Comunidades de Energia Renovável – Um Desafio aos Municípios
As CER surgem como um elemento essencial para a descentralização da produção da eletricidade, designadamente no domínio do autoconsumo e ao nível dos Municípios.
A atual crise energética tem contribuído para impulsionar iniciativas no sentido de potenciar novas atividades e atores no domínio energético – não sendo as entidades públicas, nomeadamente Municípios, uma exceção a esta realidade – garantindo maior independência do exterior e de fatores exógenos, bem como de combustíveis fósseis.
Um destes novos atores são as Comunidades de Energia Renovável (CER). Tratam-se de – como o nome indicia – comunidades constituídas por um conjuntos de consumidores, que, através de uma ou mais instalações partilhadas, produzem parte ou a totalidade da energia elétrica que consomem, através de energia renovável.
As CER surgem como um elemento essencial para a descentralização da produção da eletricidade, designadamente no domínio do autoconsumo e ao nível dos Municípios, estando previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, que estabelece a organização e funcionamento do Sistema Elétrico Nacional e que revogou o Decreto-Lei n.º 162/2019, de 25 de outubro. São configuradas como pessoas coletivas, gozando de ampla liberdade quanto à sua forma jurídica, podendo a mesma revestir-se sob a forma de (i) sociedade, (ii) cooperativa ou (iii) associação. Pode ainda ser constituída por pessoas singulares ou coletivas, de natureza pública ou privada, incluindo pequenas e médias empresas ou Autarquias Locais (Municípios).
Face ao disposto no artigo 189.º do referido Decreto-Lei n.º 15/2022, é possível avançar três cenários quanto aos sujeitos que podem constituir/participar numa CER: (i) apenas sujeitos privados; (ii) sujeitos privados e entidades públicas e (iii) entidades públicas. Contudo, a possibilidade de uma CER ser constituída ou participada por um município implica a compreensão do relacionamento das CER, pelo menos, com as regras do Código dos Contratos Públicos (CCP), bem como com as regras do Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local e das Participações Locais (RJAEL).
No que diz respeito às CER a constituir sob a forma de sociedade, há duas situações a ter em especial atenção: (i) quando seja constituída ou participada entre sujeitos privados e um Município; (ii) quando seja constituída ou participada apenas por Municípios (isolada ou conjuntamente). Nestes dois casos, o contrato de sociedade constitui um dos contratos cujas prestações se consideram estar submetidas à concorrência de mercado. Neste contexto, será necessário ter em consideração que a celebração do contrato de sociedade estará sujeita ao lançamento de um procedimento pré-contratual, porque o CCP tipifica os Municípios (enquanto Autarquias Locais) como entidades adjudicantes. Não obstante, e dada a especificidade do contrato de sociedade, quando razões de interesse público relevante o justifiquem, pode adotar-se o ajuste direto para a formação de contratos de sociedade.
Se a CER for constituída sob a forma de sociedade, mas cujos sujeitos sejam apenas constituídos por Municípios, o CCP admite que o contrato de sociedade seja configurado no âmbito da contratação excluída. Contudo, serão aplicáveis os princípios gerais da atividade administrativa (princípio da legalidade, transparências, não discriminação) bem como – com as devidas adaptações – os princípios gerais da contratação pública.
Superada a questão da contratação pública, a criação/participação numa CER por parte de um Município terá também de passar pelo RJAEL. O contrato de sociedade pressupõe a criação de uma nova entidade, que podem ser qualificadas como empresas locais, sendo sociedades constituídas ou participadas nos termos da lei comercial, designadamente, por Municípios, Associações de Municípios e Áreas Metropolitanas. Importa ainda ter presente que a constituição ou participação em empresas locais, (constituição ou participação numa CER) por um Município tem de ser comunicada à Inspeção-Geral de Finanças, à Direção-Geral das Autarquias Locais e à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, exigindo uma fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
Existindo a intenção de um sujeito privado participar numa CER já constituída por Municípios, importa ter presente que será necessário, para a escolha dos parceiros privados, adotar um procedimento pré-contratual segundo as regras da contratação pública, como já referido.
As exigências associadas à constituição ou participação numa CER quando integrada por um Município, fazem com que estejamos na presença de um procedimento complexo, o qual exige articulação entre as regras que estabelecem a organização e o funcionamento do sistema elétrico nacional, as regras da contratação pública, as regras que fixam a atividade empresarial local, as regras decorrentes das constituição de sociedades comerciais e ainda as que decorrem da fiscalização prévia do Tribunal de Contas, facto que irá impor aos Municípios a necessidade de uma visão integrada de várias áreas jurídicas.
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