A política e a tecnologia, depois da Web Summit
Quando a burocracia é o nosso ponto de partida e imagem de marca, fica bem demonstrado o atraso europeu na adoção e desenvolvimento da inteligência artificial.
A presença de altas figuras políticas, desde Ministros, Presidentes de Câmara, até Comissários Europeus sempre foi comum na Web Summit. Mas nunca, até à sua décima edição, a arquitetura do evento havia absorvido tanto o contexto político. Pela primeira vez, foi a política, em particular a geoestratégia, que moldou o debate.
Um atrás do outro, os temas ilustraram como tecnologia e política se transformaram num binómio devido à concorrência entre grandes potências. EUA e China, em particular, estão numa corrida para a fronteira científica, com o objetivo de assegurar superioridade face ao seu rival.
Na União Europeia, o contributo mais conhecido (não isento de críticas) é o regulamento para a Inteligência Artificial (AI Act) aprovado no último mandato parlamentar. Mas quando a burocracia é o nosso ponto de partida e imagem de marca, fica bem demonstrado o atraso europeu na adoção e desenvolvimento desta tecnologia.
De acordo com o Stanford AI Index 2025, os Estados Unidos já produziram 40 modelos de alto nível, a China 15 e a Europa apenas três. Nesse sentido, há que reconhecer o tremendo caminho por trilhar; mas também sinalizar os passos que começam a ser dados pelas instituições europeias.
Por um lado, a simplificação do licenciamento para acelerar a instalação de infraestruturas digitais (em particular através do Cloud and AI Development Act). Por outro, o reforço do financiamento para estes projetos, seja através da parceria público-privada europeia de supercomputação (EuroHPC), seja através do novo quadro de financiamento plurianual, que começará a ser negociado.
Em Portugal, esta aposta na infraestrutura digital parece encaminhada. A instalação de uma gigafábrica de IA, cuja importância tenho vindo a sublinhar, ganha fôlego através do consórcio liderado pelo Banco Português de Fomento, empenhado em garantir financiamento através do EuroHPC, mas também com o investimento anunciado pela Microsoft no centro de dados da Start Campus, em Sines.
Tudo isto confirma um ponto essencial: a consolidação da tecnologia em matéria de soberania e, por conseguinte, de Estado. É uma consequência inevitável da quebra de fé nos mercados globais. Onde o comércio e a cooperação internacional sustentavam uma lógica colaborativa, hoje impera a concorrência geopolítica.
Esta conclusão implica, à esquerda e à direita, lições políticas que precisamos de retirar.
À esquerda, não podemos ser uma plataforma política excessivamente focada na vertente assistencialista. É também preciso falar de futuro, de inovação, de tecnologia e de indústria. Recuperar uma dinâmica desenvolvimentista, integrada a nível europeu, que seja competente a enquadrar o Estado numa política industrial estratégica e simbiótica com a sociedade civil e o setor privado.
À direita, admitir que a receita preguiçosa de cortes transversais no IRC não é, por defeito, suficiente para assegurar investimento produtivo. Essa dispersão dos recursos por todos os setores económicos, incluindo os mais rentistas e sem condições para acrescentar valor, inviabiliza a canalização de esforços para corrigir o nosso atraso tecnológico.
O futuro não nos pede fórmulas confortáveis, nem soluções antigas. Pede visão estratégica e coragem política para assumir metas ambiciosas. Com isso, Portugal pode (e deve) tornar-se um pivot na estratégia europeia de desenvolvimento. Sem isso, o risco é repetirmos esta conversa daqui a 10 anos e nem 1000 edições da Web Summit serão capazes de nos ajudar.
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