Custas judiciais: uma divergência a menos em 2021
A questão de saber se a parte vencedora de um processo estaria, ou não, obrigada a demonstrar as quantias que havia despendido com advogado era um dos temas em que os Tribunais divergiam.
Os advogados que exercem actividade nas áreas de contencioso já se terão, seguramente, apercebido do vasto acervo jurisprudencial que existe sobre custas de parte. De resto, nos últimos anos, têm havido decisões (muitas delas contrastantes entre si) para “dar e vender” neste domínio.
A questão de saber se a parte vencedora de um processo estaria, ou não, obrigada a demonstrar as quantias que havia despendido com advogado(s), quando as mesmas não excedessem ou, pelo menos, equivalessem a 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora no decurso da lide, era um dos temas em que os Tribunais, mais do que convergir, divergiam.
Foi precisamente para por termo à referida divergência, que, no dia 20.01.2021, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) proferiu um acórdão uniformizador de jurisprudência, no qual decidiu que a parte vencedora não está, em caso algum, obrigada a comprovar os montantes que pagou a título de honorários. Num acórdão pautado pela objectividade, o STA baseou a sua decisão no facto de o Regulamento das Custas Processuais (RCP) não conter uma norma que preveja expressamente uma obrigação dessa natureza.
Neste sentido, chamando à colação um dos mais elementares princípios hermenêuticos – o de que a lei constitui o início e o limite da actividade interpretativa, não podendo o intérprete extrair de uma norma um sentido que nela não tenha um mínimo de correspondência verbal –, o STA considerou que a parte vencedora somente terá o dever de indicar, em rúbrica autónoma, as quantias que pagou a título de honorários; nada mais.
Acresce que, ao determinar que a parte vencida seja condenada no pagamento de 50% do somatório das taxas de justiça por si pagas e pela parte vencedora, o legislador definiu, por meio de um critério que considerou razoável e quis estanque, o montante a que esta última teria sempre direito como compensação das despesas em que incorreu com honorários.
Por outras palavras, a comprovação, ou não, do valor correspondente a honorários, designadamente através de recibo(s), em nada alteraria o montante a que a parte vencedora teria direito no final da lide, pelo que a sua demonstração traduzir-se-ia num formalismo manifestamente inútil. E muito embora o STA não o tenha referido, neste raciocínio lógico e eminentemente literal, que afasta (mas não posterga) o princípio, praticamente universal, de que àquele que invoca um direito cabe provar os factos constitutivos do direito de que se arroga, bastaria reconhecer que, se as regras do ónus da prova servem o propósito de aquilatar da existência, ou não, de um determinado facto/circunstância e, por inerência, de um direito, então de nada serviria demonstrar um direito que o legislador conferiu, expressa e atempadamente, a uma das partes (isto é, um direito que se basta por si só, independentemente de qualquer prova).
Naturalmente, que o aresto do STA, sendo definitivo, tem implicações no universo processual, uma vez que a parte vencida que pretenda reclamar de uma nota de custas de parte vê-lhe agora retirado da lista de potenciais argumentos, aquele que, porventura, tinha o maior peso. Com efeito, a reclamação baseada apenas na falta de demonstração das quantias pagas pela parte vencedora a título de honorários já não pode colher.
Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.
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