As (não) medidas fiscais para enfrentar os efeitos da pandemia

  • Ana Pinto Moraes
  • 1 Abril 2020

Muito embora as medidas que têm sido implementadas tenham como prioridade a manutenção dos postos de trabalho e a liquidez a curto prazo das empresas, certo é que ignoram a diminuição de faturação.

Os últimos 15 dias têm sido férteis na adoção de várias medidas visando a proteção das famílias e das empresas. No âmbito fiscal, podem ser destacadas a prorrogação de prazos de cumprimento das obrigações em IRC, a suspensão de execuções fiscais, a flexibilização do pagamento de certos impostos e a suspensão dos prazos de contencioso fiscal.

Sucede que, muito embora as medidas que têm sido implementadas tenham como prioridade a manutenção dos postos de trabalho e a liquidez a curto prazo das empresas, certo é que ignoram a evidente diminuição de faturação que levará à redução do lucro tributável.

Tal confirma-se, desde logo, quanto ao adiamento do primeiro pagamento por conta – uma das medidas apresentadas nos momentos iniciais da pandemia. Está aqui em causa um mero adiantamento do imposto ao Estado e a lei só prevê a dispensa para o terceiro pagamento, pelo que se impunha a dispensa do mesmo, permitindo não só melhorar de modo efetivo a liquidez, mas principalmente adequar o imposto antecipadamente pago àquele que efetivamente vai ser devido. O mero adiantamento continua a garantir ao Estado o recebimento antecipado do imposto e o contribuinte só virá a receber o seu reembolso em 2021, se tiver conseguido evitar uma situação de insolvência.

Já mais recentemente, a execução dos planos de pagamento e as execuções fiscais foram remetidas para o regime das férias judiciais, sendo, pois, evidente a intenção em suspender os pagamentos e execuções, não obstante se tenha erroneamente pretendido alcançar este objetivo com a mera remissão para o regime das férias judiciais. Acontece que as férias judiciais não suspendem os processos, apenas suspendem a contagem de prazos, e, por consequência, não fariam suspender estes planos. Por esse motivo, pretendendo o legislador uma efetiva suspensão e não sendo feita uma clarificação deste regime, espera-se por parte da Autoridade Tributária o seu cumprimento, não procedendo à efetivação de penhoras, ou outras garantias, em caso de incumprimento, agora autorizado.

A par das referidas suspensões, o legislador veio permitir que o contribuinte pague em 3 ou 6 prestações mensais as retenções de IRS/IRC e o IVA, sem cobrar juros de mora e sem exigir qualquer prestação de garantia, como é comum nos planos prestacionais. Contudo, ficaram de fora outros impostos, nomeadamente o IMI, a pagar já no próximo mês de maio. Ora, se o objetivo das medidas a implementar é a proteção imediata das famílias, impunha-se igualmente o adiamento ou até mesmo a dispensa do pagamento de IMI, ainda que eventualmente limitado a agregados familiares dos escalões mais baixos e com efetiva diminuição de rendimentos.

Por outro lado, o benefício da flexibilização, no caso de contribuintes que diminuam a faturação em pelo menos 20%, obriga à comparação dos três meses anteriores com os mesmos meses de 2019, inviabilizando o pagamento faseado já em abril e maio. Acresce ainda que este regime tem especial atenção a tesouraria do mês de abril e maio, mas sobrecarrega a tesouraria de junho (que inclui, três prestações: a última de abril, a segunda de maio e a primeira de junho).

Por último, uma nota deve ser feita sobre os prazos do contencioso fiscal que ficam suspensos por seguirem o já referido regime das férias judiciais. Esta equiparação traz inúmeras dificuldades de aplicação no procedimento tributário e em impugnação judicial, dado que as férias judiciais não suspendem a contagem do prazo deste ato. Fora da suspensão está o indeferimento tácito em caso de ausência de resposta da AT, os atos a praticar em sede de inspeções tributárias em curso e os prazos de pedidos de reembolso.

  • Ana Pinto Moraes
  • Advogada e associada coordenadora do departamento de fiscal da Pinto Ribeiro Advogados

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