Europa, um futuro em aberto

As apreensões em relação ao cenário italiano são mais óbvias. A vitória de um partido antissistema é o óbvio ululante da crise de representatividade.

No mesmo dia em que nas eleições italianas as duas forças políticas mais votadas são notoriamente eurocéticas e os resultados estão longe de assegurar uma solução de governação, na Alemanha foram finalmente reunidos todos os requisitos para um compromisso de governação ao centro pró União Europeia. Podemos notar que o que estamos a assistir é tão só à Itália a ser Itália, fazendo jus à sua indómita ingovernabilidade, e à Alemanha a ser Alemanha, na tradição da sua política de compromisso, do Pós-guerra à Reunificação. Os números ajudam a compreender: Itália 65 governos desde 1946, Alemanha 24 governos e, talvez mais impressivo, apenas nove primeiros-ministros.

Mas, para além deste histórico, importa aferir os contextos e as expectativas face a estes acontecimentos no atual momento europeu. O curioso é que, embora aparentemente distintas, ambas as situações estão a causar apreensões nalguns casos comuns. E no final de um ano em que os maiores países da UE (França, Reino Unido, Alemanha e Itália) tiveram importantes processos eleitorais, numa fase ascendente da economia em termos médios e na generalidade dos países, o clima parece ser mais de vésperas de fim de ciclo, do que de início de uma nova fase de esperança.

As apreensões em relação ao cenário italiano são mais óbvias. A vitória de um partido antissistema é o óbvio ululante da crise de representatividade. Entre outros factos, convém recordar que os últimos quatro primeiros-ministros italianos (Monti, Letta, Renzi e Gentiloni) não saíram de eleições. Mas não é descabido perguntar que programa de Governo poderia apresentar um executivo liderado por Luigi di Maio. Como notou ainda esta semana o anterior Presidente Aníbal Cavaco Silva, numa conferência no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, até Alexis Tsipras teve de conformar a sua política económica e monetária às regras europeias. Quanto a Matteo Salvini, o maior receio é o de que algumas das posições doutrinárias nacionalistas e xenófobas são sobejamente conhecidas e que, aliás, como notou por exemplo Ricardo Costa, já estão a ser assimiladas por soluções governativas em vários países europeus.

No caso alemão, as apreensões são como o reverso do cenário italiano. Os receios são os de que o compromisso ao centro deixe a oposição e a alternativa (não por acaso literal, “Alternative für Deutschland”) para as posições xenófobas e antirrefugiados. Preocupado com o desmoronar do centro-esquerda um pouco por toda a Europa, Timothy Garton Ash escreveu que a falta de entusiasmo em torno do novo governo faziam as negociações entre a CDU/CSU e o SPD parecer mais o preparativo para um funeral do que para um casamento. Nas reações aos últimos desenvolvimentos, não falta quem anteveja o crescimento da AfD e vaticine que este será um governo de fim de ciclo.

Há um ano, a Comissão Europeia apresentou um Livro Branco sobre o futuro da Europa, no que foi apresentado como um início de uma reflexão a ter lugar até às próximas eleições europeias. Nesse documento foram apresentados cinco cenários, que são muito sinteticamente resumidos nas palavras da própria Comissão: (1) Continuidade: a UE27 concentra-se em realizar o seu programa de reformas positivas; (2) Apenas o mercado único: a UE27 recentra-se progressivamente no mercado único; (3) Fazer mais, quem quiser mais: a UE27 permite que os países interessados possam avançar juntos em áreas específicas; (4) Fazer menos com maior eficiência: a UE27 concentra-se em certos domínios de intervenção para obter mais resultados com maior rapidez, envidando menos esforços noutros domínios; (5) Fazer muito mais todos juntos: os países da UE decidem fazer muito mais, em conjunto e em todos os domínios de intervenção.

Face aos desenvolvimentos políticos no último ano, não é claro qual é o cenário que ganhará ascendência a médio prazo na União Europeia. Podemos excluir um cenário catastrofista de desintegração na sequência de uma sucessão de saídas na senda do Brexit e podemos também declinar um novo impulso de aprofundamento federalista. Entre estes dois polos, restam incertezas, escolhas, muita história por fazer e um futuro que, certamente, não ficará fechado num Livro Branco.

  • Docente do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

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