
Capital Seguro ou de Risco?
Nuno Oliveira Matos está mesmo preocupado com uma possível imposição de 2% das carteiras de seguros e pensões a capital de risco, são setores que não podem ser laboratório de experiências financeiras.
Há algo de sedutor na ideia de canalizar uma fatia fixa de 2%, dizem-nos, do imenso património das empresas de seguros e dos fundos de pensões para o capital de risco1. O discurso é simples: dinamizar a economia, financiar startups, acelerar a inovação. Mas será que o setor segurador e de fundos de pensões existe para assumir riscos de mercado que outros investidores evitam, ou para garantir segurança e confiança a milhões de beneficiários, aforradores e pensionistas?
A proposta da Associação de Capital de Risco pode soar a modernidade, mas na prática representa um perigoso desvio da missão nuclear do setor segurador, ser um pilar de estabilidade do sistema financeiro. As empresas de seguros e os fundos de pensões não são venture capitalists disfarçados; são instituições que lidam com compromissos contratuais assumidos perante famílias e empresas, alguns dos quais de muito longo prazo. Promessas que só têm valor porque são sustentadas por reservas sólidas e por prudência regulatória, nomeadamente o enquadramento de Solvência II e o princípio da pessoa prudente, que foram precisamente desenhados para garantir uma gestão sã e prudente e evitar tentações especulativas.
Recordemos que o setor segurador e de fundos de pensões é uma das poucas indústrias que sobrevive e prospera graças à confiança. Essa confiança não se constrói com a volatilidade típica do capital de risco, mas com previsibilidade e consistência. Exigir quotas obrigatórias de investimento em private equity seria equivalente a obrigar um bombeiro a investir parte do seu orçamento em gasolina, na esperança de que isso traga melhores retornos no futuro. É uma lógica que ignora a função primordial do setor.
Há ainda uma falácia subjacente, a de que basta libertar capital para que ele flua automaticamente para a economia produtiva. A experiência demonstra o contrário. Como alerta a própria Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma (EIOPA), não há garantias de que fundos adicionais resultantes de menor exigência de capital sejam aplicados em inovação e/ou transição verde; podem simplesmente ser canalizados para maior distribuição de dividendos ou recompras de ações.
Num contexto de incerteza global, tensões geopolíticas, inflação persistente, riscos climáticos e cibernéticos, transformação demográfica, entre outros, fragilizar a solidez das empresas de seguros e dos fundos de pensões em nome de uma visão míope de dinamização económica é brincar com o fogo. Não confundamos simplificação com desregulação!
Se o capital de risco quer mais fundos, deve conquistá-los no mercado, com mérito, provando a sua capacidade de retorno ajustado ao risco e a sua utilidade económico-social. Obrigar, por decreto, que os ativos de seguros e pensões sejam desviados para esse fim é transformar o seguro num laboratório de experiências financeiras. Um luxo que, francamente, nem os consumidores nem o sistema financeiro europeu podem pagar.
A Solvência II e o princípio da pessoa prudente não são um travão; são o que mantém o sistema de pé!
1 Associação de Capital de Risco quer 2% dos investimentos de seguros e pensões – ECO
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