Desde 14 de novembro que as mulheres não recebem pelo seu trabalho

  • Tiago de Magalhães
  • 5 Dezembro 2023

Um bilhete expresso para o recuo do fosso salarial seria a garantia de que as mulheres e os homens gozariam exatamente o mesmo tempo de licenças, faltas e dispensas em igualdade de circunstâncias.

No passado dia 14 de novembro assinalou-se, em Portugal, o Dia Nacional para a Igualdade Salarial. Com a agenda mediática preenchida por outros temas que não adianta trazer aqui à colação, o dia, na minha opinião, acabou por passar mais desapercebido do que deveria.

A igualdade salarial, nomeadamente, entre mulheres e homens, que deveria ser um tema consensual, que está consagrado na nossa Constituição, previsto no Código do Trabalho, e mesmo a nível Europeu também tem suporte legal, acaba por não ser tão consensual quanto o deveria ser. E tanto assim é que, de acordo com dados da União Europeia (UE), as mulheres ganham em média (-) 13% do que os homens.

Na UE, em 10 anos, o gap diminuiu apenas 2,8% e a nível mundial prevê-se que com os dados atuais sejam necessários mais de 250 anos para eliminar o gender pay gap (GPG). Considerando uma esperança média de vida de 81 anos de idade, significa que são precisas ainda três gerações para que mulheres e homens ganhem o mesmo salário pelo mesmo trabalho. Em pleno século XXI estes dados são maus. Mas não quero ser pessimista. Acredito que é possível acelerar o passo e diminuir as diferenças ainda a tempo das crianças que estão a nascer hoje poderem dizer que no seu tempo já não vai haver GPG.

São várias as medidas que podem ser instituídas para diminuir a diferença salarial entre mulheres e homens, mas a principal será mesmo cultural. Historicamente as mulheres têm sido sempre vistas mais ligadas ao trabalho doméstico, e para os cuidados familiares. Aquele trabalho que acaba por não ser pago e que se reflete nos dados que referi.

Há também o fator biológico que acaba por – inconscientemente – colocar a mulher numa situação mais desfavorável (e quem o diz não sou eu, são os “- 13%” e os designados “telhados de vidro”) na medida em que as mulheres são quem tendencialmente ficam mais tempo afastadas da vida ativa, por serem quem acaba por gozar por mais tempo as licenças de parentalidade.

Em Portugal, desde 2018, que se encontra previsto que as entidades empregadoras devem assegurar a existência de uma política remuneratória transparente, assente na avaliação das componentes das funções, com base em critérios objetivos, comuns a homens e mulheres, excluindo-se qualquer forma de discriminação baseada no sexo. É importante que as empresas o tenham e deverá fazer parte do seu governance.

Por outro lado, também a nível comunitário esteve nos últimos anos a ser discutida a Diretiva para a Transparência Salarial na UE, e que prevê medidas como por exemplo a necessidade de informar os candidatos ao emprego de qual será o seu salário; ou por exemplo que institui a proibição de questionar os candidatos de qual o salário auferido anteriormente; ou ainda a possibilidade dos trabalhadores poderem pedir informação de quanto é que os seus pares auferem.

A referida Diretiva foi aprovada este ano e terá de ser transposta até 2026. Antecipo que no nosso ordenamento jurídico se venha a adaptar a Lei n.º 60/2018, e espero que o legislador o faça com boa técnica legislativa.

Simbolicamente, desde o dia 14 de novembro e até ao final do ano as mulheres não recebem pelo seu trabalho. Materializado, isto significa que as mulheres ganham em média 0,87€ por cada 1€ que os homens auferem. Podia ser pior – e até já o foi –, mas podia também ser melhor e deveria sê-lo.

Sei que não é consensual, e não o pretendo ser, mas um bilhete express para a diminuição do GPG seria a garantia de que as mulheres e os homens gozariam exatamente o mesmo tempo de licenças, faltas e dispensas em igualdade de circunstâncias. Este é um tema de social, mas é também um tema de governance. Na verdade, é um tema maior de sustentabilidade.

  • Tiago de Magalhães
  • Associado Sénior de Direito do Trabalho e Fundos de Pensões da CMS

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