Correr atrás do prejuízo
Os comboios foram parando por incapacidade de assegurar a manutenção mínima, vertida em planos de manutenção homologados pelo IMT e cujo não cumprimento implica de imediato a paragem do veículo.
Depois de semanas de protestos em vários pontos do país e de repetidos retratos de uma operação ferroviária em colapso, o Governo – e a massa acrítica que normalmente acompanha cada Governo – deu uma volta de 180 graus e já admite soluções de curto prazo, depois de ter tentado preparar o país, sem sucesso, para soluções demoradas.
O primeiro-ministro terá percebido a insustentabilidade eleitoral de continuar a usar a ferrovia como amortecedor da execução orçamental e serão finalmente satisfeitas parte das necessidades de contratação de pessoal para a EMEF e alugados alguns comboios depois de, em 2016, ter rejeitado sem explicações tal opção, com os danosos resultados que estão à vista.
Um pouco como noutras áreas, umas vezes de forma mais trágica e noutras apenas com mais ruído, o Governo sai finalmente para a rua quando percebe que o incêndio no seu jardim não será apagado pela chuva que não cai, agora mais perto de eleições. Reforça a ideia de ser um Governo que age por empurrão e não por iniciativa e dificilmente escapará a essa marca.
À falta de justificação orçamental, resta em alternativa falta de capacidade de análise e planeamento. Com todos os problemas que herdou, não soube o Governo agir com a prudência necessária, com a análise de risco mínima e com a mais vital capacidade de antecipação.
Antecipação que, em parte, está ligada às próprias opções do Governo, uma vez que grande parte das saídas recentes da EMEF se devem à lei que possibilita reformas antecipadas a carreiras excepcionalmente longas, realidade muito presente no meio ferroviário e que era impossível não ser do conhecimento da tutela.
Os comboios foram parando por incapacidade de assegurar a manutenção mínima, vertida em planos de manutenção homologados pelo IMT e cujo não cumprimento implica de imediato a paragem do veículo em causa. Tendo em conta a regularidade das intervenções, que variam entre diárias, semanais, mensais, etc., não pode o Governo justificar o caos actual com o passado. Se em 2015 tivesse recebido um passivo grande na manutenção ferroviária, este caos teria acontecido logo no início de 2016.
O reforço da frota também não se efectivou apesar dos avisos lavrados em relatórios internos e ruidosas declarações públicas da anterior administração da CP, alertando para a concorrência em 2020 e para a imediata necessidade de reforçar a oferta. Depois de uma primeira apreciação positiva, o Ministério cancelou o programa de aluguer em 2016, sem explicações. As consequências estão à vista e é agora, perante o desastre, que afinal de contas já será possível alugar mais comboios, mesmo que poucos. Para linhas como a do Oeste será talvez tarde demais.
Em 2020, em toda a Europa, os mercados ferroviários internos serão liberalizados – qualquer empresa que cumpra os apertados requisitos poderá operar em qualquer eixo, como já acontece nos eixos internacionais. A Arriva (do grupo alemão DB) já anunciou operação no eixo Porto – Corunha e afirmou que de seguida quer prolongar a operação até Lisboa. Se o próprio Governo diz que reforçar a frota demora 3 a 4 anos, não havendo ainda nenhum concurso lançado nem com data definitiva para tal, como espera o Governo capacitar a CP para essa realidade já tão próxima? Tal como o alerta para o colapso operacional que se veio a verificar, o alerta para a urgência desta capacitação mereceu semelhante descuido, comprometendo a posição da CP a partir de 2020, perante a aparente indiferença de PCP e BE.
Entretanto iniciou-se a discussão de um quadro de investimentos para 2030, sem se perceber sequer muito do que vai eventualmente ser feito até 2022. Pela minha parte, acredito que Portugal não pode continuar a apostar em meras regenerações do que existe, juntando-me aliás à posição que a CIP vem defendendo cada vez com maior afinco.
Anos de pírricas renovações entregam-nos uma rede inferior a todos os parceiros europeus e continuar por este caminho parece-me apenas e só um desperdício de recursos públicos. Como exemplo, note-se que num tempo em que se proclama total prioridade à ferrovia só o “novo” IP3 vai custar o dobro do total investido na linha do Minho, onde uma viagem entre Porto e Valença vai ainda demorar 1h30, a uma velocidade média de 87km/h. Estamos a gastar dinheiro para uma linha dos anos 60, em suma.
Resta correr atrás do prejuízo – e ele já vai bem adiantado.
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