Com Trump, nunca vai estar “tudo bem”
Tudo começou no primeiro dia depois das eleições. Toda a gente tentava, delicadamente, ver o lado positivo daquela vitória chocante.
Ouvia-se em conversas: “Oh, mas um ‘empresário’ pode vir a ser bom para a nossa economia”. E ainda: “Ele não estava a falar a sério em metade do que disse”. E, claro, “são só quatro (ou oito) anos, não é tipo o Brexit ou algo do género”.
Vi os meus amigos e família a tentar racionalizar o porquê de a campanha alimentada pelo medo e ódio ter sido a vencedora. Vi os políticos que se tinham pronunciado violentamente contra Trump a organizar reuniões nas Trump Towers. E vi os meus amigos portugueses a tentar confortar-me, a dizer-me que não era assim TÃO grave.
Mas estou aqui para dizer que sim, é um PROBLEMA grave, MUITO grave. E este Grande Problema não tem a ver com os possíveis cenários da futura presidência de Trump. Este Grande Problema baseia-se nos dezoito meses anteriores à eleição. Dezoito meses que não podem ser apagados, agora que a América fez questão de os validar.
A minha opinião é que nós, americanos, já falhámos. Mesmo que Trump se revele um Reagan ou um Kennedy e que se confirme que a Hillary Clinton é realmente a maior “bandida” alguma vez vista – se bem que duvido de qualquer uma destas hipóteses –, a verdade é que, com a vitória de Trump, nunca vai estar “tudo bem”.
Esta manhã, algures na América, vai haver uma sala de aula cheia de crianças que vão ver a inauguração presidencial. Haverá um rapazinho que daqui a cinco, dez anos, vai assumir a sua orientação sexual. Haverá uma rapariga afro-americana a quem vão dizer que pode ser o que quiser quando for crescida. E haverá um rapaz e rapariga acabados de imigrar para os Estados Unidos à procura de realizar o sonho das suas famílias de uma “vida melhor”. São estes a quem as palavras de Trump vão afetar. O que estas crianças veem molda a forma como olham para si mesmas. Molda quem querem ser, molda o seu futuro.
Quando o Presidente eleito goza com uma pessoa deficiente, espalha a sua posição racista, julga uma candidata pelo seu aspeto físico e não pelas suas capacidades, é aí que todos falhámos.
Um amigo meu judeu e homossexual disse-o melhor que eu: “Eu vou ficar bem. Sou um adulto que se sente confortável com quem é e que tem tudo o que precisa. Mas esperava que o nosso país continuasse a progredir de forma a que, se a criança de 10 anos que outrora fui vivesse agora, tivesse uma adolescência mais calma e fosse mais aceite que antes. Que se sentisse apoiada pelo seu país e concidadãos”.
As palavras são importantes. As palavras criam cultura. As palavras influenciam as pessoas.
Vivemos num momento crucial da história da Humanidade. Para alguns, é um momento assustador. Para outros, entusiasmante. A paisagem política global está a mudar. O nosso planeta está a aquecer. A emigração em massa é uma realidade. A tecnologia está a avançar exponencialmente.
Agora, mais do que nunca, precisamos de líderes que saibam unificar, que nos ajudem a enfrentar em conjunto os desafios complexos com que nos deparamos hoje. Precisamos de mais Nelson Mandelas e Abraham Lincolns.
Alguns dos meus amigos portugueses disseram-me que o que está a acontecer com os Estados Unidos é uma boa forma de prever o que aí vem para o restante Ocidente – o que é mais que preocupante. Peço-lhes que não vejam os Estados Unidos como a vossa bola de cristal. Não deixem que o medo e a exclusão ditem o que têm à vossa frente. Não está tudo bem. Nunca vai estar tudo bem.
Como Abraham Lincoln disse, “A melhor forma de prever o futuro é criá-lo”. Esta é a hora de deixar que a esperança e o amor criem o futuro de Portugal e guiem o país pelas certezas inevitáveis que se avizinham. É a única forma de progredir. É a única forma de fazer com que fique “tudo bem”.
*Shannon Graybill é americana, do Texas. Vive em Lisboa, Portugal, onde é responsável pelo projeto da Le Wagon Lisbon.
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