Delação premiada: juntemo-nos ao grupo dos populistas!
O que aqui está em causa? a figura do delator, o que denuncia, o que se chiba, o que trai alguém. E em que difere este sistema do método fascista do bufo? A tortura talvez. Pelo menos, até ver.
Na era das séries criminais em barda e de filmes oriundos das terras do Tio Sam ou mesmo das de Sua Majestade, a delação premiada não é, para nós, um conceito totalmente estranho. “The District Attorney wants to make a deal”, “plea bargaining ” já são expressões que nos entraram pela casa adentro. O Governo vem agora – com o ímpeto fervoroso de matar esta corrupção sem limites que assola Portugal (para os mais distraídos este é um exercício de pura ironia da minha parte!) – lançar um Plano de Combate à Corrupção (será o terceiro, quarto ou quinto da história da nossa jovem democracia?) em que lança o tapete à polémica ao anunciar a introdução de medidas que chama de meramente cirúrgicas no conceito de colaboração premiada.
Mas vamos lá então chamar os bois pelos nomes. O que aqui está em causa? a figura do delator, o que denuncia, o que se chiba, o que faz queixinhas de alguém em troca de algum favorecimento da sua própria punição. O que trai alguém (supostamente um parceiro de um crime). E em que difere este sistema do método fascista do bufo? A tortura talvez. Pelo menos, até ver. Com meias palavras, Francisca Van Dunem vem falar de medidas “apenas cirúrgicas”, justificando-se com o facto do mecanismo já existir na lei. Mas aconselho-vos a fazer um simples exercício de honestidade intelectual: existe? existe mesmo? Sim, existe, mas com o prazo limite de 30 dias desde a prática do crime até à dita denúncia. Um prazo de apenas um mês entre a prática do crime e a denúncia já em sede de investigação criminal, num país em que a Justiça penal demora mais de um ano até haver uma condenação em sede de julgamento. Numa Justiça em que uma acusação demora, em média, oito a nove meses. O que a ministra quer agora é precisamente retirar esse prazo de trinta dias. Na prática, não é apenas uma medida cirúrgica mas sim uma possibilidade de concretizar, no terreno, aquilo que já está previsto na lei. E com que contornos senhora ministra? Pré ou pós processual? O acordo será assinado e por quem? O delator tem de ‘participar’ de forma voluntária (queremos acreditar que só assim pode ser). E tem de ser o primeiro a denunciar? E pode ser o líder da associação criminosa ou não? E estará em cima da mesa a não punição do delator que é, também, um criminoso?
Bem podemos pegar nos dados que nos dizem que desde os anos 70 que este mecanismo foi crucial para 90% das condenações de crimes nos Estados Unidos. Mas estaremos nós preparados para ter um processo penal em modo copy cat do norte-americano? Um país em que 30 dos 50 Estados aprovam a pena de morte por crimes violentos, um país que elegeu Donald Trump como líder. Estaremos? Convictamente respondo que não. A traição como meio de obtenção de prova parece-me um retrocesso na nossa democracia e que nos levará, com certeza, a caminhos muito escorregadios em tempos em que o autoritarismo de alguns magistrados ou mesmo de algumas polícias pisa, de forma consecutiva, os direitos fundamentais e o princípio da presunção de inocência, ainda basilar no nosso processo penal. Mas até quando?
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