A nova Economia do Hidrogénio e alguns dos seus (múltiplos) desafios
O que se deverá procurar é um equilíbrio entre o interesse público subjacente à introdução do Hidrogénio no contexto energético nacional e os custos daí decorrentes
I. Os passos de uma nova economia do Hidrogénio e os seus desafios
No passado dia 30 de julho, o Governo aprovou a Resolução do Conselho de Ministros que define a Estratégia Nacional para o Hidrogénio, promovendo «a introdução gradual deste gás como pilar sustentável e integrado na mais abrangente estratégia de transição para uma economia descarbonizada».
Trata-se de um documento que procura salientar a importância do Hidrogénio para a transição energética nacional e, em particular, para a progressiva redução das componentes (integrais ou residuais) de dióxido de carbono nos diversos segmentos da atividade económica nacional, com particular destaque para os transportes e a indústria.
A tal acrescem os compromissos a que Portugal se encontra vinculado no âmbito do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e, mais concretamente, ao nível do Plano Nacional de Energia e Clima 2030.
Não obstante as críticas mais vivas às principais implicações, nos planos económico-financeiro e tarifário, que resultam da introdução do Hidrogénio e respetivos regimes de produção, o passo dado pelo decisor público nacional está em linha com as melhores práticas e tendências existentes à escala internacional e, em particular, no contexto da União Europeia.
Este aspeto é facilmente comprovável não apenas pelos elucidativos dados fornecidos pela International Energy Agency, no seu relatório de junho de 2019 (“The Future of Hydrogen”), preparado sob a égide do G20, mas também pelo conjunto de amplas iniciativas em torno da utilização do Hidrogénio “Verde” na União Europeia, conforme se pode constatar ao nível das diversas “calls” para financiamento de projetos nesta área, promovidos sob a égide do FCH JU (“The Fuel Cells and Hydrogen Joint Undertaking”), uma parceria público-privada que conta com a participação da Comissão Europeia e tem como objetivo fomentar, de entre outras, a investigação, desenvolvimento e apresentação de resultados no domínio da tecnologia do Hidrogénio.
Existem muitas razões, de natureza científica, técnica e (necessariamente) económica para a introdução do Hidrogénio “Verde” como vetor estruturante num movimento de transição (faseada) para um novo paradigma de sistema económico onde, em particular ao nível do mercado dos fatores, o Hidrogénio passe a desempenhar um papel fundamental.
Procuraremos, de forma muito sintética, elencar alguns.
II. O desafio tecnológico
O Hidrogénio é o elemento químico mais abundante no Universo, correspondendo a cerca de 75% da respetiva massa elementar. Todavia, não se encontra em estado livre na Natureza, de tal forma que a respetiva produção é obtida através da separação de outros elementos com os quais se combina, através de processos que consomem energia, designadamente:
(i) A reformação (processamento do vapor de gás natural (metano) seguido de conversão do Monóxido de Carbono com vapor para produzir Hidrogénio e Dióxido de Carbono adicional).
(ii) A eletrólise (utilização de um gerador de corrente contínua, para separar os componentes da água (Hidrogénio e Oxigénio), justamente a que está na origem do designado Hidrogénio “Verde”.
Ainda assim, existem desafios que, de um ponto de vista tecnológico, são suscitados pela implementação de uma reação química como a eletrólise, para a produção de Hidrogénio “Verde”.
Sabendo de antemão que a produção de Hidrogénio por eletrólise consome água, como matéria-prima, na ordem dos 9 litros/kg de Hidrogénio produzido, o consumo de água para este efeito adquire uma expressão relevante, o que se torna especialmente premente no contexto em que os anos hidrológicos (que, em Portugal, começa a 1 de outubro e termina a 30 de setembro) têm apresentado um comportamento relativamente inconstante.
Nesse sentido, existe uma inequívoca necessidade de adequar a pressão colocada sobre os recursos hídricos às necessidades de consumo requeridas pela eletrólise e, bem assim, à obtenção de um balanço positivo na análise custo-benefício que resulta desta “equação produtiva”.
Neste contexto, as águas residuais (de fonte industrial ou doméstica) apresentam um enorme potencial ao nível da respetiva internalização para a produção de Hidrogénio “Verde”, salientando-se, por enquanto, a ausência de um plano concreto do Governo para o redesenho do papel das ETAR como elemento de “backup”.
III. O desafio de económico & financeiro
Não menos importante que o desafio tecnológico é o próprio desafio económico-financeiro, tanto na ótica pública como na ótica privada.
Conforme se constata na literatura especializada, no caso de setores com valores de CAPEX muito elevados – como é o caso da produção de Hidrogénio “Verde”, mesmo caso ocorra a reconversão de centrais pré-existentes, com destaque para o caso de Sines – a viabilidade dos respetivos “business model” está largamente dependente da atribuição de incentivos que, consoante a modalidade, permitam, respetivamente:
(i) Amortizar, em termos relativos, os elevados custos de capital (CAPEX);
(ii) Acelerar os rácios de rendibilidade dos projetos e, bem assim, a maturidade dos métodos e tecnologias de produção.
Naturalmente que daí não decorre, nem poderia decorrer, a criação de um clima de protetorado para o Hidrogénio “Verde”, que fosse desligado das condicionantes próprias de um sistema de economia de mercado.
O que se deverá procurar, assim entendemos, é um equilíbrio entre o interesse público subjacente à introdução do Hidrogénio no contexto energético nacional e os custos daí decorrentes, tanto para o setor público como para o setor privado, sabendo que ambos serão seguramente chamados a contribuir.
No que ao setor público diz respeito, uma das vias mais relevantes continuará a ser a dos regimes remuneratórios aplicáveis aos projetos e processos de produção de Hidrogénio “Verde”.
E se é um facto que dificilmente se compreenderia a introdução de regimes totalmente desadequados para um tipo de produção emergente e de base contínua como será a do Hidrogénio “Verde” – de que são exemplo os regimes de feed-in tariff (“FIT”) – certo é que existem amplas alternativas à disposição do decisor público, muitas delas já discutidas na ampla documentação fornecida pela IEA e pela própria Comissão Europeia sobre este domínio, com níveis muito diferenciados de custos a ser suportados pelo setor público.
IV. O desafio de política fiscal
Diretamente ligado ao desafio económico-financeiro, pese embora com autonomia, está ainda o desafio de política fiscal que impende sobre o decisor público.
Assim sucede na medida em que, consoante as opções que forem tomadas ao nível dos regimes remuneratórios aplicáveis à produção de Hidrogénio “Verde”, daí decorrerão impactos fiscais consideráveis.
O caso paradigmático é o da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) que, desde 2019, onera as entidades detentoras de centros electroprodutores com recurso a fontes de energia renovável que, ao mesmo tempo, beneficiem de regimes de remuneração garantida.
Se este alargamento da CESE ao setor das renováveis já padece de amplos problemas (que não importam nesta sede), mais dificilmente se compreenderia que a produção de Hidrogénio “Verde” fosse onerada com o custo de um tributo que incidindo sobre ativos, comprometendo de forma muito expressiva os pressupostos dos “business model” de cada projeto, ao que acresce o necessário efeito de aversão ao investimento daí decorrente.
De resto, a este mesmo propósito, não deixa de ser curioso que a CESE continue a incidir sobre o setor das energias renováveis (eólica e solar fotovoltaica), quando se sabe o papel essencial que terão como verdadeiro sistema de “backup” para o fornecimento da eletricidade necessária à eletrólise, que o decisor público parece ter elegido como veículo preferencial para a produção de Hidrogénio “Verde” em Portugal.
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