Deixe mensagem e, já agora, ADN
Ainda não foi desta que estivemos à venda no WhatsApp, mas já há do outro lado do mundo quem pague pelo nosso ADN.
Lembra-se de existirem datilógrafos profissionais? Eu não. Não sou do tempo em que era preciso “chamar alguém” para “bater um texto à máquina”. No meu tempo, aliás não fazemos outra coisa que não seja “teclar”. Trago-lhe o assunto porque nos 10 segundos que gastou a ler as últimas duas frases, pelo menos 2.000 pessoas no mundo enviaram um SMS.
“Teclamos” tanto e de tal forma que não sabemos quantas mensagens enviamos por SMS, Messenger, WhatsApp ou Telegram em privado, mas não é que não exista quem saiba, e quem mais queira saber. As plataformas digitais fazem negócio com publicidade, tendo praticamente absorvido todo esse mercado durante quase uma década sem que ninguém dissesse “alto e pára o baile”.
2020 foi ano de justiça para a Comissão Europeia, Alemanha, França ou Austrália que têm imposto cada vez mais regras ao funcionamento destas empresas, mas também para os EUA que finalmente tomaram posição a respeito dos graves problemas de concorrência das aquisições que o Facebook fez do Instagram e do WhatsApp.
Começámos 2021 com notícia de uma alteração das condições de utilização do WhatsApp para o obrigar a partilhar tudo o que “tecla” para “um alargado leque de propósitos” — ou seja, vender o conteúdo de conversas privadas para fins publicitários. Sim, o produto somos nós. E se aceitamos receber uns anúncios de sapatos quando trocamos mensagens sobre o assunto, não podemos aceitar tamanha invasão de privacidade no que fazemos. A alteração não aconteceu, mas o seu anúncio rendeu aos concorrentes (Signal e Telegram) um total de 81 milhões de downloads nos dias seguintes, porque há quem prefira a encriptação das suas mensagens.
“Deixar mensagem” já não é a mesma coisa, mas felizmente temos outras opções. Coisa diferente é o que já nos ensinou a COVID: o futuro é de quem estiver à frente nos cuidados de saúde. E se ainda não foi desta que estivemos à venda no WhatsApp, já há do outro lado do mundo quem pague pelo nosso ADN.
Israel está à frente na vacinação porque acordou em fornecer todos os dados sobre o processo aos fornecedores de vacinas, a China ofereceu a instalação de laboratórios colossais de testagem a vários estados em troca de dados sobre os pacientes. Que os dados são o novo petróleo já não é novidade para si, mas acredite que quanto maior é a amostra, maior é a precisão. E um mundo que se adivinha cheio de sensores, com tudo ligado e com tudo acessível, é um mundo em que a cura está ao alcance do processamento.
Há tanto que se pode fazer com os nossos dados que a Microsoft patenteou inteligência artificial no final do ano passado para que possa conversar por chat com um conhecido ou familiar que já tenha falecido. Basta vasculhar tudo o que a pessoa fez, gravou, fotografou, disse, escreveu ou gostou durante a sua vida nas plataformas digitais. Se isso chega para emular uma pessoa, milhões de amostras de ADN chegam para fazer uma pessoa nova à medida. Pense nisso e cuide de onde deixa mensagem e, já agora, ADN.
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