A visão que se pede aos Juristas 2020-2030

  • João Quintela Cavaleiro
  • 21 Outubro 2020

O tempo pede formas diferentes de abordar os mesmos problemas, obriga-nos a (re)fundar conceitos, a estudar, a pensar em conjunto com quem nos ajude.

Aterramos. A sensação generalizada é que depois da turbulência, dos sustos, sente-se que aterramos, faltando perceber a real dimensão dos danos. Socorro-me do exemplo dos Juristas, paradigma projectado para muitos outros talentos, para perceber o quanto a arte se transformou. Porventura já em devir há algum tempo, mas que a pandemia – ou melhor “pandemónio” – se encarregou de refundar completamente.

Basta tomarmos como auxiliar o “Plano de Recuperação Económica e Social de Portugal 2020_2030” projectado para o País por António Costa e Silva. Sem apontar a bondade ou crítica ficam apenas as tendências para ponderar. Nas p.141 e ss-justiça- citam-se ideias-chave: “modelo judiciário demasiado formalista”, “Portugal precisa de uma justiça, em particular da justiça económica e fiscal, orientada para o século XXI”, “reduzir os tempos” “simplificar”,“transformação digital”, “divulgação pública do tempo médio de resolução dos processos por Tribunal”.”essencial aperfeiçoar modelos de gestão … da justiça, desenvolvendo cultura organizacional centrada em resultados”. Concorde-se ou não, ciente que as posições do sector possam ser discordantes e que alguns conceitos, teoricamente correctos, possam ser até prejudiciais se não aplicados com ponderação, esta linha de acção é uma linguagem pouco natural aos juristas. A Justiça e o mais lato mundo do Direito é uma órbita com outra cadência, carente de maturação, respeitadora do caso concreto, de segurança sem respaldo noutro sector.

É a espuma do tempo, mas convenhamos que o momento é de (re)fundação, mais do que (re)transformação. Deu a volta a Magistrados, Advogados, In-house Lawyers, juristas da Administração Pública. A pandemia foi oportuna para recuperar o tempo que há tanto se precisava para despachar e decidir. Mesmo numa Justiça que não vive sem a imediação, o foro conseguiu encontrar soluções – fracas que fossem. O momento ressaltou um conjunto de procedimentos que há muito se percebia serem inúteis e que podiam ser revisitados, quiçá eliminados sem beliscar Direitos. Porém, como bem proclama a bitola protocolar Francesa, “C’est le ton qui fait la musique”. Para quem Advogue, à catadupa de legislação adensou-se uma tarefa adicional. Exigiu-lhes mais do que nunca compreender decisões de gestão, ansiedades de líderes e colaboradores. Foi-lhes pedido que se libertassem dos espartilhos da lei para ter criatividade no auxílio aos decisores a enfrentar uma crise sem precedentes. Páginas de legislação e de diplomas retificados, de reformação de conceitos, de uma “alteração de circunstâncias” e de “causas de força maior” sem precedentes que saíram das estantes, ganhando nova vida prática.

Todos, sem excepção, foram forçados a rebuscar instrumentos básicos de gestão de recursos, a ajustar finanças da organização, aprender a gerir pessoas à distância, a pensar como se projecta a “marca” ou definir uma estratégia com uma neblina que obrigou a decidir à vista. Até a forma de negociar se ajustou, a intensidade do Governo das Sociedades adensou-se pois tudo passou a ser mais debatido no seio dos CA. E a maior evidência de todas, fomos “impelidos” a uma transformação digital, que pairava no ar, mas que começa a ganhar contornos de um “dever de competência tecnológica”. A quadratura do círculo será perceber como se preserva o segredo e a inexorável Confiança, sem poder estar presente com os Clientes ?!

Por muito que nos custe –e confesso que em muitos casos toda esta erosão muito me consome- o tempo pede formas diferentes de abordar os mesmos problemas, obriga-nos a (re)fundar conceitos, a estudar, a pensar em conjunto com quem nos ajude. Precisamos de um novo mapa, em que Universidades, centros de saber e o próprio foro possam servir de caminho comum. Com tanta névoa, resta uma passagem de esperança da figura mais marcante da actualidade – Papa Francisco – que prenunciava já em Maio de 2020 “que de uma crise como esta não se sai da mesma maneira, como antes: ou se sai melhor ou pior. Que tenhamos a coragem de mudar, de ser melhores, de ser melhores do que antes e de ser capazes de construir positivamente a pós-crise da pandemia. —.

  • João Quintela Cavaleiro
  • Sócio da Cavaleiro & Associados

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