Contratação Pública: E depois da pandemia?

  • Diogo Duarte Campos
  • 2 Abril 2020

O sistema judicial não está manifestamente preparado para se defrontar com centenas, quem sabe, talvez até milhares de ações relativas à execução de contratos.

É inequívoco que a atual situação terá repercussões nos contratos públicos em vigor (e, talvez, naqueles em contratação). Este é um facto que não valerá a pena tentar esconder nem minimizar, antes se impondo ser enfrentado.

Logo após os primeiros sinais do surgimento da pandemia Covid-19 o Governo, no que à contratação pública concerne, respondeu aos desafios impostos mediante a criação de um regime excecional de compras públicas, materializado no Decreto-Lei n.º 10-A/2020. Entretanto, foi também aprovada a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março que não só ratificou o regime, como procedeu à suspensão de um conjunto de prazos, processuais e procedimentais.

A questão que se coloca é se ambos estão à altura dos desafios colocados pelo contexto do Covid-19.

Perante um cenário que se reconduzirá ao instituto da alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, será necessário, muitas das vezes, operar modificações aos contratos, repondo-se, necessariamente, o equilíbrio contratual dos mesmos, seja através da prorrogação do prazo de execução das prestações ou da vigência do contrato, seja mediante a não aplicação de multas ou através da revisão dos preços, seja, ainda, através da assunção, por parte do contraente público, do dever de prestar ao cocontratante privado o valor do decréscimo das receitas ou do agravamento dos encargos com a execução do contrato.

Ou seja, é inevitável assumir que as Entidades Públicas e os cocontratantes privados terão muito para negociar, sendo que o regime legal da modificação objetiva de contratos públicos não é propriamente amiga da renegociação. Se a isto acrescentarmos um Tribunal de Contas particularmente exigente e conservador, facilmente se concluirá que muitas entidades públicas preferirão que a solução (ainda que pior) seja encontrada por um Tribunal.

Sucede, porém, que o sistema judicial não está manifestamente preparado para se defrontar com centenas, quem sabe, talvez até milhares de ações relativas à execução de contratos (aliás, tradicionalmente, das mais morosas, exigentes e complexas). Como é publico e notório, o tempo de resposta dos tribunais portugueses – de forma mais intensa nos tribunais administrativos – já é, atualmente, elevado (basta pensar na resolução do BES), não sendo sequer imaginável como passaria a ser com mais umas centenas ou milhares de ações administrativas em cima das já existentes. Este segundo problema é especialmente preocupante na medida em que, por exemplo, no campo das empreitadas de obras públicas, poderá dar-se o caso de estas ficarem paralisadas por tempo indeterminado, acarretando graves prejuízos para o interesse público.

Porventura mais relevante, também a economia não aguentará que milhares de cocontratantes não sejam imediatamente ressarcidos e os seus contratos redesenhados. Também aqui estamos em estado de emergência e, tal como noutras ocasiões, há que encontrar soluções céleres para que as Partes possam, em primeiro lugar, encontrar soluções consensuais e, caso não seja possível, dirimir conflitos e prosseguir celeremente na execução dos contratos.

É, por isso, essencial que, desde já, se comece a pensar num regime extraordinário de modificação objetiva de contratos públicos, mais generoso nos seus pressupostos e limites, sem amarras escusadas e, sobretudo, que garanta aos operadores públicos a necessária confiança de que não terão, posteriormente, ações de responsabilidade iniciadas pelo Tribunal de Contas.

Adicionalmente, será necessário que caso as Partes não cheguem a uma solução, possam ter uma solução célere para a resolução dos seus conflitos: imaginar as Partes 5, 7 ou mesmo 10 anos em Tribunal com os inerentes custos não é solução, mas um inaceitável bloqueio à economia. Assim, não vemos outra solução que não a criação de um regime – naturalmente excecional – de arbitragem obrigatória (ou a solicitação de uma das Partes) que permita resolver as disputas de forma célere.

Mas não tenhamos dúvidas: ambos os regimes propostos serão complexos, delicados e com vários constrangimentos (desde logo decorrentes da legislação comunitária) e, porventura, interesses contraditórios. É imperioso começar agora.

Muito se tem escrito sobre estes os dois regimes recentemente aprovados e, porventura sobretudo, sobre as dificuldades práticas na sua conjugação: como se compreenderá são Diplomas de entidades diferentes, elaborados em tempo recorde e, por conseguinte, porventura, sem a necessária maturação das suas soluções.

Por isso mesmo, cremos que, agora, é já o momento oportuno para pôr os olhos no futuro, delineando soluções eficazes para minimizar os inevitáveis constrangimentos decorrentes destes novos tempos, o que implica soluções pensadas, maturadas e, porventura, um ajuste às regras existentes.

  • Diogo Duarte Campos
  • Sócio coordenador da área de público da PLMJ

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