A maçã da Apple reluz, mas também tem os seus podres
Atrás dos iPhones e dos Macs, o logótipo da Apple brilha. Mas nem sempre a realidade é reluzente. O monopólio da App Store deve ser quebrado e a aposta na China está a gerar problemas no presente.
Elogiei a Apple na semana passada, por ter reforçado a privacidade nos iPhones. Mas também escrevi que a empresa “é criticável noutros assuntos”.
Chegou o momento de falar sobre eles.
Decorreu na segunda-feira o último dia de alegações no processo que envolve a marca e a produtora do videojogo Fortnite. Esta última, a Epic Games, cansou-se de pagar uma comissão à Apple por cada transação feita no iOS. Em 2020, seguiu a via judicial.
Após vários dias de trocas de argumentos, em que até Tim Cook foi chamado à barra do tribunal, a juíza responsável vai agora decidir se a App Store é ou não um monopólio.
A magistrada disparou nas duas direções e mostrou imparcialidade ao longo do processo, que é o que se exige a alguém que vai proferir uma das decisões mais consequentes de sempre para o setor da tecnologia. Por isso, é arriscado dar um palpite sobre qual vai ser a conclusão.
Segundo a imprensa internacional, o líder da Epic Games, Tim Sweeney, não foi particularmente eloquente a explicar porque é que defende que a loja de aplicações da Apple é um monopólio que tem de ser quebrado. Mas Cook, líder da Apple, também não foi brilhante, mostrando ignorância sobre aspetos centrais do negócio da App Store, como qual a receita gerada pelo serviço para a marca da maçã.
A App Store é uma peça central do iPhone, assim como a Play Store o é para o Android. O apertado sistema de verificação prévia das aplicações implementado pela empresa previne que os utilizadores instalem malware ou outro software nocivo. Mas os 30% que a empresa cobra aos programadores são difíceis de justificar.
Ao contrário do sistema da Google, a Apple não permite que programadores forneçam lojas de aplicações alternativas (é por isso que a loja da startup portuguesa Aptoide não está disponível no iOS). E exige que todas as transações feitas em aplicações no iPhone sejam processadas através do seu sistema de pagamentos.
Por exemplo, um leitor que assine o ECO no iPhone paga cinco euros por mês e a Apple retém 30% deste valor (1,5 euros). O mesmo leitor pode comprar a assinatura no site por um preço equivalente, mas a “fatia” que o jornal recebe, no fim, é bastante superior.
O problema é que a Apple não permite que o ECO informe os leitores disso mesmo na aplicação. Isto é assim para todos os developers com aplicações na App Store. Quem o faz é punido com expulsão, como aconteceu com o Fortnite quando a Epic Games tentou contornar o sistema no ano passado.
(Disclaimer: Enquanto jornalista do ECO, sou indiretamente interessado no assunto, mas não tenho poder de decisão nem qualquer envolvimento nesta matéria.)
O processo da Epic Games contra a Apple decorre nos EUA. Mas é provável que seja cá, na Europa, que o futuro deste mercado fique definido. O assunto está a ser investigado pela Comissão Europeia, na sequência de uma queixa da empresa sueca Spotify.
O caso do Spotify é ainda mais icónico. Além de a Apple cobrar 30% à plataforma por cada assinatura, a marca do iPhone concorre diretamente com a empresa sueca através do serviço Apple Music. Tal gera uma situação absurda, em que o Spotify, ao investir na captação de novos clientes, acaba por beneficiar também o seu principal concorrente.
A Apple trabalhou muito para ser a empresa que é hoje. Nada lhe pode tirar o mérito. Mas nunca pode o mérito justificar um monopólio. A dimensão da Apple está a prejudicar empresas mais pequenas e até concorrentes diretos e isso tem de ser resolvido.
Mas as comissões elevadíssimas da App Store não são o único podre da maçã. Os produtos da marca são designed in California, mas a etiqueta podia ser made in China. E a dependência da Apple face àquele país tem gerado problemas para uma empresa que se diz defensora da privacidade dos utilizadores.
Enquanto cliente da Apple em Portugal, tenho a convicção pessoal de que os meus dados estão seguros. O mesmo não pode dizer um cidadão na China, onde os dados dos utilizadores no país são mantidos em data centers geridos por empresas estatais chinesas.
É certo que a Apple segregou o “iCloud global” do “iCloud chinês”. Mas isso não faz a situação parecer melhor: a Apple nos EUA, em Portugal ou na China não deixa de ser a Apple.
Outro problema é que, dada a complexidade da cadeia de abastecimento e o seu enraizamento naquele país asiático, torna-se impossível de controlar todos os fatores. Aqui, o problema agrava-se.
Este mês, sete fornecedores da Apple na China foram acusados de recorrerem a trabalho escravo na província de Xinjiang, onde o regime comunista chinês tem sido acusado de violar os direitos humanos da minoria muçulmana uigure. Estas pessoas têm sido aprisionadas em “campos de reeducação” e forçadas a trabalhar.
Atrás dos iPhones, iPads e Macs, o logótipo da Apple brilha. Mas a realidade é mais escura: uma maçã que por fora é vermelha, bonita e reluzente, mas que tem várias partes podres por dentro.
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