Burocracia, uma estranha forma de vida

  • João de Lemos Portugal
  • 29 Novembro 2021

No mercado imobiliário teme-se mais uma perda de oportunidade, com o build to rent a temer os ditos desmandos burocráticos, que são dificilmente compatíveis com este tipo de investimento.

Através de uma consulta rápida da definição do termo burocracia, chegamos a um sistema administrativo pertencente a qualquer departamento do serviço público que, alicerçado num regulamento estabelecido e sem flexibilidade, estipula a organização dos serviços e a divisão de tarefas realizadas pelos funcionários, com funções demarcadas e organizadas hierarquicamente. Mas os mesmos dicionários também se apressam a dar uma outra definição, a que certamente estamos mais habituados, que consiste no sistema que pode ser definido pela ausência de eficiência, pela morosidade de resolução de situações ou pela inexistência de preocupação com as reais carências ou necessidades de cada pessoa; procedimentos abusivos que sujeitam o cidadão a mecanismos oficiais desnecessários que adiam ou atrasam a resolução das respetivas situações.

Não haverá certamente muitos leitores que não tenham identificado nas suas vidas exemplos vivos e concretos de situações que cabem, em cheio, na segunda definição proposta. E esta realidade não pode ser assumida como sendo parte do sistema, “da vida”, ou, pior, do esforço da manutenção do status quo e da auto-justificação de uma certa forma de estar em sociedade, preservando interesses estabelecidos.

Não sendo certamente tarefa fácil, não deixa de surpreender que, anos volvidos de veementes intenções de erradicar esta forma de enganar o cidadão, que confia no Estado (e na Administração) como sendo uma pessoa de bem, este se continua a dedicar a frustrar as suas legítimas expectativas, a adiar os seus direitos, embrulhando-o num intrincado de procedimentos e regras não escritas, de impossível decifração e antecipação.

A falta de previsibilidade da decisão administrativa – tanto no resultado, como no tempo que leva a ser tomada – continua a ser apontada como um dos maiores empecilhos e fatores de desmotivação para o investimento, nacional e estrangeiro. E com muitos poucos sinais de mudança, para além das tais boas intenções.

E com isto não se pretende que deixem de existir procedimentos de controlo administrativos, imperativos e salutares, essenciais para uma regular vivência em sociedade, em que os recursos são escassos e a sua utilização terá que ser ordenada. Assegurar o bem estar comum, o ambiente, a saúde, a segurança económica, um urbanismo sustentável, a preservação do património natural e cultural, são naturalmente atribuições a que o Estado não se pode eximir. Mas terá que os concretizar de forma decisiva, uniformizada, transparente e necessariamente célere.

Torna-se assim inexplicável que, por exemplo, a mesma operação urbanística seja recusada num município e permitida no município ao lado. Também é um desafio explicar a um investidor (em particular estrangeiro), que o mesmo país que num primeiro momento, lhe solicita ativamente o investimento – e que dele carece – vai demorar mais de dois anos a apreciar a sua intenção de construir ou reabilitar.

E impossível é de fazer entender que não existe ninguém do “outro lado” com quem possa dialogar de uma forma transparente, que lhe explique o estado do seu processo, os próximos passos e com ele construa, de forma ativa e colaborante, a melhor solução para a resolução do seu processo. Pedidos de reunião continuam a ser sistematicamente ignorados ou adiados por meses, sem que qualquer informação seja prestada por parte da Administração. Depara-se com um computer says no, utilizando expressão de uma série de boa memória.

Tudo isto conduz à perda irremediável de muitas oportunidades de desenvolvimento sustentável e sustentado, de conjugação de interesses entre iniciativa privada e a prossecução do interesse público, que cremos podem e devem trilhar caminhos conjuntos.

No mercado imobiliário teme-se mais uma perda de oportunidade, com o build to rent a temer os ditos desmandos burocráticos, que são dificilmente compatíveis com este tipo de investimento. E também esta poderia seria uma iniciativa do setor privado passível de contribuir para a mitigação do problema da habitação.

E seguindo nos estrangeirismos, deixamos outro: accountability. É um termo tão desconhecido no nosso país que ainda carece de tradução linear. Deverá ser esta a definição que devemos ter que ir procurar quando pensarmos na Administração Pública, substituindo-a àquela com a qual iniciámos esta reflexão.

  • João de Lemos Portugal
  • Sócio da CCSL Advogados

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