CV: um velho amigo em perigo de extinção?

  • Rita Mendes
  • 25 Setembro 2019

O CV, no ponto de vista do candidato, limita-se a ser resumo da sua vida profissional, que se alia à primazia dada no processo de seleção à componente estética e utilização das palavras-chave certas.

Um produto que cumpra bem o seu objetivo, persiste. Lembro-me sempre disto quando me perguntam por que motivo o CV, embora pareça obsoleto, subsiste nos processos de recrutamento.

Defendo que o CV tem três objetivos: 1) simbólico, sendo a apresentação formal de candidatura a um emprego; 2) funcional, na medida em que é a descrição da experiência profissional e biográfica do candidato; e 3) preditivo, sendo a primeira estimativa do potencial de um candidato em ser bem sucedido numa dada vaga de trabalho.

E é neste terceiro que o CV falha.

Na realidade, o CV, no ponto de vista do candidato, limita-se a ser um resumo da sua vida profissional, que se alia à primazia dada no processo de seleção à componente estética e utilização das palavras-chave certas.

No fundo, diz-nos mais sobre as skills de design das pessoas do que algo sobre elas e sobre o fit para a função para a qual se candidatam.

Como solução para esta limitação, várias empresas prometem que um bom processo de recrutamento pode prescindir de CVs. Em seu lugar, substitui-os por uma espécie de CV 2.0 composto por testes e/ou tarefas que têm por base uma análise em Inteligência Artificial (IA), permitindo a candidatura através das redes sociais como o LinkedIn. Estas ferramentas trazem a premissa de eliminar enviesamentos, avaliando o potencial de fit da pessoa para a função.

Existem já soluções deste género no mercado, nomeadamente: a) avaliação de soft skills baseadas em gamification e em IA; b) avaliação da personalidade com IA; c) vídeo-candidaturas analisadas por IA; d) análise das redes sociais que avaliam informação partilhada no feed; e) análise do discurso/linguagem.

Será que isto é suficiente para eliminar de vez o CV dos processos de recrutamento?

O CV continua a ser uma ferramenta acessível. Estas soluções são e tenderão a ser dispendiosas, além de que poderão ser exageradas para necessidades de recrutamento e equipas reduzidas. Uma pequena farmácia que está a recrutar precisará de uma cara ferramenta de IA?

Outra lacuna está ironicamente relacionada com a flexibilidade que os CVs dão ao processo. O CV é adaptável a qualquer prioridade de seleção, contrariamente às soluções de IA que podem pecar por demasiada estandardização. Por um lado, elas assumem que as competências são valorizadas de igual forma por diferentes organizações, e, por outro, que os processos devem privilegiar o potencial job-fit da pessoa em detrimento de outros fatores potencialmente interessantes (como o tipo de projetos em que o candidato trabalhou ou a sua formação formal).

Penso que, com ou sem tecnologias, o CV persistirá. Em algumas indústrias manterá o formato mais tradicional, enquanto que noutras abraçará estas novas tecnologias. Qualquer mudança é inevitável. É assim que evoluímos. O recrutamento não é diferente. Contudo, para chegarmos a uma realidade em que o CV desaparecerá, acredito que o recrutamento como o conhecemos terá de desaparecer de igual modo.

Com toda as novas abordagens e tecnologias, estaremos mais perto de um mundo distópico onde a relação entre nós e empresas assentará unicamente em IA?

*Rita Mendes é recruitment lead na Nmbrs.

  • Rita Mendes

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