozinhos, e é onde temos o nosso espaço de intimidade. A casa é o sítio que nos abriga do frio no inverno e do calor no verão. Ou pelo menos assim deveria ser, sabendo que nem todos os portugueses vivem nas mesmas condições.

Existem imensos estudos que relacionam o potencial de sucesso na vida com o grau de conforto que existe na casa onde crescemos, esse lugar que é o mais importante do mundo.

Então se sabemos que o espaço e a casa influenciam o nosso comportamento e o nosso potencial de futuro, podemos facilmente perceber que qualquer tipo de institucionalização (quando por força maior tem mesmo que existir) deveria ser vivida, tanto quanto possível, num ambiente o mais próximo possível de uma casa. Isto é já aplicado a uma série de problemáticas, desde crianças e jovens em risco – com as casas de autonomização –, a pessoas portadoras de deficiências, ou até aos idosos, que nos melhores lares (não acessíveis a todos) e quando ainda têm autonomia, vivem em pequenos apartamentos autónomos do resto do lar. Outro possível exemplo são as comunidades terapêuticas, que apoiam os processos de desintoxicação de pessoas com problemas de adição, onde também existe esta tendência para a criação de espaços confortáveis e sempre que possível próximos da realidade de uma habitação própria.

Isto tudo deve-se ao facto de que realmente não existe nada que nos faça sentir mais seguros, mais em paz e mais motivados do que o nosso próprio espaço, a nossa casa. Porque a casa é o lugar mais importante do mundo. Pude, no fim de vida da minha avó, presenciar estas afirmações de forma muito nítida. Devido aos seus 98 anos, muitas vezes achava que não estava em casa e ficava muito transtornada e ansiosa a pedir-nos a todos para a levarmos para casa, o seu espaço, onde poderia estar finalmente em paz.

Assim, e reconhecendo esta realidade que nos é importante, pergunto-me se as nossas prisões, algumas com centenas de pessoas aí residentes, poderão algum dia assemelhar-se a casas? Será que poderão propiciar o ambiente e espaço certo para a promoção da reinserção na sociedade destas pessoas?

Acredito, depois de anos a dedicar-me ao tema, que o futuro do sistema prisional passa pela criação de lugares mais pequenos, mais próximos da realidade de uma casa, inseridos em comunidades locais. Não é por serem casas que deixam de ter regras e de ter segurança, mas permitirão o envolvimento dos seus residentes no seu próprio processo de reinserção de forma mais motivada e alinhada com as suas expectativas de futuro. Porque quer queiramos quer não, todos aqueles que hoje se encontram nas nossas prisões vão voltar a ser livres, pessoas com direitos e deveres. Eu gostava que fossem livres, mas gostava ainda mais que estivessem verdadeiramente encontrados na sua vida e nas suas expectativas de futuro, porque só isso transformará a sua liberdade em processos de reinserção mais seguros e eficazes para todos.

Esta ideia de as prisões do futuro serem casas não é algo que não se tenha já feito. Aliás, no passado, em Portugal, tínhamos as chamadas prisões comarcãs que eram originalmente pequenas e inseridas nas nossas comunidades. Vejamos o caso do estabelecimento prisional de Torres Novas (uma antiga prisão comarcã) que tem índices de envolvimento no trabalho em meio prisional e em atividades de formação das pessoas que aí estão reclusas muito acima da média nacional. Para além disso, podemos ver outros casos europeus, como é o caso de França, Itália, Bélgica ou Holanda, onde as chamadas casas de transição são já uma realidade. As casas de transição são muitas vezes lugares externos às prisões, onde as pessoas reclusas podem cumprir os últimos um a dois anos de pena que antecede a liberdade condicional.

O objetivo do Prison Insights – um evento organizado pela APAC Portugal e pelo Instituto Miguel Galvão Teles – em 2021 é precisamente este: o de dar a conhecer, a partir da experiência de oradores internacionais, os desafios e benefícios das casas de detenção, como solução alternativa às prisões tradicionais.

* Saiba mais sobre os oradores e sobre como participar aqui. As 5 sessões online terão lugar nos dias 29 de abril, 6, 13, 20 e 27 de maio.

  • Duarte Fonseca
  • Diretor executivo da APAC Portugal

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