E que tal um Big Brother para juízes?

Proponho uma ideia: que tal todos os magistrados passarem a estar numa casa ao estilo Big Brother, em que estes deixariam de ter acesso a tudo o que são jornais, telejornais e opiniões populistas?

Proponho um exercício aos nossos leitores. Imaginemos um arguido — acusado de três crimes de abuso de confiança — com 77 anos, julgado por um juiz que, logo à partida, nega a realização de uma perícia médica que comprove a sua doença de Alzheimer. Um arguido desconhecido de tantos ou de quase todos, um arguido que não apareça frequentemente nas páginas de jornais, nem nas aberturas de telejornais. E que não tenha sido líder de um dos mais importantes bancos nacionais.

E imaginemos que, perante a recusa do tribunal de pedir uma perícia que comprovasse essa doença, perícia essa que seria sempre totalmente independente, a defesa desse mesmo arguido decidisse pedir um relatório médico que acabou por concluir, por a mais b, que a doença existia e que estava em progressão rápida.

Ora, imaginemos ainda que esse arguido, um Zé ninguém qualquer como muitos que concerteza andam por aí a praticar crimes patrimoniais, se desloca à penúltima sessão de julgamento e que aparenta um estado confuso, baralhado, em declínio também físico e com uma clara subserviência ao juiz. Ora, podemos sempre dizer que este mesmo arguido merecerá o Oscar de melhor interpretação deste ano atribuído pela Academia de Hollywood — caso esse Alzheimer não exista — mas aí entraríamos num nível demasiado rebuscado e com enredo compatível com uma série digna de Netflix.

E agora frisem bem esta ideia: o que aqui está em causa não é a culpabilidade ou inocência do arguido. O que deveria estar em causa é a chamada empatia e um pingo de humanidade com o próximo, mesmo com o maior dos criminosos. Próprio do estado de direito e das democracias.

E continuemos a imaginar que os advogados de defesa desse Zé ninguém pediram em tribunal, caso o seu cliente fosse condenado, para ser apenas a pena suspensa, precisamente por esse estado de saúde referido, descrito e validado por um neurologista identificado. Concerteza que todos concordamos que a prisão, mesmo não sendo uma na África do Sul, não é o espaço compatível para uma pessoa que sofre de Alzheimer. A decisão do magistrado deste caso acabou a de ser seis anos de pena efetiva. Mas com um pormenor: deu a doença como provada. Mas, ainda assim, considerou que esse mesmo motivo não era compatível com o não encarceramento.

Pergunto aos nossos leitores: essa pena de prisão efetiva parece ser a mais acertada?

E, sabendo agora que esse mesmo arguido é o ex-líder do BES, Ricardo Salgado, a resposta é igual?

Sabemos bem a resposta a uma e a outra pergunta mas nem vale a pena confirmar ou fazer o chamado vox populi. Basta ‘apenas’ refletir que justiça é esta que se deixa levar pela opinião pública, pelo mediatismo dos processos e pelas opiniões das Anas Gomes desta vida?

E que justiça é esta que, perante a jurisprudência existente, como o caso de João Lourenço — presidente da autarquia de Santa Comba Dão em que o Tribunal de Viseu aplicou uma pena de prisão de sete anos, que foi suspensa por se ter confirmado que sofre da doença de Alzheimer – ignora essa mesma jurisprudência?

E que juiz é este que, em outubro garantia que na altura da decisão, iria tomar posição sobre esse mesmo assunto na aplicação da pena e que, quando redige o acórdão de 93 páginas, dedica apenas uma linha ao tema Alzheimer. Para dizer: está provado que o arguido sofre de Alzheimer.

Proponho ao poder político uma ideia peregrina: que tal passarmos a pôr todos os magistrados numa casa ao estilo Big Brother, em que estes deixariam de ter acesso a tudo o que são jornais, telejornais e opiniões populistas? E que nem saberiam da fuga de outro arguido igualmente mediático e já condenado?

Talvez o resultado fosse diferente.

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