A revisão insuficiente do PNEC

  • João Galamba
  • 9 Agosto 2024

É urgente rever o PNEC em relação ao armazenamento via bombagem hídrica e, não menos importante, anunciar um calendário para as iniciativas tendentes à sua concretização.

O Ministério do Ambiente e da Energia apresentou a sua revisão do Plano Nacional de Energia e Clima 2021-30 (PNEC). Alinhado com o que já havia sido proposto pelo anterior Governo, a revisão do PNEC aumenta significativamente a potência renovável a instalar até 2030. Face ao plano original, aprovado em 2020, o aumento previsto também é justificado por metas de descarbonização mais ambiciosas, mas resulta, em grande medida, da inclusão de novos consumos associados a oportunidades de industrialização verde e à competitividade do país nas renováveis que permite atrair esse tipo de projetos. A nova ambição nas metas de solar e eólico é, por isso, muito positiva e deve ser celebrada. Mas enfrenta desafios relevantes que importa, desde já, reconhecer, com o objetivo de que o PNEC não seja apenas uma ambição inconsequente, mas uma efetiva oportunidade que o país não pode desperdiçar.

Passar dos atuais 4.6 GW de solar para 20.8 GW, e dos atuais 5.9 GW no eólico para 12.4 GW, representa um quádruplo desafio: Um desafio do ponto de vista do licenciamento; um desafio do ponto de vista da eletrificação dos consumos; um desafio do ponto de vista do armazenamento; um desafio do ponto de vista da rede elétrica. Vamos por partes.

Sobre o primeiro desafio, importa alinhar os PDMs com os objetivos da descarbonização, para que o licenciamento municipal não seja um entrave ao investimento em renováveis, e cumprir o que decorre de legislação europeia, nomeadamente no que diz respeito a consagrar o interesse público prevalecente dos projetos renováveis em matéria de licenciamento ambiental. Sem eliminação dos atuais entraves e aceleração dos processos de licenciamento, o PNEC torna-se impossível de cumprir.

Sobre o segundo desafio, importa reforçar articulação entre as áreas governativas da Energia e da Economia. Não há melhor exemplo de aceleração da economia do que um programa que prevê investimentos superiores a 25 mil milhões de euros até 2030. Mas os investimentos previstos no PNEC, em particular os relacionados com a eletrificação do setor dos transportes e da indústria, estão ausentes do programa Acelerar a Economia. Esta ausência é, a todos os títulos, incompreensível, e põe em causa que exista consumo suficiente para a nova geração renovável prevista.

Sobre o terceiro desafio, é reconhecido por todos que o armazenamento é imprescindível para integrar volumes crescentes de energia de fontes renováveis. Se o armazenamento, nomeadamente via bombagem hídrica, foi essencial para integrar a capacidade eólica que hoje temos, por permitir absorver os excedentes, facilitando o alinhamento da produção com o consumo; sê-lo-á ainda mais para integrar a capacidade solar e eólica que queremos ter. E é aqui que o PNEC fica manifestamente aquém do necessário.

Quadruplicar capacidade instalada de solar e duplicar capacidade instalada de eólico não são metas compatíveis com um aumento da capacidade de armazenamento inferior a 40%. Para se ter uma ideia de quão insuficiente é a meta de armazenamento do PNEC, basta olhar para o que propõe Espanha: com aumentos inferiores a Portugal na nova capacidade renovável, em particular no solar, é suposto que o armazenamento quadruplique. Isto implica ter mais do que o GW de baterias previsto e seguramente rever os atuais 300 MW de nova bombagem hídrica.

Sejamos claros: Quadruplicar capacidade instalada de solar e duplicar capacidade instalada de eólico não são metas compatíveis com um aumento da capacidade de armazenamento inferior a 40%. Para se ter uma ideia de quão insuficiente é a meta de armazenamento do PNEC, basta olhar para o que propõe Espanha: com aumentos inferiores a Portugal na nova capacidade renovável, em particular no solar, é suposto que o armazenamento quadruplique. Isto implica ter mais do que o GW de baterias previsto e seguramente rever os atuais 300 MW de nova bombagem hídrica.

Se o reforço de armazenamento fosse apenas aquele que consta do PNEC, mesmo que houvesse muita flexibilidade do lado do consumo, e tendo em conta a limitação nas interligações, o crescimento exponencial do curtailment (geração de eletricidade desperdiçada por incapacidade de integração no sistema) seria inevitável, o que poria em causa a viabilidade do investimento em nova geração que o PNEC prevê.

A boa notícia é que o potencial de nova bombagem hídrica é muito superior ao previsto no PNEC. No passado, já tinham sido apresentados cerca de 2.3 GW de nova potência de bombagem hídrica. Mais recentemente, a Iberdrola apresentou projeto para acrescentar 1 GW adicional de bombagem hídrica na cascata do Tâmega. No caso do Cabril, tendo cessado a concessão do domínio público hídrico, deveria ser aproveitada a oportunidade do novo concurso para prever bombagem hídrica na bacia do Zêzere. E voltar a olhar para Girabolhos, uma nova barragem no Mondego, que inclui bombagem hídrica. Tudo somado, estaríamos a falar de nova potência de bombagem hídrica que permitiria duplicar a potência existente hoje no sistema.

Duplicar bombagem hídrica existente, sobretudo via projetos de bombagem hídrica pura, é necessário não apenas porque o armazenamento é central para atingir um sistema elétrico 100% renovável, mas também porque consolida a bombagem hídrica enquanto backup sustentável do sistema, sobretudo num contexto de redução da disponibilidade da produção hidroelétrica convencional. Num cenário de forte redução das disponibilidades hídricas, poder recorrer a bombagem hídrica aumenta a segurança do abastecimento do sistema, porque não consome um recurso hídrico crescentemente escasso.

Sem uma revisão significativa da meta de nova bombagem hídrica no PNEC, não haverá reforço para além do previsto, porque é investimento privado que só existe sob a forma de concessão. É, pois, urgente rever o PNEC na parte do armazenamento via bombagem hídrica e, não menos importante, anunciar um calendário para as iniciativas tendentes à sua concretização. Muito provavelmente, nem todo o potencial de bombagem hídrica será realizável até 2030, embora se admite que algum possa (e deva) ser.

O quarto desafio, o da rede elétrica, ficará para um próximo artigo. No entanto, podemos desde já dizer que, havendo um reforço significativo do armazenamento previsto no PNEC, o desafio da rede elétrica continuará a ser grande, mas não será seguramente impossível de atingir.

  • João Galamba
  • Economista e ex-secretário de Estado de Energia

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