“Durmo quando me deixarem”

  • Teresa Rebelo Pinto
  • 17 Março 2021

As queixas variam entre a necessidade de responder a emails pela noite dentro, interrompendo o sono para verificar se existem mensagens pendentes, até não conseguir desligar das tarefas profissionais.

Estão bem identificadas as situações que habitualmente comprometem a duração e a qualidade do sono. Durante a gravidez, em dias de calor ou frio extremo, no início da puberdade, na menopausa, após uma situação traumática, numa fase de internamento ou de dor aguda… O conjunto de circunstâncias em que o sono está inevitavelmente afetado é extenso. Se acrescentarmos a esta lista o fator trabalho, o número de pessoas com dificuldades relacionadas com o sono dispara.

As queixas variam entre a necessidade de responder a emails pela noite dentro, interrompendo o sono para verificar se existem mensagens pendentes, até não conseguir desligar das tarefas profissionais ou ter de lidar com medos ligados a situações de abuso ou violência no trabalho. Muitas vezes, os colaboradores sentem que não têm escolha e sentem-se obrigados a cumprir horários de trabalho que não recomendariam a ninguém.

O mais grave é que muitas pessoas assumem que esta intromissão do mundo do trabalho nos padrões de sono é “normal”, “faz parte” e “tem de ser”. Infelizmente, é esta a cultura que persiste atualmente.

Ao contrário das situações acima enumeradas, em que não sobram alternativas senão lidar com alterações significativas no sono, o desequilíbrio provocado pela dificuldade em impor limites face ao trabalho é totalmente desnecessário na maioria dos casos, pelo que deveria ser prevenido e combatido a todo o custo.

Em primeiro lugar, quem dorme pouco é menos produtivo durante o dia. Não é preciso citar estudos sobre isto, sabemos da nossa experiência pessoal: não funcionamos bem sem dormir o suficiente. O número de erros que cometemos dispara, o que pode representar riscos fatais quando se trata de conduzir nesse estado ou de manusear equipamentos perigosos, por exemplo. A par desta maior propensão para acidentes e incidentes, existe uma tendência para decisões mais impulsivas. Além disso, a privação de sono aumenta o absentismo e o presenteísmo, situação em que o colaborador consegue ir trabalhar, sendo incapaz de desempenhar corretamente as suas tarefas.

Tudo isto traz um impacto pesadíssimo para a economia, já que o custo da privação de sono afeta todas estas questões. Se durante a noite apostássemos mais no sono, durante o dia seríamos mais eficazes do ponto de vista da atenção, memória e regulação do humor, essencial também ao bom ambiente e relação saudável entre trabalhadores.

Quero acreditar que quem reconhece o impacto do sono no desempenho cognitivo, emocional e na regulação do humor vai deixar de querer fazer noitadas para pôr o trabalho em dia. Sobretudo se nos lembrarmos que os riscos da privação de sono são muitas vezes silenciosos, manifestando-se a longo prazo ou de forma súbita como nos casos de acidentes de viação ou outros incidentes.

Mesmo que as organizações não promovam ambientes de trabalho sleep friendly, seria ótimo se conseguíssemos dar o exemplo e começar a respeitar mais o sono. Impõe-se uma mudança de hábitos de trabalho, em que não haja dúvidas sobre a importância de investir no sono como garantia de produtividade e maior satisfação dos colaboradores. Imagine-se a desligar as notificações durante a noite, a deixar o telemóvel no hall de entrada ou a procurar um emprego em que se sinta mais valorizado e reconhecido. Experimente e repita, até se tornar um hábito e quem sabe uma exigência diária. Aprenda a deixar-se dormir em vez de dormir quando o deixarem.

*Teresa Rebelo Pinto é psicóloga, especialista em sono certificada pela European Sleep Research Society. Foi coordenadora do Projeto Sono Escolas.

  • Teresa Rebelo Pinto

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