Eficiências numa operação de concentração: quando os benefícios resultantes das eficiências mitigam os efeitos anticoncorrenciais

  • Pedro Carvalho
  • 21 Fevereiro 2022

A existência de uma entidade externa, perita em economia da concorrência, pode ser a chave para a aprovação de uma operação de concentração, como é inclusivamente referido pela AdC.

Nos últimos anos assistimos a níveis recorde de atividades de fusões e aquisições. Mesmo neste ano marcado pela pandemia, de acordo com dados do Institute for Mergers, Aquisitions and Alliances, até final de junho já se tinham registado perto de 6.000 operações de concentração na Europa. Este é um cenário que revela o dinamismo das empresas europeias, mas que aumenta também as preocupações, por parte das várias Autoridades da Concorrência Nacionais, fruto dos níveis de concentração em determinados sectores.

Embora muita tinta tenha sido gasta para escrever sobre se estas operações beneficiam ou prejudicam os consumidores, a decisão de aprovação ou de não aprovação pela Autoridade da Concorrência Portuguesa (AdC) é uma equação extremamente complexa com uma multiplicidade de dados a considerar. Desde logo a AdC verifica se a operação de concentração tem potencial de gerar efeitos anticoncorrenciais, sejam estes unilaterais, coordenados ou de encerramento de mercado, podendo levar a uma decisão de não aprovação. Posteriormente, a AdC analisa o surgimento de eficiências resultantes da operação e quando necessário examina a proposta de remédios/compromissos de ordem estrutural ou comportamental.

No caso de operações com potencial de gerar efeitos unilaterais, estas podem reduzir a intensidade concorrencial por via da eliminação da concorrência (efetiva ou potencial) entre as partes, criando condições para o exercício unilateral de poder de mercado. Estes efeitos unilaterais são passíveis de se concretizar em preços mais elevados, menor quantidade, qualidade ou variedade de produtos oferecidos, por norma em detrimento do bem-estar dos consumidores nos mercados relevantes ou em mercados que com estes se relacionem.

A coordenação de comportamentos corresponde a uma conduta de mercado em que um conjunto de empresas elimina as perdas associadas à concorrência entre elas, com vista à obtenção de lucros mais elevados, o que geralmente ocorre por via da acomodação mútua das suas estratégias de mercado. Uma operação de concentração pode suscitar preocupações jusconcorrenciais associadas a efeitos coordenados se tiver implicações na forma como as empresas interagem, tornando mais fácil, estável ou efetiva a coordenação de comportamentos das empresas no mercado.

Por último, a AdC considera que uma concentração provoca um encerramento de mercado quando o acesso dos concorrentes atuais ou potenciais aos inputs, ou aos mercados a jusante, é restringido ou eliminado na sequência da concentração, reduzindo assim a capacidade ou o incentivo destas empresas para concorrerem. Assim, podem distinguir-se duas formas de encerramento sendo que a primeira se verifica quando a concentração é suscetível de aumentar os custos dos concorrentes a jusante, restringindo o seu acesso a um bem ou serviço importante (encerramento de fatores de produção). A segunda forma ocorre quando a concentração é suscetível de encerrar o mercado para os concorrentes a montante, restringindo o seu acesso a uma base de clientes (encerramento como cliente).

Se é verdade que também há efeitos anticoncorrenciais que podem advir de operações de concentração, pela dimensão ou quota de mercado das entidades envolvidas, também é verdade que podem surgir eficiências associadas à operação de concentração capazes de produzir múltiplos benefícios para os consumidores. Estas eficiências pró-concorrenciais podem contribuir para a redução de preços e para o incremento da qualidade e variedade de produtos ou serviços, as designadas eficiências do lado da procura. Adicionalmente, as eficiências também podem surgir do lado da oferta, em virtude da criação de economias de escala ou de gama, na possibilidade de reafectação da produção entre as empresas de forma eficaz ou, ainda, em novos desenvolvimentos de I&D.

Questiona-se o leitor como se pode demonstrar as eficiências numa operação de concentração? Para responder a esta questão, é importante ter em conta que a abordagem a estas eficiências impõe um conjunto de condições sem as quais a AdC não as levará em consideração, no momento da análise da operação de concentração. Desde logo, as eficiências devem ser verificáveis, específicas à operação, de elevada probabilidade de concretização ocorrendo num curto espaço de tempo e, tão ou mais importante, é necessário demonstrar que a mais-valia criada vai ser transferida para os consumidores de modo a que possa mitigar quaisquer efeitos anticoncorrenciais que, de outra forma, poderiam travar a operação. Dada a complexidade e as especificidades da análise em questão, a existência de uma entidade externa, perita em economia da concorrência, que examine de forma independente e confirme o tipo e dimensão destas eficiências, bem como a magnitude dos seus benefícios para o consumidor, pode ser a chave para a aprovação de uma operação de concentração, como é inclusivamente referido pela AdC.

  • Pedro Carvalho
  • Manager na Kepler Forensic Partners

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